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— Pode comunicar ao suserano elfo que o trabalho de parto da sua senhora já quase terminou — disse-lhe. — Está com boa saúde e bem cuidada. Acho que vai correr tudo bem, com ela e com o bebê.

— O Porthios aguarda lá fora — disse Tanis. Por todos os deuses, esquecera por completo esta outra crise! — Vou lhe comunicar.

— Ele deveria se encontrar aqui, por perto! — respondeu Dezra, em tom colérico. — Que pretende ele, fugindo desta maneira?

— Dezra, foi melhor ele ter saído. Já me vi em dificuldades para convencê-lo a ficar onde está. A guerra quase estalou exatamente aqui.

Ao ouvir o elfo, Steel levou a mão ao punho da espada e mordeu o lábio.

— Guerra! — exclamou Dezra com amargura — Uma nova vida está prestes a vir a este mundo de sofrimento! Melhor seria que o bebê nascesse morto!

— Não diga isso, Dezra! — gritou Tika de repente. — Cada recém-nascido constitui a esperança de um mundo melhor! Preciso acreditar nisso! A vida dos meus filhos significou alguma coisa!

— Sim, querida. Significa. Perdoe-me. Falei à toa. Anda lá pra acima — respondeu Dezra chorando. — Eu... preciso que me ajude a assistir a Dama Alhana. Caso possa.

— Uma nova vida — murmurou Tika. — Uma parte. Outra chega. Sim, posso ajudar. Posso ajudar...

— Pai — disse Palin quando a mãe abandonou a sala. — Precisamos falar. Já!

Surpreendido com o tom de inusitada firmeza do filho, Caramon olhou em volta.

O rosto de Palin mostrava-se esgotado e com uma palidez de cera. Manchas cinzentas ensombravam-lhe os olhos.

— Eu... Desculpe, filho — murmurou Caramon, alisando o cabelo. — Eu... Nem sei bem o que estou fazendo. Deveria se deitar. Vai lá descansar...

— Irei, pai — respondeu Palin, em tom paciente e pegando-lhe no braço. — Venha comigo. Temos que conversar. Precisamos falar a sós, há problema?

Steel, a quem a pergunta era dirigida, condescendeu com um breve aceno de cabeça, dizendo:

— Mestre Mago, deu-me a palavra de honra que como não tentará fugir.

— E a manterei — retorquiu Palin com ar digno. — Por favor, pai.

— Caramon, vai com ele — insistiu Tanis. — Os teus dois outros filhos se encontram sob a guarda de Paladino. É o Palin que precisa de ti agora.

— Tanis, não compreendo! — disse Caramon, com o rosto contorcido num esgar de desgosto e de confusão. — Raistlin morreu! Que mais querem dele? Não compreendo!

Quanto a isto, Tanis tinha as suas dúvidas. Será que Raistlin morrera realmente? Ou será que os feiticeiros Vestes Cinzentas de Takhisis haviam descoberto algo? Tanis pressentia que Palin sabia mais do que aparentava.

— Preciso falar com Dalamar — murmurou Tanis quando Palin e Caramon abandonaram a sala. — Preciso falar com o Lorde Cavaleiro. Estamos em apuros... Em sérios apuros.

Mas, para já, a única pessoa com quem devia falar era com Porthios. Para lhe dizer que o filho nasceria em breve.

Há quem parta deste mundo. E há quem chegue.

Esperança?

Era algo que, na altura, parecia a Tanis impossível.

Anos atrás, Caramon construíra para Tika a mais bela casa de Consolação. A mesma era suficientemente espaçosa para acolher uma família em crescimento e, por longos anos, as paredes vibraram com as gargalhadas e as brigas dos três filhos varões dos Majere. Mais tarde vieram ao mundo duas filhas — com o exclusivo propósito de arreliarem os irmãos mais velhos, pelo menos era o que Palin afirmava com freqüência.

Nessa época, Caramon e Tika constituíam os donos e proprietários absolutos da Estalagem da Última Casa. Em tempo, os rapazes chegavam à idade adulta e partiam em aventuras. A casa situava-se próximo da estalagem. Os constantes vaivéns, a qualquer hora do dia ou da noite (Tika acordava, com frequência, com a firme convicção de que a estalagem pegara fogo e estava constantemente pedindo a Caramon que fosse verificar), faziam perder tempo e eram desgastantes. Por fim — embora o casal amasse a casa — Tika e Caramon decidiram que se tornaria mais fácil vendê-la e passarem a residir na estalagem.

Um dos quartos da velha casa passara a designar-se “O Quarto de Raistlin”. Outrora, depois do irmão gêmeo ter ingressado nos Vestes Negras e passado a viver na Torre da Feitiçaria Suprema, em Palanthas, Caramon mantivera o quarto como estava, na esperança, tênue mas ilusória, de que um dia Raistlin se capacitaria do seu erro e regressaria.

Após a morte de Raistlin, Caramon planejara converter o quarto simplesmente “noutro quarto”, mas as suas aspirações e sonhos concentraram-se de tal forma ali que, como fantasmas, se recusavam a ser desalojados. O Quarto de Raistlin assim permaneceu até o dia em que a casa foi vendida. Quando os Majere se transferiram para a estalagem, não ocorreu a ninguém criar outro “Quarto de Raistlin”. Até o dia em que, sobressaltado, Caramon ouviu as suas duas meninas referirem-se a uma das divisões — uma pequena dependência para arrumações, nos fundos — como o Quarto de Raistlin.

Tika atribuiu-o ao fato das filhas tentarem, tanto quanto possível, converter a casa nova e estranha à imagem e semelhança da que haviam deixado. Caramon concordara, mas ambos passaram a ter o hábito de designar a mesma por Quarto de Raistlin. Um mago que andava de viagem e pernoitava na estalagem, por acaso, ouviu-os e suplicou-lhes que lhe permitissem ver o quarto onde, sem dúvida, o famoso mago passara grande parte da existência.

Caramon tudo fez no sentido de dissuadir o feiticeiro do seu erro — aquela parte da estalagem nem sequer existira durante a vida de Raistlin. Mas o Veste Vermelha era obstinado e também um cliente regular e precioso (pagava em aço e não em dentes de lagarto), pelo que Caramon concordou em mostrar o quarto das arrumações ao hóspede.

O feiticeiro achou-o encantador, embora um pouco abarrotado com vassouras e a caixa de lenha. Pediu se podia deixar um anel mágico — como “penhor da sua estima”. Caramon não soube como recusar. O feiticeiro depositou o anel no alto de uma barrica de cerveja vazia e partiu.

Receando tocar no objeto arcano (Caramon vira magia suficiente para saber que podia acabar transformado num lagarto), deixou-o onde estava. Um mês depois, apareceram dois magos Vestes Brancas, que ali acorriam com o único intuito de ver o “relicário”. Ao que parece, o primeiro feiticeiro, depois de abandonar a estalagem, fora bafejado com um golpe de sorte fenomenal. O Veste Vermelha considerara o ocorrido bastante inusitado e atribuíra-o à complacência de Raistlin. Espalhada a lenda, aqueles outros dois encontravam-se ali para depositar os seus pequenos “penhores”.

A barrica de cerveja foi beneficiada com um rolo de pergaminho e uma poção. Os feiticeiros permaneceram duas noites, gastando dinheiro e conversando com Caramon, que ficava sempre agradado com as reminiscências sobre Raistlin. Passou-se um mês e apareceu uma Veste Negra, que chegou e partiu sem falar com ninguém, a não ser para inquirir a localização “do quarto”. Embora não ficasse para pernoitar, mandou vir o melhor vinho da casa e pagou em aço.

Em breve, a estalagem recebia a visita de magos vindos de todos os pontos de Ansalon. Alguns deixavam, como dádivas, objetos arcanos, outros, os seus ingredientes de encantamento para que fossem “reforçados”, voltando mais tarde para buscá-los. Estes últimos juraram que os poderes mágicos dos objetos aumentaram.

A idéia do quarto possuir “poderes” especiais, arrancava um sorriso de Tika, que a atribuía ao caráter sobrenatural típico dos feiticeiros em geral. Caramon concordara, até o dia em que, quando remexia alguns papéis velhos de Otik, o grandalhão deparara com um tosco diagrama da estalagem antiga, anterior à sua destruição pelos dragões, durante a Guerra da Lança. Ao examiná-lo, e revendo lembranças ao mesmo tempo doces e amargas, Caramon ficara estupefato (e consideravelmente abalado), ao descobrir que aquele “Quarto de Raistlin” se situava pertíssimo da lareira junto à qual o irmão costumava se sentar.