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O corvo abriu o bico e soltou um crocito rouco e trocista.

26

O laboratório.

Tasslehoff toma (entre outras coisas) a iniciativa.

Ai credo! — sussurrou Tasslehoff, muito empolgado e aterrorizado para falar em voz alta.

— Não toque em nada! — Foram as primeiras palavras de Palin, pronunciadas em tom severo e insistente.

Mas, dado serem estas as palavras geralmente proferidas por alguém na presença de um kender, a advertência entrou por um ouvido de Tas e saiu pelo outro.

Não toque em nada!

Acho que se trata de um bom conselho, disse Tas para consigo visto que é o laboratório de um dos maiores e mais poderosos Vestes Negras que já existiu. Se eu tocasse em alguma coisa, poderia acabar dentro de um destes boiões, como aquela desgraçada criatura morta que está ali naquele pote e que nenhum mal poderia me fazer se eu só levantasse a tampa para ver melhor...

Tas! — exclamou Palin, tirando o boião das mãos do kender.

— Estava empurrando para trás, para que não caísse — explicou Tas. Os olhos de Palin, incidindo nele, faiscavam.

— Não mexa! — repetiu.

Tsc! Está mesmo de mau humor, Tas continuava a falar de si para si e pôs-se a perambular por outra parte (mais escura) do laboratório. Vou deixá-lo sozinho por algum tempo. Ele não quer mesmo dizer “não toque em nada”, porque eu já estou tocando algo. Os meus pés tocam no chão, o que é bom, caso contrário andaria por aí flutuando, como toda esta poeira no ar. Daria um bom entretenimento. Será que conseguiria? Talvez aquele frasco com aquela meleca azul esverdeada seja alguma poção de levitação. Vou...

Palin, de rosto severo, arrancou a frasco da mão de Tas e impediu-o de retirar a rolha. Depois de retirar diversos objetos — o coto de uma vela coberta de pó, uma pequena pedra esculpida em forma de abelha e um carretel de linha preta, dos bolsos do kender, Palin encaminhou-o para um canto vazio e tenuemente iluminado e disse, no tom mais zangado que Tas já ouvira:

— FIQUE AQUI E NÃO SE MEXA!

Tas tinha plena consciência do despropósito da frase, pois enquanto bisbilhotara pelo laboratório, percebera vagamente o fato de Palin estar batendo com os punhos na porta, tentando abri-la e que uma vez até lhe acertara com o bastão, mas inutilmente. A porta nem estremecera.

O cavaleiro Steel Montante Luzente também esmurrara por algum tempo a porta, mas do lado de fora, e já não se ouvia.

— Deve ter ido embora — disse Tas. — Ou então foi o espectro que o apanhou.

Ora ali estava um espetáculo interessante e Tas ficaria desapontado se o perdesse. Mas, um kender não possui o dom da ubiqüidade, não pode estar ao mesmo tempo em todos os lugares, e nem por todos os espectros do mundo e possivelmente uma ou duas fadas más pelo meio perderia esta oportunidade.

— Não é intenção de Palin ser grosseiro. Só está assustado — observou Tas, em tom de simpatia. O kender não estava familiarizado com aquela emoção particularmente desagradável, mas sabia que a mesma atingira grande parte dos seus amigos, de modo que decidiu — movido por um sentimento de compaixão pelo jovem companheiro — fazer o que Palin lhe ordenava.

Tas postou-se a um canto, sentindo-se virtuoso e interrogando-se por quanto tempo duraria o sentimento. Possivelmente não muito, pois o virtuosismo anda a par com o tédio. Contudo, sossegou-o por uns instantes. Embora impedido de tocar no que quer que fosse, podia olhar, e o fez de corpo e alma.

Palin perambulava, em passos lentos, pelo laboratório. O Bastão de Magius derramava um vivo fulgor por toda a dependência, como se estivesse feliz por regressar a casa.

A sala era enorme, por certo muito maior do que se esperava, atendendo à localização e dimensões das outras divisões da torre. Tas experimentara a sensação irreal e excitante do quarto crescendo quando entrara lá e, fato mais excitante, de continuar a crescer. Confirmou tal impressão ao constatar que, sempre que desviava os olhos e depois os fixava de novo, via coisas que, podia jurar, não se encontravam lá antes.

O maior objeto do laboratório era uma mesa gigantesca, esculpida em pedra, que ocupava quase metade da sala. Considerando três vezes o tamanho de Tasslehoff deitado, ainda sobrava espaço para o penacho. Não que desejasse particularmente espojar-se naquela poeira, que era espessa e cobria tudo. As únicas marcas que sulcavam o chão, eram as deixadas por si e por Palin. Nem vestígios de ratinhos, nem sequer havia teias de aranha.

— No espaço de anos, somos os primeiros seres vivos a pisar esta câmara — disse Palin baixinho, fazendo, sem saber, eco dos pensamentos do kender.

O jovem mago passou por uma mesa de trabalho e, valendo-se da luz do bastão, iluminou as inúmeras prateleiras cheias de livros e pergaminhos. Tasslehoff reconheceu alguns livros, dotados de lombada azul-escuro, como pertencendo ao famigerado mago Fistandantilus. Outros, com lombada preta e gravações prateadas, ou com lombada vermelha e gravações douradas, seriam possivelmente do próprio Raistlin ou dos moradores anteriores da torre.

Palin se deteve junto desses livros de encantamentos e examinou-os com uma expressão admirada e ávida no olhar. Estendeu a mão para um, mas retirou-a bruscamente.

— Quem pretendo enganar? — disse, com amargura. — Bastaria olhar para a página em branco para, talvez, enlouquecer.

Tas, que fora companheiro de viagem de Raistlin, encontrava-se familiarizado com os fazedores de magia o suficiente para saber que um mago de categoria inferior que tentasse ler um livro não destinado a ele, enlouqueceria imediatamente.

— Há um dispositivo de segurança — salientou Tasslehoff, como se Palin não soubesse. — Raistlin explicou-me uma vez, quando me tirou um livro de encantamentos das mãos. Foi muito simpático, até disse que não queria ficar de braços com um kender maluco. Respondi que era muita gentileza e consideração da sua parte, mas que não me importava de ficar maluco. Ao que ele respondeu, sim senhor, que ele se importava, e acho que acrescentou qualquer coisa como preferir ter vinte ogros munidos de paus lhe batendo na cabeça e nos ombros, mas não posso assegurar.

— Tio Tas — interveio Palin com voz nervosa, meio sufocada e contida —, não pretendo ser grosseiro, em especial quando se trata de uma pessoa da sua idade, mas cale-se, por favor!

Continuou a divagar pela sala, aproximando a luz do bastão deste ou daquele objeto, mas sem nunca mexer em nada. Percorreu duas vezes o laboratório todo, com exceção de um cantinho.

O recesso ficava nos fundos da câmara, quase defronte do lugar onde Tasslehoff se encontrava. Estava muito escuro ali, e Tas começou a desconfiar que Palin mantinha a luz deliberadamente afastada do local.

Porém, o kender estava a par do que existia naquela parte do laboratório. Soubera-o de Caramon e de Tanis.

Palin continuava a olhar de relance naquela direção e depois fitava Tas, como que indeciso quanto ao que devia fazer.

Bom, Tas sabia exatamente o que havia de fazer.

— Mas continua assustado — comentou, sacudindo o penacho. — Tem de ser isso. Não vejo outro motivo para andar de um lado para o outro, quando deveríamos avançar com as coisas. Poderia dizer-lhe o que fazer.

— Pensando bem, é melhor não. Recordo-me quando era moço e sei que uma pessoa mais idosa, como é o meu caso, dar conselhos a outra mais jovem, como é o caso de Palin, em geral não é bem aceito. Talvez se lhe desse uma pista, um pequeno toque, por assim dizer. Afinal, não temos o dia todo. Daqui a pouco é hora de jantar e, se bem recordo, no Abismo, as refeições, embora nutritivas, são muito insípidas. De modo que... Bom... aproveito quando não estiver olhando.