Permita que as suas sombras em direção a Huma,
Se ergam para lá dos céus indomáveis e imparciais.
Todos permaneceram calados até ele terminar. Levantando-se em seguida, Steel desembainhou a espada e esboçou a saudação de cavaleiro. Levou o punho da espada aos lábios e, estendendo a arma, executou com ela um arco. Depois de uma vênia formal à aturdida família, o paladino das trevas deu meia volta e, em passos lentos e arrogantes, passou pela multidão que, receosa, se apartou para lhe dar passagem.
No percurso, Steel deteve-se em frente a Porthios, com um sorriso trocista a bailar nos lábios.
— Senhor, não se preocupe com a guerra civil entre as nações elfas. Dentro em breve, os Qualinesti e os Silvanesti se encontrarão reunidos... sob a bota de Lorde Ariakan!
Porthios desembainhou a espada e Tanis, que previra confusão, apressou-se em detê-lo.
— Não se esqueça de onde está, irmão. Pense em Alhana! — insistiu, falando em elfo. — Não passa de fanfarronice de quem tem sangue na guelra! Já as ouviu antes. Ignore-as!
Porthios tencionava possivelmente ignorar Tanis, mas nesse momento, um grito débil — o choro de um recém-nascido — pairou no ar. Lançando um derradeiro olhar sinistro, Porthios empurrou Steel para o lado e precipitou-se para a estalagem. A sua escolta de elfos seguiu-o, mas não sem antes trocar com o cavaleiro das trevas olhares que trespassavam como setas.
Steel agüentou com aquele seu sorriso trocista e, virando-se, olhou de relance por cima do ombro.
— Palin Majere! — disse. — Continua a ser meu prisioneiro. Proceda às despedidas, porque chegou a hora de partirmos.
— Palin! — gritou Tika, estendendo as mãos trêmulas na direção do filho.
— Não se aflija, mãe — respondeu Palin, olhando de relance para o pai. Ambos concordaram ocultar da mãe a intenção de Palin. — Os magos hão de pagar o resgate. Em breve voltarei para casa. — Inclinando-se para frente, beijou-a na face.
— Cuide-se — disse Tika com voz suave, embargada. Depois, sobressaltou Palin ao acrescentar: — Raistlin não era completamente mau. Havia nele algo de bom. Nunca o apreciei muito, mas também nunca o compreendi. Quem sabe ... — Fez uma pausa, inspirou fundo e disse rapidamente: — Quem sabe se o que vai fazer está correto.
Palin fitou-a, atônito. Olhou para o pai, que encolheu os ombros, comentando:
— Não lhe disse uma palavra, filho.
Tika sorriu com tristeza e pousou a mão na do filho.
— Eu sempre sabia quando se preparava para fazer maldades. Lembra-se? Você e os teus irmãos. — Engoliu em seco, com as lágrimas a rolarem pelos olhos. — Que Paladino te acompanhe, meu filho!
— Se cuide, filho — disse Caramon. — Se houver algo que eu possa fazer ...
— Obrigado, pai. Obrigado por tudo. Adeus, mãe.
Palin virou-se e afastou-se em passos rápidos, meio cego pelas lágrimas. Mas quando chegou perto de Steel, já recuperara o aprumo.
— Tem tudo o que precisa? — inquiriu o cavaleiro.
Palin corou. Levava consigo um único alforje com objetos de encantamento. Dada a sua baixa hierarquia, não precisava de nada mais. Envergava as mesmas roupas — vestes brancas, manchadas de poeira da viagem e de sangue. Não possuía livros de feitiços nem baús contendo rolos de pergaminho. Mas segurava na mão o Bastão de Magius.
— Estou pronto — respondeu.
Steel aquiesceu com a cabeça e dirigiu uma saudação fria e graciosa a Caramon e a Tika. Sem olhar para trás, Palin começou a descer a estrada. Os dois desapareceram nas sombras que começavam a ganhar contornos.
Nessa noite, na Estalagem da Última Casa, Caramon e Tika plantaram duas jovens árvores do vale na sepultura dos filhos.
Exausta, devido ao parto, Alhana Brisa das Estrelas dormia. Porthios permanecia a seu lado. Vendo-a dormir e depois de todos terem abandonado o quarto, inclinou-se e beijou-a com ternura.
Depois de se assegurar que a mulher se encontrava em segurança e o filho recém-nascido com boa saúde, Porthios voltou para a sala comum e sentou-se na companhia dos seus guerreiros. Planejara reunir os reinos elfos, mesmo que para isso fosse obrigado a matar todos os elfos de Ansalon.
Tanis partiu numa curta viagem até à Torre do Sumo Sacerdócio, para mais uma vez transmitir aos cavaleiros o que há cinco anos andava a lhes dizer: que as forças da Rainha das Trevas tinham entrado de novo em ação.
Deitado no berço e vestindo roupas humanas de bebê muito folgadas, o elfo recém-nascido pestanejou e fitou, atônito, aquele mundo novo e estranho no qual se encontrava.
15
Steel jura vingança.
Palin ouve a voz familiar.
A viagem até Palanthas.
A cerca de cinco léguas ao norte de Consolação, Palin e Steel reuniram-se ao dragão azul. Fulgor passara a noite na cidade arruinada de Xak Tsaroth. Como corria por aí que estava assombrada, excetuando os duendes dos esgotos e os bandos nômades de duendes maléficos e de draconianos, a cidade parecia deserta. Quando avistaram o dragão-fêmea, este ainda retirava pedaços de duendes maléficos dos dentes. Com desdém, afirmou ao dono que não comeria mais duendes.
Saciada e de novo na companhia de Steel, Fulgor mostrava-se bem humorada. Enquanto Steel examinava, num mapa, o percurso para o norte, o dragão deliciou-se tentando intimidar Palin, já atingido pelo medo dos dragões. Desdobrou as asas maciças, estirando-as para o Sol e agitou-as de leve para se refrescar e ao dono. Quando Steel se queixou que a brisa fazia flutuar o mapa, dificultando-lhe a leitura, Fulgor simulou uma pequena birra. Cravou as garras no solo e dilacerou-o, provocando nuvens imensas de terra e erva acastanhada. Agitou maldosamente a cauda de um lado para o outro e sacudiu a crina, sem nunca deixar de observar a reação de Palin com os seus olhos vermelhos, de réptil, que espreitavam através das pálpebras semicerradas.
Palin tentou dominar-se e manteve-se propositadamente junto do dragão, embora o maxilar contraído e a mão a tal ponto crispada no Bastão de Magius que ficara branca, traíssem de um modo visível os seus esforços.
— Se já acabou o espetáculo — disse Steel ao animal —, gostaria de examinar de novo o trajeto.
O dragão rosnou, mostrou os dentes, fingindo-se ofendido. Steel deu-lhe palmadinhas no pescoço desenrolou o mapa sobre um seixo e indicou o que considerava ser a melhor via. Palin limpou o suor que perolava as sobrancelhas e, sem nunca largar o bastão, aproximou-se ainda mais do animal, a fim de participar na discussão.
— Isso também me diz respeito — disse, como resposta ao olhar sinistro de Steel. — Sobrevoar Solamnia será muito mais perigoso do que sobrevoar Abanasínia.
Desde a época da Guerra da Lança, os Cavaleiros da Solamnia tinham reconquistado os favores da população local. Era agora considerado elegante uma família de princípios e importância — para não dizer riqueza — ter pelo menos um filho na cavalaria. O que veio engrossar as fileiras dos cavaleiros e enchido os seus cofres. Tinham procedido à reconstrução de muitas das torres de fortalezas arruinadas que circundavam Solamnia e despachado tropas para defendê-las. Os dragões prateados, seus aliados, montavam guarda nos céus.
Os outrora injuriados Cavaleiros de Solamnia eram agora encarados como os protetores dos fracos, os defensores dos inocentes. As hierarquias produziam suseranos dotados de maior sapiência. As leis formuladas por Vinas Solamnus há milhares de anos — leis que, na era moderna, haviam sido seguidas religiosa, estrita e, conforme afirmavam alguns, obtusamente — estavam sendo revistas, modificadas e atualizadas.
Quando percorriam uma aldeia, os Cavaleiros da Solamnia em vez de serem apedrejados — como acontecia nos tempos antigos — eram tratados como convidados de honra e o seu auxílio e conselhos eram ansiosamente procurados e recompensados de uma forma generosa.