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Um dos motivos por que abandonara os estudos e partira com os cavaleiros, fora o desejo de provar a si mesmo que tinha valor. Falhara da maneira mais atroz ... e foram os irmãos que pagaram o preço.

Palin ia percorrendo as escadas, obrigando as pernas doloridas a subir mais um degrau, depois outro, e outro ainda. Até se alhear por completo do que o rodeava. Só se deu conta de que haviam chegado ao seu destino quando o kender lhe puxou as vestes brancas.

Atordoado, Palin olhou fixamente para Tas sem, de início, reconhecê-lo. Depois, pestanejou e voltou à realidade.

— Sim? Que foi?

— Acho que chegamos — disse Tas num murmúrio audível apontando com a mão. — É aqui?

Encontravam-se num vasto patamar, que ficava logo por baixo de uma porta de madeira com gonzos de ferro forjado. Um curto lance de escadas ia desembocar na porta.

— Conheço este lugar — respondeu Palin o melhor que podia. Tinha a garganta e a boca tão secas que lhe tornava penoso falar. — Fiz o meu Teste aqui. Sim... — calando-se, passou a língua pastosa pelos lábios ressequidos. — O laboratório fica aqui.

Ninguém falou, nem mesmo Tas, e todos se comprimiram dentro do círculo de luz do bastão. Fora do círculo, as trevas grulhavam e ciciavam. Sentiam o roçar de sombras mergulhadas numa semipenumbra, que afloravam com mãos etéreas. Se a luz do bastão esmorecesse, seriam tragados pela escuridão ofuscante.

— Vamos Majere! — A voz de Steel Montante Luzente tinha uma entoação áspera, agastada. — Avance. Abra a porta!

Ocorreu a Palin uma visão do passado.

Emergindo das trevas, viu que dois olhos brancos e frios o fitavam — olhos sem corpo, a menos que a sua carne, sangue e ossos fossem feitos de escuridão...

— Afaste-se!— ordenou Dalamar. — E deixe-nos passar.

Isso não é possível, Senhor da Torre. A tua ordem foi: “Tome esta chave e a mantenha por toda a eternidade. Não a dê a ninguém, nem sequer a mim. E, doravante, ficará aqui postado, guardando a porta. Ninguém deve entrar. Faça com que a morte seja rápida para os que tentarem...

— Temos de passar pelo guardião — disse Palin.

— Que guardião? — perguntou Steel com impaciência. — Não há nenhum guardião!

Palin olhou atentamente. Reinavam as trevas e a única luz brilhando provinha do Bastão de Magins. E esse fulgor afastou a escuridão.

O espectro encontrava-se em algum lugar, invisível. De repente, Palin percebeu que os murmúrios vindos das trevas não eram ameaçadores, mas exultavam. Será que anteviam o regresso do verdadeiro Senhor da Torre?

— Tudo isto está errado! — murmurou Palin. Não, sobrinho. Isto é eminentemente correto!

Os olhos de Palin marejaram-se de lágrimas. Sentiu que tremia e que o fulgor do bastão bruxuleava sob o seu trêmulo abraço. “O que estou fazendo aqui?”, pensou. “Ele está me usando...”

— Ora, é claro que o guardião foi embora! — exclamou Tasslehoff Pés Ligeiros transbordante de satisfação. — Ouviu falar da minha colher! Anda, Palin! Eu vou na frente!

Metendo a colher no bolso, o kender subiu precipitadamente as escadas.

— Tas! Pare! Não entre aí!

Infelizmente, tais palavras não constavam do vocabulário do kender.

Palin ficou olhando, receoso, temendo ver surgir o guardião e o kender tombar morto pelas escadas.

Nada aconteceu.

Tasslehoff chegou à porta do laboratório incólume. Bateu na maçaneta, espiou pela fechadura e deu um empurrão na porta.

Silenciosamente, esta se abriu.

De dentro veio uma aragem gelada, um cheiro de bolor, umidade e outros mais desagradáveis. Usha tossiu e cobriu a boca e o nariz com o lenço. Steel fez uma careta e desembainhou a espada.

— Cheira a morte — disse.

Tasslehoff inclinou-se para a soleira, perscrutando o interior.

— Credo! — ouviram-no dizer. Depois, com um salto, transpôs a soleira e desapareceu nas trevas.

Ao espírito de Palin acudiram os boiões de componentes de encantamento, os artefatos mágicos, os livros de feitiços, os rolos de papiro — todos ao alcance dos dedos surripiadores de um kender. Havia mais perigo nisso do que qualquer situação que envolvesse guardiões espectrais.

— Tas! — Palin passou por Steel, empurrando-o. Pegando nas vestes, o mago subiu as escadas correndo. — Tas! Venha já para fora! Não toque em nada.

Parou na soleira, invadido pelo pânico, sentindo relutância em entrar. Tudo aquilo estava errado, errado. Estendeu o bastão para iluminar o interior.

Tasslehoff avançara até o meio da sala e encontrava-se diante de uma mesa enorme, fitando os objetos que se encontravam sobre ela, com os olhos arregalados de estupefação.

— Tas! — ralhou Palin, zangado e aliviado. — Venha para fora.

Ouviu os passos de Steel subindo as escadas atrás de si.

A luz do bastão se apagou. A escuridão abateu-se sobre eles, agitou-se em volta deles, colidiu contra eles, os fez submergir.

Steel começou a praguejar. Usha soltou um grito assustado.

— Que ninguém se mexa! — avisou Palin, e ao seu espírito acudiram visões terríveis de todos eles despencando pelas escadas em espiral, indo se esmagar no chão de pedra que ficava muito lá ao fundo. — Shirak!

A ordem não surtiu efeito. Ou então o bastão recusava-se a obedecer. A escuridão foi crescendo, tornando-se mais espessa.

— O que se passa Majere? — perguntou Steel. — Ilumine o maldito bastão.

— Estou tentando! — respondeu Palin, frustrado e zangado consigo mesmo. A magia voltara a falhar.

Ouviu o roçar da armadura contra a parede e o som de botas que desciam pesadamente as escadas. Steel tentava encontrá-lo.

— Palin! — gritou Usha, cheia de medo. — Vou contigo! Não se mexa!

— Usha, tenha cuidado! — Palin deu meia volta, tentando retroceder para alcançá-la.

— Palin! — O eco da voz de Tas chegou-lhe estridente. — Agarrei alguma coisa. Talvez isto possa ajudar!

— Tas! Não! — gritou Palin, virando-se.

Ouviu-se um estilhaço, o som pavoroso de vidros se quebrando.

Avançando aos poucos, tateando com o bastão como se fosse um cego no mercado, Palin foi abrindo caminho até à escuridão de breu do laboratório. Steel seguia bem atrás, tentando se equilibrar. O cavaleiro deteve-se à soleira e não entrou.

A porta se fechou com estrépito.

23

Dalamar regressa.

A mensagem.

A magia de Usha.

— Majere!

Steel Montante Luzente arremessou-se contra a porta, tentando arrombá-la. — Raios te partam Majere! Abra a porta!

— Palin! — Usha encontrava-se junto, batendo na porta com os punhos. Do outro lado, chegaram aos ouvidos do cavaleiro gritos fracos e o som de murros. Tanto podia ser Palin tentando abrir a porta... como a trancá-la.

Steel inclinou-se para a última hipótese e, virando-se para a jovem, ordenou-lhe:

— Volte para o patamar.

— Que vai fazer?

— Arrombar a porta. Há pouco, senti-a ceder, acho eu. Vá. Está estorvando.

— Mas ... está tão escuro! — protestou Usha com voz trêmula. — Não consigo ver! E se ... e se eu cair?

Embora não o preocupasse minimamente o fato dela cair ou não, Steel refreou a impaciência.

— Vai tateando enquanto desce. Mantenha-se junto à parede. Quando chegar, logo saberá. E depois, não saia dali.

Ouviu-a descer os degraus, lenta e cautelosamente e depois, concentrando-se na porta, esqueceu-a. Para chegar à mesma, teria de subir os degraus correndo, o que não lhe daria impulso adequado ...