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— Pai, eu não pretendo abrir o Portal — respondeu Palin em voz baixa. — Não é por este lado que será aberto.

— Raistlin! — exclamou Caramon. — Está à espera que Raistlin o abra para você! Mas, isso é uma loucura! — Abanou a cabeça. — Os cavaleiros das trevas impuseram um resgate impossível de ser pago. Não lhes deve nada! Não se preocupe — acrescentou, em tom soturno —, eu e Tanis negociaremos com o Senhor Montante Luzente.

— Pai, dei-lhe a minha palavra de honra que não fugiria — replicou Palin, com azedume. — Vai me obrigar a quebrá-la, você, que sempre me ensinou a honrá-la?

Caramon olhou firmemente para o filho, com as lágrimas a perolar-lhe as pestanas.

— Se acha esperto, não acha, Palin? Encurralou-me, utilizou as minhas próprias palavras contra mim. O teu tio costumava fazer isso. Nisso, era bom. Era bom para impor a sua vontade, mesmo que para isso tivesse que magoar. Pois então vá. Faça o que pretende. Não posso detê-lo, tal como não pude deter a ele.

Dito isto, Caramon levantou-se e, com ar digno, passou pelo filho e abandonou o quarto.

Palin permaneceu sentado, sentindo-se gelado e abalado. Claro que o pai tinha razão. Recorrera, com frequência, à vivacidade do seu espírito e ao seu discurso fluente para traçar círculos em volta do raciocínio mais lento do pai e dos irmãos, tal e qual um cão mordiscando um urso acorrentado. E acabavam sempre desistindo. Fora após um desses atos de prestidigitação oratória que os irmãos lhe permitiram — muito a contragosto — cavalgar com eles até Kalaman. Suplicara, argumentara, manipulara, até desistirem. E agora, por terem se preocupado mais em protegê-lo do que em concentrar-se na luta, ambos se encontravam mortos.

Sentiu a ferida latejar. Palin olhou fixamente para a cadeira onde o pai se sentara, e as recordações avassalaram-no.

Fugir. Tratava-se da única coisa sensata a fazer.

Seria uma atitude sensata fugir do inimigo que se aproximava, e nos escassos momentos de agitação em que tiveram tempo para tal, o pequeno bando de cavaleiros e o jovem mago discutiram a hipótese.

Os navios de proa negra perfilavam-se no mar. Embarcações cheias de homens dirigiam-se rapidamente para a praia. As asas de inúmeros dragões azuis obscureciam a luz do Sol. Na praia, onde se reuniram para apreciar o dia e a beleza marítima, o pequeno bando de Cavaleiros da Solamnia, encurralados no descampado, encontravam-se em grande desvantagem numérica.

— Se fugirmos, nos separamos e dispersamos — dissera-lhes o comandante, gritando para que o fragor da rebentação não abafasse as palavras.

— E para onde poderíamos ir sem que os dragões nos seguissem? — perguntara Tanin. — Iriam nos perseguir, apanhar um a um, e zombariam para sempre da covardia dos Cavaleiros da Solamnia! Pois eu digo que devemos ficar e lutar.

— Fiquemos — dissera Palin em tom decidido.

— Não, Palin, você não — interviera Tanin, virando-se para ele. — A tua carga é leve, o teu cavalo veloz. Não é lugar para você. Volte a Kalaman e avise-os do que se passa.

— O quê? Ir embora e permitir que os meus dois irmão lutem sozinhos? — exclamara Palin, ultrajado. — Acham que eu faria uma coisa dessas?

Tanin e Sturm entreolharam-se. Sturm abanara a cabeça, evitara-lhe o olhar e examinara o mar, coalhado de embarcações pululantes de homens. Restava-lhes pouco tempo. Aproximando-se de Palin, Tanin apertara-lhe firmemente o braço.

— Eu e Sturm conhecíamos os riscos que corríamos quando fizemos o juramento de cavaleiros. Mas você não, Palin...

— Não vou! — exclamara Palin, com voz soturna. — Sempre que há confusão, me manda para casa! Pois desta vez não será assim!

Com o rosto afogueado pela cólera, Tanin inclinara-se na sela.

— Raios o partam, Palin! — exclamara. — Não se trata de nenhuma luta contra os rufiões da vizinhança! Vamos morrer! E como acha que a mãe e o pai se sentirão se tiverem de enterrar os três filhos? Em especial você, que é o mais novo?

Por um momento, Palin fora incapaz de proferir palavra. Perpassara-lhe o espírito uma imagem em que se via virando as costas e fugindo, obrigado a dizer, com vergonha, aos pais: “Não sei o que aconteceu aos meus irmãos...”

Palin levantara a cabeça.

— Tanin, você me deixaria para trás? — perguntara.

— Não, mas... — Tanin tentara argumentar. Palin prosseguira:

— Por ser feiticeiro, não possuo vínculos de honra? Também fazemos juramentos que nos são peculiares. Pela magia e por Solinari! Ficarei e lutarei ao seu lado contra esse demônio, mesmo às custas da própria vida!

Sturm esboçara um sorriso ambíguo.

— Ele te pegou, Tanin, não há nada que possa fazer — observou.

Tanin hesitara. Palin encontrava-se sob sua responsabilidade, pelo menos assim achava. Depois, estendera a mão de súbito.

— Muito bem, meus irmãos — dissera, abarcando Sturm e Palin com o olhar. — Hoje lutaremos por Paladino e — esboçara um leve sorriso —, por Solinari.

Os três irmãos apertaram as mãos. Em seguida separaram-se, para se juntarem aos outros cavaleiros, que se desdobravam em linha, ao longo da praia.

Era tudo o que Palin recordava com nitidez. A batalha fora breve, dura, amarga. Soltando guinchos desvairados, os bárbaros pintados de azul saltaram das embarcações e correram para a costa, de boca escancarada, como que a sorver o sangue do inimigo, com os olhos a reluzir de lubricidade beligerante. Investiram contra os cavaleiros, qual onda gigantesca, guerreando com uma ferocidade devastadora, deliciando-se na matança.

Mais disciplinados, melhores combatentes, os cavaleiros aguentaram o primeiro surto de atacantes. Uma das bolas de fogo, nascidas da magia de Palin, fora explodir justamente no meio dos bárbaros, dilacerando-lhes a carne e deixando um rasto de cadáveres carbonizados e retorcidos.

Mas sucedera-se uma segunda onda e depois uma terceira, os homens calcavam os corpos dos camaradas a fim de chegar até os cavaleiros que os haviam desbaratado. Palin lembrou-se de ver os irmãos cerrarem fileiras à sua frente, na tentativa de protegê-lo — ou pelo menos julgou recordar-se. Nessa altura, algo lhe batera na cabeça — possivelmente uma lança arremessada, que um dos irmãos conseguira, em parte, desviar.

Foi a última vez que os viu com vida.

Quando Palin recuperara os sentidos, a batalha chegara ao fim. Dois cavaleiros das trevas encontravam-se postados vigiando-o. Viera-lhe o desejo de perguntar pelos outros, mas contivera-se, receando conhecer a verdade.

Fora então que, ao avistar Steel, Palin soubera...

Suspirando, Palin levantou-se assomando à porta que dava para o Quarto de Raistlin, espreitou para o corredor e para as escadas que desembocavam na sala comum, agora deserta. Lá embaixo, Steel encontrava-se sozinho, sentado numa cadeira, numa postura rígida, renitente em baixar a guarda, em adormecer, embora só os deuses soubessem o quanto estava precisando.

Olhando fixamente para a sala comum, Palin sentiu saudades dos irmãos, das suas gargalhadas, do quanto o arreliavam e distraíam. Daria todas as riquezas de Ansalon para poder escutar mais um dos sermões de “irmão mais velho” de Tanin, para ouvir as gargalhadas ruidosas de Sturm. Sentiu saudades das irmãzinhas, que o arreliavam até deixá-lo maluco. Devido à chegada dos elfos e à possibilidade de confusão, Caramon e Tika tinham mandado as meninas para junto de Lua Dourada e Vento do Rio, os chefes tribais de Queshu. Contudo, sentia-se verdadeiramente grato por Laura e Dezra, as meninas, não se encontrarem ali para ver os irmãos mais velhos enterrados no solo. Para desgraças, já bastava quando regressassem para casa e deparassem com os túmulos. Esse momento iria constituir o fim da sua infância descuidada.