— Majere... — interveio Steel impaciente.
— Já sei! Já sei! Vamos lá — Palin pegou no braço de Usha e começou a levá-la para dentro da torre. — Vamos conversar com Dalamar.
— Mas, ele não está aqui! — exclamou Usha, libertando-se do abraço de Palin. — Foi não sei para aonde, a uma reunião qualquer de feiticeiros...
— À Torre da Feitiçaria Suprema, em Wayreth — rematou Tas. — Um Conclave. Uma vez fui a um. Já te contei que houve uma época em que o Par-Salian me transformou em rato? Bom, acho que fui eu mesmo que me transformei em rato, mas...
— Dalamar não está — murmurou Palin. Deixe Dalamar comigo...
O tio lhe prometera. Podia ser tudo coincidência, mas Palin duvidava. Raistlin se esforçava ativamente para ajudá-lo. Mas com que objetivo? Com que fim?
— Então, é melhor nos apressarmos antes que Dalamar volte — disse, fazendo menção de se dirigir para a porta da torre.
Lá dentro, encontrava-se postado um Veste Vermelha, impedindo a passagem.
— O que vocês dois fazem aqui? Como conseguiram atravessar a Clareira de Shoikan e passar pelos guardiões. Onde estão os guardiões?
Palin abriu a boca. Não era lá muito bom para mentir, mas neste caso a verdade de pouco valeria. Fez menção de falar, mas Tasslehoff interrompeu-o.
— Foram convocados por Dalamar — anunciou Tas dando-se ares de importante. — Quanto aos guardiões, mandei-os embora graças à Colher Que Revolve dos Kenders — Exibiu a colher, para que o outro a examinasse.
O mago mirou-a fixamente, olhou para Palin e Steel e relanceou o olhar pelo jardim vazio. Parecia confuso e desconfiado.
— Lorde Dalamar mandou chamá-los? — repetiu. — Um Veste Branca e um Cavaleiro das Trevas?
— Combinam um com o outro, não acha? — disse Tas, acrescentando: — E como poderiam atravessar o bosque sem os encantamentos que Dalamar lhes deu para ajudá-los? Agora, se nos permite, temos que subir aos aposentos de Dalamar — Tas olhou para Palin. — É onde pretende ir, não é? — perguntou, num murmúrio que todos ouviram.
O Veste Vermelha franziu o cenho. Steel ficou carrancudo. Voltara a embainhar a espada mas continuava a segurar o punho.
— Eu me chamo Steel Montante Luzente, Cavaleiro de Takhisis. Fui incumbido de uma missão. Lorde Dalamar não nos...
— ...esperava tão cedo. — assentiu Tas, em alto e bom som. — Diga ao primo Steel para ficar calado e me deixar cuidar do assunto — murmurou de novo a Palin, que desejou com veemência que Steel não tivesse escutado este novo apelo do kender.
Tas começou a se dirigir para a porta. Pondo a mão atrás das costas, fez um gesto para que o seguissem. — Esperamos por Dalamar no quarto dele. Se não desse muito trabalho, gostaríamos de beber um chazinho. Vamos, Usha.
Steel seguiu o kender. Palin preparava-se para fazê-lo, quando reparou que Usha recuava. Torcendo as mãos com nervosismo, a jovem olhou para a torre, apavorada.
— Vou embora daqui! — protestou. — Não quero voltar lá para dentro!
O Veste Vermelha mostrava-se agora francamente desconfiado.
— Menina, disse-me que ia estudar magia conosco, que se tornaria aprendiz de Lorde Dalamar. Mas o que se passa aqui?
— Eu... eu ainda não me decidi — replicou Usha. — Preciso ir para um lugar qualquer, a fim de meditar no assunto. Um lugar qualquer que não seja este! Quanto a estudar magia, talvez não precise de fazê-lo, não agora. Me satisfaço com o poder que tenho.
— Usha — começou Palin. Steel impediu-o.
— Deixe-a ir — disse o cavaleiro. — Estamos perdendo tempo.
Palin soltou-se, furioso.
— Por mais poderosa que seja a sua magia, não impedirá que morra caso penetre naquele bosque! Além disso — acrescentou em voz baixa — é bem possível que nos encontremos aqui por causa dela.
— O quê? Porquê? — Steel olhou de relance para a mulher, sem dar mostras de interesse.
— Porque é a filha de Raistlin, é possível que ele esteja tentando chegar até ela.
Steel olhou intensamente para Palin.
— É possível que Raistlin queira a filha e não o sobrinho. — Steel encolheu os ombros. — Será que pode abrir o Portal para ela? Talvez tenha razão. Não me interessa, contanto que o Portal se abra. Traga-a conosco.
Palin encaminhou-se em passos lentos para Usha.
— Menina, não pode ir embora — disse. — Peço que fique comigo. Que confie em mim. Descobriremos uma solução.
Ela fitou-o com os olhos dourados, que deixavam transparecer uma expressão de frieza. Mas agora que se encontrava mais próximo, o mago constatou que o gelo servia apenas para dissimular o medo. A jovem parecia tão aterrorizada como uma criança perdida.
— Vou contigo — respondeu com meiguice. — Mas tem que ficar junto de mim...
A jovem irradiava calor e a sua pele era macia. O cabelo prateado aflorou o rosto do mago, provocando-lhe ondas de desejo por todo o corpo. Nunca na vida experimentara tal sentimento delicioso nem se vira enredado num torvelinho tão amargo. Ficar junto dela! Tinha de atravessar o Abismo.
O Veste Vermelha, depois de ponderar o assunto, ao que parece concluiu que o kender tinha razão. Que melhor lugar para este estranho grupo, senão ficarem trancados nos aposentos do seu senhor?
— Subirei com vocês as escadas que conduzem ao quarto de Lorde Dalamar — declarou o Veste Vermelha. — Esperaremos juntos pelo meu senhor.
“Não vai dar certo”, era o que o olhar carrancudo de Steel parecia dizer a Palin. Tinham que descobrir o Portal que dava para o Abismo, e seria melhor que o encontrassem antes que Dalamar aparecesse.
— Obrigado, mas não vai ser necessário — respondeu Tas com modos polidos. — Sabemos o caminho. Além disso, Palin já esteve aqui antes. É amigo pessoal e íntimo de Dalamar.
O Veste Vermelha ergueu as sobrancelhas mostrando a sua descrença.
— Não o está reconhecendo? — exclamou Tasslehoff. — É Palin Majere. O sobrinho de Raistlin Majere! Usha é filha de Raistlin. E este... — o kender acenou com a mão para Steel Montante Luzente. — ...é o meio-sobrinho de Raistlin Majere! Se não estou enganado. — franzindo o cenho, o kender pôs-se a refletir. — Ora vejamos. Kitiara era meio-irmã de Raistlin. Talvez isso faça com que Steel seja apenas um quarto de sobrinho...
— Trata-se de uma reunião familiar — interveio Steel que, empurrando o Veste Vermelha contra a parede, passou rapidamente por ele e penetrou na torre.
O Veste Vermelha não os seguiu até os aposentos de Dalamar. Contudo, fez com que vários guardiões espectrais os acompanhassem. Os olhos pálidos e imóveis ficaram montando guarda até se encontrarem em segurança nos aposentos de Dalamar e terem fechado a porta.
— Mas ficarão à nossa espera — previu Palin. — Para não falar do que guarda o laboratório. Esse espectro recebeu ordens de Dalamar para não permitir a entrada de ninguém. O laboratório nunca mais foi aberto desde que o meu tio...
Palin calou-se, sem terminar a frase. O que afirmara não era bem verdade. A porta do laboratório fora aberta uma vez, pois o Bastão de Magius encontrava-se lá dentro e agora era ele quem o segurava.
— Ah, não precisam se preocupar com o espectro — disse Tas, em tom confidencial. — Nós temos a...
— Colher Que Revolve dos Kenders. Já sei — atalhou Palin com um suspiro. Estava sem disposição para aturar as tolices do kender — Olha, Tio Tas, estive examinando o timbre da colher. Não passa de uma colher comum de...