Tanis Meio Elfo subiu as escadas e deteve-se no patamar.
— Caramon me contou que decidiu partir — disse. Palin aquiesceu com a cabeça.
— Onde está o pai? — perguntou.
— Com a tua mãe. Palin, não vá ao encontro dele — aconselhou-o gentilmente Tanis. — Deixe que elabore a situação à sua maneira, que o faça no seu próprio ritmo.
— Não pretendia... — Palin calou-se, engoliu em seco e prosseguiu: — Tanis, preciso fazer isto. O meu pai não compreende. Ninguém compreende. É a voz dele. Ouço a voz dele...
Tanis olhou para Palin com ar preocupado.
— Fica para as exéquias fúnebres?
— É claro — respondeu Palin. — Mas partimos em seguida.
— Antes de ir onde quer que seja, tem que repousar, comer e beber. Você e o Steel Montante Luzente — disse Tanis. — Se eu conseguir persuadi-lo de que não vai ser envenenado nem apunhalado durante o sono. Parece tanto com o pai! — acrescentou, acompanhando Palin até à sala comum. — Quantas vezes vi Sturm Montante Luzente, sentado como ele está, morrendo de cansaço, mas muito orgulhoso para admitir!
À aproximação dos dois, Steel levantou-se. Se o fez por respeito para com Tanis, por cansaço ou por ambas as coisas, não se sabe. O seu rosto, duro e implacável, não revelava o mínimo indício dos pensamentos ou sentimentos que o agitavam.
— É tempo de partirmos — disse, olhando para Palin.
— Sente-se — respondeu este. — Não parto enquanto os meus irmãos não receberem um enterro condigno. Há comida e bebida. A carne está fria, mas o mesmo acontece com a cerveja. Vou arranjar-lhe um quarto. Pode dormir aqui esta noite.
O rosto de Steel ensombrou-se.
— Não preciso de...
— Precisa, sim! — replicou Palin. — Precisa descansar antes de prosseguirmos. De qualquer maneira, será mais seguro viajarmos até Palanthas depois do anoitecer.
— Palanthas! — Steel franziu o cenho. — Por que havíamos de ir até Palanthas... um baluarte dos Cavaleiros da Solamnia? A menos que se trate de alguma cilada...
— Não é cilada nenhuma — respondeu Palin, afundando-se pesadamente numa cadeira. — Vamos a Palanthas porque é lá que se encontra o Portal, na Torre da Feitiçaria Suprema.
— O que pretendemos é que os feiticeiros concordem em abrir o Portal. Isso contradiz as ordens que recebi — replicou Steel.
— Sou eu quem abrirá o Portal — disse Palin. — Com a ajuda do meu tio — acrescentou, ao ver a declarada expressão de desconfiança de Steel.
Este não deu resposta e examinou Palin, parecendo que ponderava o assunto.
— A viagem será perigosa — prosseguiu Palin. — Tenciono não só abrir o Portal como também transpô-lo, entrar no Abismo. Vou ver se encontro meu tio. Me acompanhará ou não, a escolha é tua. Acho — acrescentou em tom desenvolto — que possivelmente te agradará a hipótese de falar pessoalmente com a tua Rainha.
Um fulgor súbito fez reluzir os olhos negros de Steel. Palin dissera algo que trespassara a armadura fria e lhe atingira a carne. A resposta que deu foi caracteristicamente sóbria e lacônica.
— Muito bem. Iremos a Palanthas.
Palin soltou um suspiro. Vencera duas rijas batalhas. Vitorioso, já podia permitir-se sucumbir ao sono. Muito exausto para ir para o quarto, pousou a cabeça na mesa. E no exato momento em que se deixava embalar pelas ondas envolventes do sono, ouviu uma voz que lhe murmurava:
Muito bem, jovem. Muito bem! Fico aguardando a tua vinda.
12
A pretensão de Usha.
Dalamar não se mostra convencido.
Uma descoberta surpreendente.
— Aqui para nós, esta foi a refeição mais maravilhosa que comi em toda a minha vida! — observou Tasslehoff Pés Ligeiros. — Sinto-me absolutamente empanturrado!
Reclinado na cadeira, com os pés apoiados na mesa, pôs-se a examinar as colheres de prata. Estas eram extraordinárias, e em cada uma viam-se desenhos intrincados que Tas supôs serem elfos.
— Talvez as iniciais de Dalamar — disse para consigo em tom sonolento. Na verdade, comera muito, mas tudo tinha um sabor tão bom! Os seus dedos acariciaram com ternura a colher. Tencionava voltar a colocá-la na mesa, mas, sem que desse conta, os mesmos dedos levaram a colher ao bolso da camisa e ali a depositaram. Tas bocejou. Uma verdadeira delícia, a refeição!
Era evidente que Usha sentia o mesmo. Encontrava-se estirada numa cadeira, com as pernas esticadas, as mãos dobradas sobre o estômago, a cabeça inclinada para o lado e os olhos semicerrados.
Sentia-se quente, em segurança e maravilhosamente saciada.
— Acho que nunca provei nada assim! — murmurou, soltando um bocejo.
— Eu também não — respondeu Tas, com os olhos piscando e esforçando-se por se manter acordado. O penacho fazia-o parecer-se muito com uma coruja empalhada.
Quando Dalamar e Jenna entraram na sala, Tas e Usha, mergulhados num torpor ligeiramente ébrio e empanturrado, saudaram-nos com um sorriso.
Os feiticeiros trocaram um olhar cúmplice. O elfo das trevas efetuou uma rápida inspeção na sala, registrando o conteúdo.
— Só falta uma colher — observou. — E o kender ficou aqui sozinho por mais de uma hora. De certo modo, podemos considerar um recorde. — Inclinando-se e retirou a colher do bolso de Tas.
— Encontrei-a no chão — disse Tas que, sem na realidade saber o que fazia, começou, com voz sonolenta, a recitar uma litania completa, fazendo a apologia da sua pessoa enquanto kender. — Por acaso veio parar no meu bolso. Tem certeza que é sua? Pensei que já não a queria. Como saíu sem mais nem menos... Ia lavá-la e devolvê-la.
— Obrigado — respondeu Dalamar, repondo a colher na mesa.
— De nada — retorquiu Tas, com um sorriso e fechando os olhos. Dalamar virou-se para Usha, que sorria com ar apatetado e lhe acenou com a mão.
— Que grande refeição! — observou ela.
— Obrigado. Ouvi dizer que tem uma carta para mim — respondeu Dalamar.
— Pois é. Está aqui. Deve estar aqui. — Usha introduziu a mão num dos bolsos das calças de seda. Retirando o rolo de pergaminho, agitou-o no ar, com uma expressão jovial.
— Meu amor, o que colocou na cidra? — sussurrou Jenna a Dalamar. Pegando no rolo, examinou-o cuidadosamente.
— É isto, filha? Tem certeza?
— Não sou tua filha — respondeu Usha, zangada. — Além de não ser minha mãe, é pouco mais velha do que eu. Portanto, deixe de pose, minha menina!
— E é filha de quem? — inquiriu Dalamar em tom casual, aceitando a carta.
Não a abriu logo e ficou olhando para Usha com ar pensativo, procurando detectar alguma semelhança entre ela e o seu Shalafi — um homem que o elfo admirara, amara, receara e odiara.
Usha fixou-o, com as pálpebras semicerradas.
— Acha que sou filha de quem? — inquiriu.
— Não sei — respondeu Dalamar, instalando-se numa cadeira próxima da de Usha. — Fale-me dos seus pais.
— Vivíamos nas Planícies do Pó — começou Usha.
— Você não — interrompeu-a Dalamar, num tom contundente, que fustigou Usha como se fosse um chicote. — Não minta, garota!
A jovem titubeou, endireitou-se e olhou-o circunspecta.
— Não estou mentindo...
— Está sim. Estes objetos mágicos — e Dalamar atirou o alforje para o colo de Usha —, são de confecção Irda. Reconheço-os! — Segurando na carta, acrescentou: — Sem dúvida que contém a verdade...
— Não, não contém — replicou Usha. A cabeça começava a latejar, tinha a língua seca e sentia-se enjoada e confusa. Começava a não gostar daquele lugar nem do mago de vestes negras. Já cumprira a sua missão. Era hora de partir. — Não passa de uma história a respeito de uma pedra preciosa. Não sei porque Prot a considerou importante. — Pegando nos alforjes, algo titubeante, levantou-se. — E agora, já entreguei a carta e tenho que partir. Obrigada pela refeição...