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— Não — respondeu por fim. — Tomei a minha decisão durante o Teste. Sinto-me contente com quem sou, embora possivelmente me desagrade o que sou. Se sou ambicioso, se quero aperfeiçoar-me não é crime nenhum. O meu tio há de compreender.

— E será que ele vai ensinar a sua arte negra a um Veste Branca? — retorquiu Steel com desdém. — Quando isso acontecer, me tornarei sacerdote de Paladino! — E olhando de esguelha para Palin, acrescentou: — Escreva as minhas palavras, Majere. Vai mudar.

— Espero que não aconteça — replicou Palin com frieza. — Porque, se for assim, deixarei de honrar a palavra dada e continuar teu prisioneiro. Quem sabe se não dará com a minha adaga espetada nas tuas costas.

Steel sorriu, quase soltou uma gargalhada.

— Boa resposta — retrucou. — Não a esquecerei.

— Aqui está a tua tabuleta — assinalou Palin, ignorando o sarcasmo. — Um peixe com um olho só.

— Ah! Excelente! — Steel encaminhou-se para a porta. Olhando ao redor, para se assegurar que não havia ninguém por perto, bateu de uma forma peculiar.

Desconcertado, Palin aguardou em silêncio.

O proprietário, se possivelmente chegava a dormir, possuía, ao que parece, um sono leve. Após um brevíssimo compasso de espera, o postigo da porta entreabriu-se, deixando entrever uma mulher com uma pala preta tapando um dos olhos.

— Meus bons senhores, estamos fechados — disse.

— No entanto, a maré está enchendo — respondeu Steel, como que puxando conversa. — Os que possuem barcos, deviam aproveitar para se por ao largo.

O postigo fechou-se com estrépito mas, quase de imediato, a porta se abriu.

— Entrem, meus senhores — disse a mulher. — Façam o favor de entrar.

Os dois penetraram na peixaria. Tinha um aspecto limpo, o chão fora esfregado e lavado. As bancas normalmente utilizadas para expor o peixe acabado de pescar, encontravam-se vazias e só as encheriam quando os barcos voltassem da pescaria da manhã. Numa prateleira, viam-se alinhados frascos castanhos contendo óleo de peixe. Pairava no ar um cheiro penetrante de peixe fresco sem, no entanto, ser desagradável. A mulher fechou a porta atrás deles e examinou, com o olho penetrante, o bastão de Palin, que continuava a emanar um suave fulgor.

— É mágico — explicou Palin —, mas não te fará mal.

A mulher riu.

— Oh, estou bem ciente disso, Mestre Mago — respondeu. — Conheço tudo a respeito do Bastão de Magius.

Palin, sem saber se devia ou não sentir-se agradado com o comentário, apertou ainda mais o bastão e observou de perto a mulher. Era de meia-idade e atraente, apesar da pala no olho. Encontrava-se completamente vestida, o que Palin possivelmente consideraria estranho àquela hora da noite, não fosse a sua presença ali ser tão estranha e ilógica como uma peixeira com uma pala no olho, de pé, e vestida como se fosse sair a meio da noite. Era como se sonhasse acordado.

— Senhora, sou Steel Montante Luzente — disse o cavaleiro, curvando-se para a mão rugosa e avermelhada da mulher, como se tratasse da mão suave de uma dama da nobreza —, Cavaleiro do Lírio.

— Comunicaram-me a tua vinda, Senhor Cavaleiro — respondeu a mulher. — E você, deve ser Palin Majere.

Virou-se para Palin, com o olho visível a refletir o fulgor do bastão. Vestia as roupas modestas e simples das camponesas, mas tinha uma postura régia e uma voz culta, educada. E se encontrava numa peixaria!

— Sim! Sou Palin... Majere, minha... minha senhora — replicou ele, atônito. — Como soube?

— Pelo dragão, é evidente. Sou Katherine, Guerreira do Lírio, membro da cavalaria de Sua Majestade das Trevas.

— Uma cavaleira de... de Takhisis? — disse Palin, quase sem fala.

— De um posto elevado — acrescentou Steel, realçando a palavra. — Lady Katherine combateu na Guerra da Lança.

— Sob o comando de Lorde Ariakus — explicou Katherine. — Foi assim que perdi o olho, numa luta com um elfo...

— Eu... lamento, senhora — gaguejou Palin.

— Não lamente. O elfo perdeu mais do que um olho. A propósito, conheço Raistlin Majere, o teu tio. Quando o encontrei, adotara o hábito negro a pouco. Achei-o... encantador. Doentio, mas encantador.

E virando-se rapidamente para Steel, Lady Katherine inquiriu:

— Pretende entrar incógnito em Palanthas, não é verdade?

— Sim, senhora, se for possível.

— Nada mais fácil. Claro que é um dos motivos por que me encontro aqui. E que me leva a manter este disfarce. — Ao dizê-lo, olhou diretamente para Palin, como que a adivinhar seus pensamentos.

Este sentiu o rosto afogueado, ao mesmo tempo que um calafrio o percorria.

Com que então, é através deste estabelecimento que os servos da Rainha das Trevas se infiltram em Palanthas!, pensou. Espiões a soldo dos cavaleiros, possivelmente assassinos, afluem à peixaria, onde a proprietária os ajuda a entrar incógnitos na cidade! Por que me deixaram saber disso? A menos que tenham certeza de que a minha língua será silenciada. Porque não? Afinal de contas, sou um prisioneiro.

Sentindo a tentação de fugir, Palin olhou de relance para a porta. Era capaz de, pelo menos, correr para o exterior antes que Steel o apanhasse. Os seus gritos atrairiam os guardas.

Palin imaginou-se a gritar por socorro — muito parecido com o duende dos esgotos — e sentiu o rosto a escaldar.

Lady Katherine dirigiu-lhe um sorriso e, mais uma vez, Palin teve a sensação de que esta sabia tudo o que lhe ia no íntimo.

— Se estão determinados a entrar, então me acompanhem. Foi difícil encontrar o estabelecimento, Montante Luzente? — A dama encaminhou-se para uma banca de madeira para peixe, encostada à porta dos fundos.

— Um duende dos esgotos nos indicou o teu paradeiro, senhora.

— Ah, devia ser o Alf. Sim, mandei-o ficar a espreita para me avisar da sua chegada.

— Não foi bem a espreita — comentou Palin. — Ele nos disse que nunca ouvira falar do lugar.

— E conseguiu te arrancar algum dinheiro, não foi, Veste Branca? Criaturas espertas, os duendes dos esgotos! As pessoas não lhes dão o devido valor. Ora cá estamos. — Katherine pousou as mãos na mesa. — Temos que deslocá-la.

— Dona, se me dá licença — ofereceu-se Steel, deslocando com facilidade a pesada mesa.

Katherine encaminhou-se para o que parecia ser uma sólida parede de pedra. Pousou a mão nela e empurrou. Uma seção da parede girou sobre um eixo, revelando uma passagem oculta.

— Atravessem o túnel. Vão dar numa viela. Fica na propriedade do Grêmio dos Ladrões, mas pagamos bem pelo silêncio... e pela sua proteção. O Olho Amarelo acompanha-os, a fim de se certificar de que não haverá problemas.

Katherine assobiou de uma maneira peculiar.

Julgando se tratar de um dos escudeiros da dama, Palin interrogou-se onde o homem estivera metido até então. Um crocitar rouco e o roçar de umas asas pretas deixaram o mago sobressaltado e quase o fizeram perder a compostura. Num gesto instintivo, Palin levantou os braços para se defender de um ataque, mas sentiu que a ave pousava suavemente no seu ombro. Verificou tratar-se de um corvo.

Empinando a cabeça, Olho Amarelo examinou Palin com curiosidade. À luz da candeia, os olhos da ave tinham a refulgência do âmbar.

— Ele gosta de você — observou Lady Katherine. — É um bom presságio.

— Para mim ou para você? — inquiriu Palin, sem pensar.

— Majere, não seja irreverente! — exclamou Steel, zangado.

— Montante Luzente, não se zangue — interveio Lady Katherine. — O jovem diz o que pensa... uma característica que deve ter herdado do tio. Palin Majere, se estivesse na presença de Paladino e Takhisis, a quem pedia ajuda? Qual deles você acha que estaria em melhores condições para ajudá-lo a alcançar o teu objetivo?