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Possuía uma pele tão branca como o fulgor de Solinari e o cabelo negro, matizado de prata. O rosto deixava entrever as seqüelas das provações e lutas pelas quais passara, e no entanto, a serenidade e a fé conferiam-lhe uma expressão graciosa. Era linda como o próprio templo — frio, sólido, abençoado.

Steel olhou para Palin, à espera que este falasse, mas, ao que parece, o mago ficara sem fala. Não fosse o tigre que os observava de perto, o paladino das trevas teria possivelmente sugerido que, sub-repticiamente, fugissem.

— Um mago e um cavaleiro — observou Lady Crysania, aproximando-se deles. — Suponho, que não são viajantes perdidos, mas receberam a incumbência de alguma missão. Vêm pedir a bênção de Paladino?

O tigre rugiu de novo, baixinho. Tornava-se óbvio que tinham de dizer alguma coisa. Steel deu uma cotovelada nas costelas de Palin.

— Não... não exatamente, Venerada Filha — disse Palin, com voz sumida. Tinha o rosto pálido e o suor, que o fazia luzir, só em parte se devia ao calor da noite.

Em princípio, esperava-se que os magos Vestes Brancas adorassem Paladino e seguissem os seus preceitos. Resgatar do Abismo um famoso mago Veste Negra talvez não constasse das prioridades que o deus gostaria de ver os seus seguidores terem em consideração.

— Palin Majere — disse Lady Crysania —, dou-lhe as boas-vindas.

— Como... como adivinhou? — exclamou Palin, com voz entrecortada. Crysania soltou uma risada tão cristalina como o repique dos sinos de prata.

— Como adivinhei? — respondeu. — Detectei o cheiro das especiarias e das pétalas de roda dos teus ingredientes de magia, e assim fiquei sabendo que era mago. Quando falou, reconheci sua voz. A entoação é a do teu pai, mas a maneira como fala... lembra-me o teu tio — rematou em voz baixa.

O rosto de Palin, normalmente pálido, tornou-se escarlate, como se recebesse em cheio o fulgor de Lunitari. Ficou sem fala e, ao que parece, a Venerada Filha também não esperava dele resposta. Com um sorriso agradável, fixou em Steel os olhos escuros e sem vida.

— Conheci o cavaleiro pelo retinir da espada. Decerto Palin Majere veio acompanhado por um dos seus irmãos guerreiros. Tenho o prazer de me dirigir a Tanin Majere ou a Sturm Majere?

Steel podia optar por uma série de respostas, e a mais fácil seria fazer-se passar por um dos irmãos Majere. Se usasse uma entoação rouca e áspera, atribuindo-a a uma friagem, disfarçaria a voz. Uma breve troca de amabilidades, e retomariam o percurso. Ao passo que se Steel contasse a verdade...

Olhou para o tigre e o animal examinou-o. Aqueles olhos refletiam uma sabedoria impossível de detectar em qualquer ser irracional, por mais inteligente que fosse. Se o tigre investisse, o seu peso arremessaria Steel ao chão. Talvez conseguisse apunhalá-lo, mas não antes dos dentes amarelados da fera lhe dilacerarem a garganta.

Ocorreram-lhe certas palavras temerárias.

Não entrarei em Palanthas vestido de estalajadeiro...

Nem me ocultarei sob o nome de outro homem.

— Engana-se, Venerada Filha — disse Steel em tom frio e polido. — Chamo-me Steel Montante Luzente, Cavaleiro do Lírio. Tenho a honra de servir Takhisis, Sua Majestade das Trevas.

Arregalando os olhos, Palin abanou a cabeça e murmurou:

— Agora é que são elas!

Da garganta do tigre veio um ronronar suave. Lady Crysania afagou o seu guia com a mão, para acalmá-lo. Tinha o cenho franzido e no rosto, uma expressão perturbada.

— Proclama-o assim abertamente na cidade de Palanthas? — inquiriu, não como uma ameaça, mas pretendendo ser esclarecida.

— Proclamo-o a ti, Venerada Filha — replicou Steel. — Os dotados de vista podem perceber quem eu sou. Mas não há honra nenhuma, apenas vergonha, em aproveitar-me de quem os deuses determinaram que caminhasse nas sombras. E maior vergonha seria enganar uma mulher tão nobre e corajosa como você, ó Senhora.

Os olhos sem vida de Crysania arregalaram-se.

— Era verdade então, o que Tanis Meio Elfo nos contou a respeito de vocês, cavaleiros! — murmurou. — Que Paladino nos valha! — Após um momento de reflexão, virou-se de novo para Palin.

— O que faz aqui, jovem mago? — inquiriu. — Porque motivo viaja na companhia deste cavaleiro que, embora honrado, abraçou a causa do Mal?

— Sou seu prisioneiro, Venerada Filha — replicou Palin. — Os meus irmãos morreram. Os Cavaleiros de Takhisis desembarcaram na costa norte, perto de Kalaman. Tanis Meio Elfo vai a caminho da Torre do Sumo Sacerdócio, a fim de transmitir as novas.

— Prisioneiro. Então, exigem um resgate.

— Sim, Venerada Filha. Por isso nos encontramos aqui. — Palin calou-se, obviamente na esperança de que a sacerdotisa não fizesse mais perguntas.

— Pretendem ir à Torre da Feitiçaria Suprema então.

— Sim, Venerada Filha — respondeu Palin.

De repente, o tigre abanou-se, como se tivesse acabado de sair do mar e sacudisse a água do pêlo. Sob os dedos de Crysania, a grande cabeça remexia-se, inquieta.

— Jovem mago, se pretendessem um resgate, deveriam dirigir-se à Torre da Feitiçaria Suprema, em Wayreth. O Conclave dos Feiticeiros é quem decide sobre estas questões — replicou Crysania, em tom brusco.

— Perdoe-me, Venerada Filha — respondeu Palin, calma mas firmemente. — Não estou autorizado a discutir o assunto. Dei a minha palavra de honra a este cavaleiro.

— E seremos menos merecedores de respeito do que os nossos inimigos? — perguntou Crysania, esboçando um sorriso. — É isso que insinua. O meu Senhor Dalamar sabe de sua vinda, não sabe?

— Não, senhora — respondeu Palin baixinho.

— Planejam atravessar a Clareira de Shoikan. Não irão sobreviver. Naquele lugar tenebroso, de pouco te valerá a tua palavra de honra. Sei o que digo — acrescentou a sacerdotisa, estremecendo. — Já o atravessei.

Calou-se, e de novo os olhos sem vida se recolheram em meditação. Steel desejava partir, mas não estava certo quanto à forma. Lady Crysania levantou a cabeça e desviou o olhar vazio para as duas silhuetas.

— Talvez se interroguem por que motivo não chamei os guardas para tratarem de vocês. Este encontro não ocorreu por acaso. Depois da meia-noite, é raro eu atravessar os terrenos do templo. Mas esta noite sentia-me incapaz de dormir. Julguei tratar-se do calor e saí para ver se apanhava uma lufada de ar fresco. Mas agora sei que foi por desígnio de Paladino que os encontrei. E seja o que for que pretendam fazer, sinto a vontade dele a nos guiar.

Palin remexeu-se e olhou de esguelha para Steel. Encolhendo os ombros, o cavaleiro das trevas sorriu. Era bem sabido que a rainha Takhisis atuava por vias misteriosas.

— Nunca conseguirão atravessar a clareira de Shoikan com vida. Olhem. — Lady Crysania levou a mão à garganta e segurou um medalhão que, sob o luar de prata, emitiu reflexos de ouro. Tirando-o, estendeu-o ao jovem mago. — Tome isto, Palin Majere. Não te protegerá dos guardas mortos-vivos daquele lugar maldito mas afastará o medo do coração, e dará coragem para caminhar nas trevas.

Palin ficou siderado, sentindo-se tão comprometido como o ladrão que é apanhado a roubar a caixa de esmolas dos pobres.

— Venerada Filha, não posso aceitar. Não... não está certo. Nem imagina... — Calou-se.

Lady Crysania procurou a mão do mago e, encontrando-a, introduziu nela o medalhão.

— Que Paladino te acompanhe — disse.

— Obrigado, Senhora. — Palin apertou o medalhão, sem saber o que mais dizer ou fazer.

— É hora de partirmos — interveio Steel, decidido a assumir o controle da situação. E esboçando uma vênia formal a Lady Crysania, acrescentou: — Senhora, me ofereceria para escoltá-la em segurança até seus aposentos, mas vejo que já se encontra bem protegida.