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Qualquer homem, mulher, elfo, humano, duende ou gnomo, que dirigisse um negócio, pertencia a um grêmio. Havia o Grêmio dos Ourives, que trabalham em Prata, o Grêmio dos Fabricantes de Espadas, o Grêmio dos Estalajadeiros, o Grêmio dos Fabricantes de Cerveja, o Grêmio das Costureiras, o Grêmio dos Alfaiates, o Grêmio dos Sapateiros, o Grêmio dos Joalheiros e mais uma centena, incluindo o único grêmio em Ansalon dirigido por um kender — o Grêmio dos Achados. Quem perdesse algo em Kalaman, recorria de imediato ao Grêmio dos Achados.

A cidade possuía uma milícia própria, composta por uma mistura de mercenários contratados e citatinos, liderados por soldados veteranos. Os mercenários não eram aventureiros turbulentos comuns que se disponibilizam a nos ajudar a combater os duendes maléficos pelo preço de um odre de vinho, e que ao mesmo tempo oferecem os seus préstimos aos duendes maléficos, para nos combater ao mesmo preço. Como parte do soldo, a todos os mercenários contratados para lutar por Kalaman, era concedida uma casa na cidade. Dirigiam o seu próprio grêmio e tinham direito de voto. Assim, os mercenários que aceitassem tal missão, logo se convertiam em cidadãos, com um papel a desempenhar na cidade e motivos de sobra para lutar por ela.

A milícia de Kalaman era leal, com treino adequado e a bravura que se esperaria. Não hesitava perante qualquer adversidade.

O Sol matinal derramou o seu fulgor pela muralha leste, e foi saudado pelos galos domésticos. A maior parte dos cidadãos ainda dormia. Os vigias do porto, que se preparavam para serem rendidos, bocejavam, saudosos do merecido repouso.

— Navio à vista — anunciou um deles. — Alguma chegada para esta hora?

O outro consultou o diário de bordo.

— Pode ser o Lady Jane, de Flotsam. Comunicou que vinha recolher aquela carga de cereais, mas, se for, adiantou-se. Só o esperávamos a partir do meio-dia.

— É porque o vento esteve à favor — respondeu o outro, virando-se para a ponte de embarque e tentando avistar os que iam rendê-los. Ao virar-se de novo, piscou os olhos e arregalou-os. De repente, no horizonte, perfilava-se uma segunda vela.

— Estranho. Avisto outro navio. E, lá vem outro!

A sua voz denotava preocupação:

— Por Hiddukel! Trata-se de uma frota! Passe-me esse telescópio!

Pegando no instrumento, o vigia descobriu mais uma embarcação.

— Quatro, cinco, seis — contou, apavorado. — Navios negros, com carrancas em forma de cabeça de dragão! Nunca vi nada semelhante! Que bandeira ostentam?

— Por ora, nenhuma. — O homem mostrou-se apreensivo. — Não me agrada. Acho que devemos tocar o alarme.

— Espere até termos certeza. Sete, oito.

Os navios, com as suas velas altas, iam deslizando pelo mar calmo, que o fogo do pôr do Sol tingira de rubro. Naquele dia, o vento estava à favor. Todas as velas se encontravam desfraldadas e velejavam a uma boa velocidade.

— Olhe! O navio da frente desfraldou a flâmula... uma caveira e um lírio da morte! Toque o alarme! Vou mandar o Hayes ao Governador, para que comunique a notícia!

O rebate do sino do porto atravessou as águas, retiniu pelos edifícios situados no paredão e acordou os que viviam nas casas junto ao porto. O alarme foi transmitido por outros sinos da cidade, sinos suspensos nos campanários dos grêmios ou nos templos em honra dos vários deuses de Krynn. Arrancado da cama, o Governador desceu apressadamente até o porto, e enquanto corria ia compondo a camisa para dentro das calças.

Quando chegou, conseguiu avistar os dragões.

Estes sobrevoavam os navios — que agora totalizavam 16 —, em três Beiras compridas e com uma distância regular, mantendo-se em formação e agitando cadenciadamente as asas. Ainda se encontravam muito afastados para que se visse a sua silhueta escura a perfilar-se contra o firmamento banhado de sol, mas de vez em quando percebia-se a cintilação de escamas azuis. O espetáculo dos dragões a sobrevoarem os navios revestia-se de uma beleza mortal. Um punhado de pequenas embarcações, percebendo o que avançava contra elas, já abandonava o porto, tentando alcançar a segurança do mar aberto.

— Chame a milícia! — ordenou o Governador. Era meio elfo, um ourives que trabalhava em prata e há três anos detinha o cargo de Governador.

— Talvez não se dirijam para cá — aventurou o vigia cheio de esperança. — Talvez rumem para Palanthas.

— Dirigem-se para cá — respondeu o Governador em tom soturno, baixando o telescópio. Combatera na Guerra da Lança e conhecia os indícios. Também sabia o que o povo de Kalaman estava prestes a enfrentar. Normalmente, não era dado a orações, mas naquele instante dirigiu uma prece a todos os deuses que possivelmente poderiam escutá-lo.

O Governador agia com rapidez. Só lhe restava uma tênue esperança: as defesas do porto. Depois da Guerra da Lança, as mesmas haviam sido construídas e reforçadas, e possivelmente teriam capacidade para repelir as embarcações e os homens a bordo. As duas grandes catapultas e as quatro balistas, todas elas viradas para a entrada do porto, eram manobradas por equipes experimentadas. Tais armas constituíam o orgulho da milícia e encontravam-se em bom estado de manutenção.

À entrada do porto, já aprontavam-se os brulotes. Estes, com os conveses e os mastros empapados em óleo, seriam incendiados por tripulações arrojadas, que permaneceriam a bordo dos navios a arder o tempo que fosse possível, guiando-os contra a esquadra inimiga e semeando entre a mesma a destruição.

Agora, os sinos da cidade tocavam com desvario e freneticamente a repique. Os homens corriam para ocupar os seus postos. As mulheres retiravam água dos poços e enchiam baldes, gamelas para cavalos, tudo o que a pudesse conter, e que serviriam para o combate aos incêndios. As crianças eram enviadas para os porões e aconselhadas a se portarem com coragem.

O governador viu os navios com proas em forma de dragão abrandarem, viu-os descerem as velas e lançarem âncora. A esperança agitou-lhes o espírito, mas um mensageiro, que arrastava consigo uma camponesa apavorada, dissipou-a de imediato.

— Um exército, senhor! — arquejou a garota. — Um exército de gigantes azuis dirige-se para cá! Passaram pela nossa fazenda e incendiaram as casas! O meu pai... morreu ... — Ficou sem fala, quase se descontrolou, mas conseguiu dominar as lágrimas. — Vim o mais depressa que pude. Vêm bem atrás de mim, a pé!

— Homens azuis? Gigantes? — O Governador desconfiou que o desgosto levara a jovem à loucura. — Acalme-se menina e conte-me tudo como deve ser. Tragam-lhe um copo de vinho.

A garota abanou a cabeça e respondeu:

— Estou lhe dizendo, senhor. Aqueles homens são tão altos como as nossas casas. Andam quase despidos, com o corpo pintado de azul. Eles ...

Um soldado chegou a cavalo, desmontou e correu para o grupo de homens.

— Governador, Excelência. O General comunica-lhe que foi avistado um exército e este avança pela estrada principal. Vêm equipados com engenhos para montar cercos, senhor! Engenhos para montar cercos puxados por animais monstruosos e nunca vistos até então!

O Governador parou de rezar.

A primeira baforada de pavor aos dragões atingiu os que defendiam as muralhas. Por sobre a cidade pairou a sombra das asas dos dragões azuis.

Entardecia. O Senhor de Ariakan encontrava-se a bordo do navio-almirante, rodeado pelos seus oficiais, a observar o cerco de Kalaman através de um telescópio. Viam-se bandeiras de sinalização que subiam e desciam, transmitindo as ordens de Ariakan ao resto da esquadra e aos oficiais desta, que se encontravam na costa.