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Desistiu da idéia ao ver o topo cravado de espigões de ferro, a intervalos mais ou menos da largura de uma mão.

Interrogava-se se ele e o primo seriam suficientemente parecidos para passarem por irmãos junto do portão dos guardas, quando reparou que não se encaminhavam para o portão principal. Em vez disso, Steel virara para a direita, em direção a um aglomerado de edifícios em ruínas, amontoados por sob a muralha.

Nesta zona, a escuridão adensava-se bastante, pois a sombra projetada pela muralha ocultava o luar, e um grande navio ancorado próximo, não permitia entrever as luzes do porto.

Um esconderijo ideal para contrabandistas, pensou Palin, algo incomodado. Ao sentir a mão de Steel no braço, deu um pulo, com o coração em alvoroço. O cavaleiro arrastou Palin para as trevas de uma viela.

Apesar da escuridão ser tão densa que o mago não via um palmo à frente do nariz — para utilizar uma expressão kender —, foi precisamente o nariz que lhe disse onde se encontravam.

— Peixeiros! — exclamou baixinho. — Ora essa...

Surgiu uma patrulha, que começou a caminhar lentamente pela zona, perscrutando cada viela. Steel achatou-se contra a parede da casa, no que foi secundado por Palin. Os guardas efetuaram uma patrulha minuciosa, partilhando obviamente a convicção do jovem mago, de que o lugar constituía um esconderijo ideal. Um deles, chegou até a se aventurar pela viela. Palin sentiu a mão de Steel afastar-se, e supôs que agarrava agora o punho da adaga.

Sem saber ao certo se devia impedi-lo, ou ajudá-lo, Palin aguardou, expectante, julgando que iam ser descobertos.

A alguma distância, ouviram-se barulhos de rixa, o que despertou a atenção dos guardas. O capitão chamou o subordinado e a patrulha dirigiu-se apressadamente para as docas.

— Avistei um!

— Onde?

— Consigo vê-lo! Lá está ele! — gritou um dos guardas.

O som das botas ecoou pelas docas. Depois, golpes vigorosos de bastonadas. Um grito estridente atravessou as águas. Palin remexeu-se, inquieto. Não lhe pareceu que viesse de um contrabandista malfeitor.

— Não se mexa — grunhiu Steel a Palin. — Não é da nossa conta.

Um dos guardas soltou um guincho.

— Raios! O tipo me mordeu!

Sucederam-se mais sons de pancadaria. O grito transformou-se em lamúria.

— Não bater! Não bater! Mim não fazer nada de mal! Mim andar à caça de ratazanas! Ratazanas gordas! Ratazanas suculentas!

— Duendes dos esgotos — sentenciou um dos guardas, com um tom de profundo asco.

— Ele me mordeu, senhor! — repetiu o guarda, parecendo agora bem inquieto. — Sinto-me enjoado!

— Meu capitão, o jogamos na cabana? — perguntou outro.

— Vamos dar uma olhadela no saco que traz com ele — ordenou o oficial.

Pareceu haver uma certa relutância em acatar esta ordem, pois o capitão viu-se obrigado a repeti-la diversas vezes. Por fim, houve alguém que obedeceu. Palin e Steel conseguiam ouvi-lo remexer nas coisas.

— São ratazanas mesmo, meu capitão! — disse outro. — Mortas ou morrendo!

— Eu te dar ratazanas todas! — exclamou a voz choramingas. — Levar todas, Senhor General, Vossa Senhoria! Fazer sopa ótima! Não magoar coitado do Slug! Não magoar!

— Soltem o desgraçado! — ordenou o capitão. — Se o levarmos, vão ter que desinfetar a prisão outra vez! É óbvio que não se trata de um contrabandista. Ande, tenente, não é a mordida de um duende dos esgotos que vai matá-lo.

— Como pode ter certeza, capitão? — lastimou-se o outro. — Ouvi falar de alguém que morreu. E não foi nada bonito de se ver. Espumava pela boca, tinha os queixos presos e...

— Vamos levá-lo ao Templo de Paladino — interrompeu-o o capitão. — Que dois dos teus homens te acompanhem. Sargento Grubb, venha comigo.

A patrulha se afastou marchando do portão principal. Depois de confirmar que os guardas se encontravam a uma distância segura, Steel abandonou a viela e foi tão repentino, que Palin teve de dar um salto para conseguir acompanhá-lo.

— Onde vamos? — perguntou.

Steel não respondeu e foi direito ao ponto de onde vinham os sons da briga. Mergulhando nas trevas, o cavaleiro colocou as mãos numa silhueta infame que se retorcia e cheirava um pouco pior do que a viela onde se escondia.

— Socorro! Socorro! Assassinos! Ladrões! Não bater! Não bater! — suplicou o duende dos esgotos. — Querer ratazanas? Mim dar...

— Cale essa cloaca! — ordenou Steel, abanando o duende até os dentes deste parecerem castanholas. — Pare de choramingar, que não lhe farei mal! Preciso de algumas informações. Onde fica a loja da Katie Zarolha de Um Olho?

O duende deixou de espernear.

— Mim saber — respondeu, com ar manhoso. — Quanto custar?

— Que tal a tua carcassa miserável? — respondeu Steel, abanando de novo a criatura.

Palin interveio:

— Dessa maneira não consegue nada dele — disse, remexendo num dos bolsos. — Por que nós vamos a uma peixaria? — acrescentou em voz baixa. — A menos que esteja com desejo de comer halibute...

— Eu é que sei, Majere. E está perdendo tempo — respondeu Steel, impaciente.

— Tome — disse Palin, sacando de uma moeda e estendendo-a ao duende. — Aceite isto.

O duende arrebanhou-a e pôs-se a examiná-la no escuro.

— Cobre? — fungou. — Mim querer aço.

Ouvindo o cavaleiro suspirar, exasperado, Palin apressou-se a estender outra moeda.

— Agora, diga onde fica essa Zarolha... qual era o nome?

— Katie — respondeu Steel, realçando a palavra com um ranger de dentes.

— Duas lojas abaixo — respondeu o duende. — Não mais que duas.

Palin suspirou.

— Pode ir de duas a vinte — disse. — Qual é o aspecto da loja?

— Ter um grande peixe na tabuleta. Com um olho só.

O duende quase ficou sem o dele, ao tentar examinar bem a recompensa. Ao que parece, ficou satisfeito, pois enfiou as moedas numa algibeira esfarrapada e fugiu de repente, possivelmente receoso que Palin mudasse de idéia e quisesse o dinheiro de volta. Steel encaminhou-se para as docas.

— Preciso de luz — disse. — Raios, não consigo ver nada! Que pena não termos trazido aquela lanterna!

— E os guardas? — perguntou Palin.

— Não podem nos ver, pois aquele navio grande lhes tapa a visão. Não é que isso interesse...

Shirak — disse Palin.

O cristal do Bastão de Magius, que era sobrepujado por uma garra de dragão, começou a emitir um suave fulgor. Steel dirigiu ao mago um olhar de aprovação.

— Boa, Majere! — disse.

— Obrigado, mas eu não tive nada a ver com isto — respondeu Palin, de novo em tom amargo. — O bastão faz tudo sozinho. Nem estou bem certo como se pronunciam as palavras. — Levantou o bastão e foi iluminando as tabuletas das lojas pelas quais passavam.

— Por que se subestima? — perguntou Steel. — Um homem deve estar ciente do seu próprio valor.

— E estou. Não valho rigorosamente nada. Mas, isso há de mudar em breve.

— Quando encontrar o teu tio. Mas, ele envergava as vestes negras, não era? E você, as vestes brancas. Será que você vai mudar, Majere?

Boa pergunta. Palin também já a formulara.