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Tanin e Sturm Majere iam ser enterrados num pequeno talhão da família, que se enxergava da Estalagem da Última Casa. Aqui repousava Otik, o fundador da estalagem, que fora amigo de Tika e de Caramon por toda a vida. Aqui repousariam um dia marido e mulher, quando abandonassem o mundo e as suas agruras. Nunca lhes ocorrera que dois dos seus filhos os iriam anteceder.

Caramon pôs-se a escavar sozinho a sepultura, mas logo a notícia se espalhou por Consolação, e não tardou que aparecesse um vizinho para ajudar, depois outro e outro, até todos os homens da cidade se reunirem ali, oferecendo seus préstimos. Trabalhavam no Sol à pique, fazendo turnos e parando para descansar à sombra que, devido ao vento abafado e constante, oferecia pouco frescor. A maior parte dos homens cavava a sepultura em silêncio, sendo que as breves palavras de condolências eram transmitidas na chegada. Quase todos ignoraram Porthios e os elfos dele, que se mantinham de guarda em volta da estalagem, onde se encontrava a Rainha. Quase todos os elfos os ignoravam.

As mulheres de Consolação também compareceram, trazendo oferendas de comida, flores e roupinhas de bebê — pois também correra a notícia do nascimento. Tika acondicionou as roupinhas para dar a Alhana em segredo, antes da realeza elfa exilada partir e prosseguir o esforço de recuperar o trono — e alcançar a paz e a estabilidade para as nações elfas. Tika tinha plena consciência de que Porthios nunca iria aceitar as “sobras”, mas conforme observou Dezra:

— Os pais só traziam consigo a roupa que vestiam. O que o pobre bebe vai usar? Folhas?

Tika trabalhou febrilmente o dia inteiro, recusando-se parar para descansar. Havia muita coisa a fazer, era a vinda do bebê, a chegada dos convidados, a comida a preparar para os habitantes da cidade.

— Por hoje, calarei as lágrimas — disse a Dezra. — Os deuses bem sabem que amanhã elas brotarão. Quanto a esta dor no coração... perdurará para sempre.

Palin dormiu o dia inteiro, um sono tão profundo que nem sequer se mexeu quando o pai o levantou da mesa e o transportou até o quarto. Steel também dormia, numa dependência nos fundos da estalagem, a mão repousando sobre a espada e a couraça contra a porta, a montar guarda. O cavaleiro resistira a todos os conselhoos para descansar, até Tanis Meio Elfo afirmar, em tom seco, que a recusa de Steel em confiar neles manchava a sua honra.

— Quando te escoltamos até à Torre do Sumo Sacerdócio, para que prestasse homenagem a teu pai, ambos arriscamos a vida para te proteger, para proteger o filho de Sturm Montante Luzente. É uma desonra da tua parte se recusar a aceitar tal penhor.

Com arrogância, Steel encaminhou-se para a cama e adormeceu quase de imediato.

Tanis passou o dia com Porthios, não por apreciar particularmente a companhia do cunhado, mas porque a proximidade de tantos humanos começava a irritar o suserano elfo.

O dia decorreu num clima de tensão e pesar. Um dos homens que cavava a sepultura, sucumbiu ao calor, desmaiou e teve de ser transportado para o interior da estalagem, onde se encontravam sentadas as mulheres, transpirando e se abanando, falando a respeito das más colheitas e interrogando-se como iriam subsistir durante o Inverno. As crianças pequenas, embora não entendendo bem o que estava acontecendo, sentiam não ser aquele o melhor dia para brincar e fazer barulho, e mantinham-se junto das mães.

Os elfos exilados permaneciam nos ramos das árvores, montando guarda e sonhando com a terra natal.

E, ao pôr do Sol, teve início o funeral.

Palin, Tika e Caramon, juntamente com um sacerdote de Mishakal, postaram-se diante da sepultura. Tanis ficou perto deles, dirigindo ternos pensamentos ao próprio filho que, embora vivo, se encontrava perdido para ele.

Os corpos dos dois irmãos, envoltos em mortalhas de linho, foram reverentemente baixados à última moradia, pois seriam enterrados juntos. O sacerdote pediu uma bênção. Os habitantes da cidade desfilaram junto da sepultura aberta, uns arremessando recordações lá para dentro, outros contando episódios relacionados com façanhas dos irmãos, que lhes haviam inspirado grande amor.

Concluída a pequena cerimônia, os homens começaram a encher o túmulo. Foi então que, para espanto de todos, chegou Porthios, acompanhado por um contingente de guerreiros elfos. Dirigiu-se a Caramon e a Tika em tom de desajeitada simpatia e depois, postando-se diante do sepulcro, o suserano elfo pôs-se a entoar, pelos mortos, uma canção fúnebre. Embora ninguém entendesse as palavras, a melodia triste e ao mesmo tempo esperançosa, arrancou lágrimas que vieram atenuar a dor amarga do desgosto e substituí-la por um terno pesar. Foi quando Tika chorou, aninhada nos braços do marido.

Depois de terminar a canção, Porthios recuou. Os homens pegaram nas pás e começaram a encher a sepultura com terra. Nesta fase da cerimônia, era costume atirarem-se flores para cima dos corpos, mas há muito que estas tinham murchado, causticadas pelo calor. O monte de terra que cobria os jovens cavaleiros foi alisado com amoroso desvelo. O sacerdote de Mishakal preparava-se para endereçar uma derradeira bênção quando, de súbito, a multidão que se comprimia junto do túmulo se afastou. As pessoas recuaram, alarmadas.

Steel Montante Luzente abriu caminho por entre elas.

Ultrajados perante este desacato ao seu desgosto, os habitantes da cidade exigiram-lhe que se retirasse. Porthios olhou-o com ar carrancudo. Os elfos levaram as mãos às armas e cerraram fileiras em torno do seu suserano.

Ignorando-os, Steel prosseguiu e foi postar-se diante da sepultura.

O sacerdote de Mishakal se dirigiu a ele em termos severos:

— Senhor, a tua presença aqui não é bem-vinda. Constitui um insulto para os defuntos.

Steel não fez comentários. Permaneceu em silêncio, austero e distante, ignorando o sacerdote, ignorando os insultos e as ameaças. Trazia nas mãos uma trouxa que foi atirada para a carreta que continha os corpos.

Perplexo, Caramon olhou para o filho. Palin limitou-se a abanar a cabeça. Não fazia idéia do que estava se passando. Em silêncio, tensos, todos observaram, à espera do que o cavaleiro das trevas iria fazer.

Steel apoiou-se num dos joelhos, desembrulhou a trouxa e espalhou-a por cima das ervas acastanhadas e murchas.

Os últimos raios do Sol moribundo foram incidir sobre a espada quebrada de Tanin. Ao lado jazia o cabo da lança esfrangalhada do irmão. Retirando as armas, Steel pousou-as com cuidado em cima do montículo de terra que servia de túmulo. Depois, ajoelhou-se, inclinou a cabeça e começou a entoar palavras num idioma estranho e desconhecido.

O sacerdote de Mishakal precipitou-se para Tanis e segurou-o pela manga.

— Detenha-o! — exclamou. — Está lançando algum encantamento maléfico contra os defuntos!

— Não, não está — respondeu Tanis com voz suave, os olhos marejados de lágrimas e o coração a transbordar de reminiscências. — O idioma que fala é o solâmnico. Está recitando a Oração dos Defuntos dos Cavaleiros:

Devolva estes homens ao regaço de Huma,

Para lá dos céus indomáveis e imparciais.

Conceda-lhes o repouso do guerreiro,

E imprima-lhes um derradeiro fulgor ao olhar.

Que seja límpido e não toldado pela nuvens das guerras,

E brilhe mais forte que as miríades de estrelas,

Deixe que o seu último hausto

Alcance refúgio no torpor do ar,

Que paire acima dos devaneios dos corvos,

Onde apenas o falcão recorda a morte.