A oportunidade surgiu a Thomas durante a Guerra da Lança. A sua pequena aldeia localizava-se na rota dos exércitos dos dragões. Receando a iminência de um ataque, os falsos padres puseram-se em debandada, levando consigo tudo o que fosse de valor e deixando o povo à mercê dos draconianos. Thomas, na altura um mancebo de 20 anos, reuniu os amigos e os vizinhos e insistiu para que procurassem abrigo no interior do castelo. Defendeu os seus haveres com tamanha perícia e arrojo, que o castelo resistiu ao jugo dos exércitos dos dragões até o fim da guerra.
Tanis não conhecia bem Sir Thomas, mas pelo que conseguira apurar dele, o meio elfo considerava o cavaleiro um homem de inteligência e de bom senso.
— Preciso falar imediatamente com Sir Thomas — repetiu Tanis. — Tenho notícias urgentes.
— Com certeza, meu senhor — respondeu o cavaleiro, enviando um mensageiro à procura do Comandante.
A espera de Tanis não foi longa. Pouco dado a praxes, Sir Thomas compareceu em pessoa. Cumprimentou Tanis com modos cordiais, e ao reparar na impaciência do meio elfo conduziu-o pelas amuradas, para uma conversa privada.
— Traz notícias — disse Thomas, mal ficaram a sós. — E, avaliando pela tua expressão, não são boas.
— Quer dizer, meu senhor, que não recebeu o meu relatório?
— Qual relatório? Desde a semana passada que não sei de nada.
— Lorde Ariakan desencadeou o ataque. O Baluarte do Norte e Valkinord tombaram. É possível que, nesta altura, Kalaman se encontre cercada. Tanto quanto posso avaliar, os cavaleiros das trevas estão procedendo a um ataque em duas frentes, um dos exércitos avança pelas montanhas de Khalkist e o outro, planeja descer o rio a partir de Kalaman.
O Comandante olhou atônito para Tanis.
— Meu senhor, os cavaleiros enviados para fortificar Kalaman foram dizimados e apenas um homem sobreviveu — disse Tanis baixinho. — Lutaram com bravura, mas foram largamente superados em número. Trouxe comigo a lista dos mortos. — Retirou um pacote dobrado e estendeu-o a Lorde Thomas. — Meu senhor, a crer nas palavras de Ariakan, os mortos mereceram-lhe todo o respeito.
— Sim, mereceram — comentou Thomas, examinando a lista de rosto sombrio e maxilares contraídos. — Conheço todos — disse, por fim. Voltando a dobrar a lista, meteu-a no cinto e acrescentou: — Efetuarei as diligências para comunicar a triste notícia às respectivas famílias. Acho que conhecia dois deles. Os rapazes Majere.
— Conheci e ajudei a enterrá-los — respondeu Tanis em tom soturno. — Palin, o irmão mais novo, foi feito prisioneiro e exigem por ele um resgate. Foi o seu captor, um Cavaleiro de Takhisis, o portador das notícias. Meu senhor, também conhece esse cavaleiro. Chama-se Montante Luzente. Steel Montante Luzente.
— Filho de Sturm Montante Luzente. Sim, lembro-me do incidente. Tentou salvar o jovem do Mal. Chegou a profanar o túmulo do pai, roubou-lhe a espada.
Não fora bem assim, mas Tanis — que, nesse “incidente”, fora preso e acusado de conluio — sabia ser preferível não argumentar. Apresentara os fatos perante o Conselho dos Cavaleiros e, por fim, lavara o seu nome e o do amigo Caramon. Mas, não conseguira persuadir os cavaleiros de que fora o próprio Sturm quem concedera a espada ao filho. E, olhando em retrospectiva, Tanis tampouco podia assegurar sobre o que acontecera realmente. Parecia que ele e Sturm haviam falhado. Pelo que podia avaliar, Steel Montante Luzente abraçara de forma incondicional a causa das trevas.
— Kalaman debaixo de cerco... — Desconcertado, Thomas abanou a cabeça. — Custa-me a acreditar, Meio Elfo. Não que esteja duvidando, mas Ariakan dispunha apenas de um punhado de cavaleiros.
— Excelência, de acordo com o relato de Palin, o exército de Lorde Ariakan está longe de se resumir a um punhado de homens. O exército dele é imenso. Recrutou bárbaros das regiões do Leste, homens tão altos como os minotauros, e que lutam com igual ferocidade. São liderados por cavaleiros de dragões, e entre as suas fileiras contam com fazedores de magia renegados. Dalamar, chefe do Conclave dos Feiticeiros em Ansalon, pode testemunhar o poderio desses feiticeiros.
— Sem dúvida que pode, visto estar do lado deles.
— Não, Excelência, está errado. Há um fato que em geral se desconhece, mas, recentemente, os feiticeiros das três luas conduziram um ataque contra os Cavaleiros Cinzentos, conforme são conhecidos. Os feiticeiros das três luas sofreram uma esmagadora derrota. Justarius, um deles, foi morto. Não posso assegurar de que lado se encontra Dalamar, mas não creio que defenda Ariakan. Dalamar não pode perdoar à Rainha o fato de lhe ter virado as costas para garantir maior poder aos magos dela.
Thomas franziu o cenho. Tal como todos os cavaleiros, não confiava nos fazedores de magia de cor nenhuma, e com eles pretendia o mínimo contato possível. Pelo que, considerando a questão da magia pouco importante e irrelevante, a pôs de lado.
— Kalaman tem condições para agüentar um cerco por longas temporadas. O tempo suficiente para nos permitir enviar-lhe reforços.
— Não estou tão certo assim... — começou Tanis.
— Excelência! — Um jovem pagem vinha subindo precipitadamente as escadas, arquejando. — Meu senhor! Chegou um mensageiro! Ele...
— Rapaz, o que é feito das tuas maneiras? — repreendeu-o Thomas. — Encontra-se comigo um senhor que merece o devido respeito, e eu também. Deve-se manter a disciplina — acrescentou em surdina, dirigindo-se a Tanis.
O pagem, ruborizado até às orelhas, recuperou o aprumo e em seguida executou uma vênia apressada, primeiro a Tanis, depois a Sir Thomas. Mas ainda não a terminara, e já se pusera a falar de novo.
— O mensageiro, meu senhor! Encontra-se lá embaixo. Tivemos que ajudá-lo a desmontar do cavalo! Veio num galope desenfreado... — O pagem calou-se, sem poder respirar.
— Receio que se trate de mais notícias desagradáveis — observou Sir Thomas em tom ambíguo. — Ninguém tem pressa em nos transmitir boas notícias.
Os dois homens desceram e encaminharam-se para o portão da frente.
O mensageiro jazia deitado no chão, com um capote sob a cabeça. Ao vê-lo, Sir Thomas franziu o cenho, pois o homem envergava o uniforme dos guardas da cidade de Kalaman. As roupas estavam manchadas de sangue seco.
— Estava tão duro que tivemos que retirá-lo do cavalo, meu senhor — relatou o cavaleiro de guarda do portão. — Ele afirma que não tinha nada para comer, mas que viajou dia e noite para chegar até nós.
— Excelência! — O homem, ao avistar Sir Thomas, fez um esforço supremo para se levantar.
— Não, não rapaz! Fique sossegado. Quais são as notícias? — disse Thomas, ajoelhando-se junto dele.
— Kalaman, meu senhor! — arquejou o soldado— Kalaman... caiu!
Thomas olhou para Tanis.
— Parece que tinha razão — disse baixinho.
— Vieram do mar, senhor — explicou o soldado em voz débil. — Do mar e do ar. Fomos... fomos apanhados desprevenidos. Atacaram... ao cair da noite. Dragões e... uns animais enormes que os cavaleiros designam por mamutes... A cidade... rendeu-se...
O homem tentou prosseguir mas, tombou para trás. Um Cavaleiro da Espada — seguidor do deus Kiri-Jalith, a quem fora concedido o poder da cura — pôs-se a prestar assistência ao cavaleiro ferido. Depois de examiná-lo, olhou para Sir Thomas.
— Os ferimentos não são graves, Excelência, mas sofre de perda de sangue e de exaustão — disse. — Precisa descansar.
— Muito bem. Arranjem-lhe uma cama confortável. Me informem quando for capaz de falar. Preciso saber pormenores. Quanto a vocês, homens, guardem segredo quanto ao que ouviram. Nem uma palavra deverá transpirar.