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Durante a última Guerra do Dragão, os dragões verdes revelaram-se ineficazes. Estes só lutam quando encurralados. Preferem recorrer aos seus poderosos encantamentos mágicos para enlear o adversário. Pelo que, os comandantes militares lhes merecem pouco respeito, embora obedeçam aos Cavaleiros do Abrolho — os feiticeiros de vestes cinzentas — quando acham que isso irá beneficiá-los.

Acostumados a viver em climas frios, os dragões brancos, sob o calor inusitado e devastador do Verão, que transformara as massas flutuantes de gelo em rios e lhes derretera as cavernas de gelo, desapareceram por completo.

O Senhor de Ariakan escolhera para montaria dos seus cavaleiros, os dragões azuis e recolhera bons dividendos por isso. Estes animais gostavam mesmo dos mortais e votavam uma lealdade incrível entre si e aos respectivos donos. Acatavam as ordens, lutavam bem enquanto unidade coesa e — fato mais importante — conseguiam entender claramente a Visão e o papel que desempenhavam nela.

Steel deixou que Fulgor se juntasse aos companheiros, que a acolheram com gritos de alegria, proferidos na linguagem deles. Alguns dragões azuis executavam círculos no ar, montando guarda, mas a grande maioria encontrava-se no solo, descansando antes da grande batalha. Ariakan não temia a investida. Os flancos encontravam-se salvaguardados. O seu exército imenso derramara-se pelo Norte de Ansalon como um fogo descontrolado, consumindo tudo à passagem.

Steel penetrou no acampamento a pé e procurou o estandarte que assinalaria a localização do seu batalhão. Logo constatou ser uma tarefa quase impossível, atendendo às dimensões das forças reunidas na planura. Verificando que poderia levar a noite inteira nesta busca sem nunca chegar ao destino, deteve-se e inquiriu junto de um oficial, que o orientou para o local correto.

Trevalin encontrava-se reunido com os seus oficiais. A chegada de Steel, calou-se e fez um gesto ao cavaleiro para que se juntasse a eles.

— O cavaleiro guerreiro Montante Luzente apresenta-se ao serviço, meu comandante — disse Steel, fazendo a continência.

— Montante Luzente! — disse Trevalin com um sorriso. — Folgo por te ver. Sinceramente. Parece que havia quem pensasse que não voltaria!

Steel carregou o cenho, pois isso constituía uma afronta à sua honra. Sentiu-se no direito de confrontar quem o caluniava.

— E quem seria, meu subcomandante?

— A Dama da Noite, responsável, antes de mais nada, por te enviar nessa estúpida missão — respondeu Trevalin com uma careta, como se experimentasse na boca algo ruim. — Atenção, não o disse diretamente. Melhor do que ninguém ela sabe não ser prudente insultar publicamente a honra de um dos meus cavaleiros. Mas andou o dia todo por aí com insinuações. Homem, descontraia e esqueça isso. Tem preocupações mais urgentes.

O sorriso de Trevalin converteu-se num sulco rígido e soturno. Steel adivinhou o que vinha a seguir.

— O Senhor de Ariakan esteve aqui em pessoa à sua procura. Deixou ordens. Tem que comparecer imediatamente à sua presença. — A expressão de Trevalin suavizou-se e este pousou a mão no braço de Steel. — Montante Luzente, acho que tenciona levá-lo esta noite a julgamento. Procedeu assim com outros. “Para manter a disciplina, há que se agir depressa”, afirma. — Trevalin esboçou um gesto. — A tenda dele fica ali, no centro. Fiquei de te acompanhar. É melhor irmos já. O Senhor de Ariakan disse para se apresentar de imediato.

Steel contraiu o maxilar. Ia ser julgado aquela noite e, quase com certeza, condenado. Seguiria-se a execução. As lágrimas queimaram-lhe as pálpebras, mas não se tratava de lágrimas de medo, antes de amargo desapontamento. No dia seguinte, os cavaleiros atacariam a Torre do Sacerdócio Supremo, no que se pretendia constituir a batalha decisiva da campanha, e ele a perderia.

Lentamente, meio cego pelas lágrimas, vendo tudo enevoado à sua volta, desembainhou a espada do pai e estendeu-a a Trevalin.

— Meu subcomandante, apresento-lhe a minha rendição — disse.

A espada dos Montante Luzente gozava a reputação de ter pertencido a Bertel Montante Luzente, um dos antigos heróis da cavalaria. Ao longo dos séculos, fora passando de pai para filho e, segundo a lenda, só se quebraria se o ânimo do homem que a empunhava quebrasse primeiro. A espada repousava junto ao defunto, aguardando a hora de passar de novo para as mãos de um Montante Luzente, quando este atingisse a idade conveniente. A sua lâmina de aço antiga, que Steel mantinha amorosamente polida, reluzia, embora não se tratasse do frio clarão pardo dos feiticeiros de Takhisis. A espada irradiava uma luz peculiar, viva, de prata.

Trevalin olhou para o punho, decorado com o pica-peixe e a rosa — os símbolos dos Cavaleiros da Solamnia — e abanou a cabeça.

— Não a tocarei. Amanhã vou precisar das minhas mãos. Não pretendo vê-las consumidas pela cólera de Paladino. Espanta-me você poder utilizar tal artefato e sair ileso. A Dama da Noite também se admira com o fato. Foi uma das observações que proferiu contra você.

— A espada pertenceu ao meu pai — respondeu Steel, afivelando o cinto em volta da bainha com arrogante precaução. — Recebi permissão do Senhor de Ariakan para a usá-la.

— Eu sei, e a Dama da Noite também. Montante Luzente, interrogo-me sobre o que terá feito para ela te odiar tanto assim. Ah, não interessa. Quem pode assegurar o que vai na cabeça dos feiticeiros? Espere aqui enquanto informo os outros para onde vamos.

O trajeto não foi longo e o julgamento também não.

Ao que parece, Ariakan mandara montar guarda para o avisarem da chegada deles pois um cavaleiro do estado-maior do suserano reconheceu-os e conduziu-os através da multidão densa, mas ordeira, de oficiais, mensageiros e ajudantes que aguardavam até conseguirem obter a atenção de Ariakan.

O cavaleiro encaminhou-os para uma tenda grande, sobre a qual tremulava a bandeira de Ariakan; preta, adornada com um lírio da morte entrelaçado numa espada. O suserano encontrava-se sentado a uma pequena mesa em pau-preto, uma prenda dos seus homens por ocasião do aniversário da fundação da cavalaria. A mesma viajava sempre com Ariakan, incluída na sua bagagem. Nessa noite, a madeira preta polida encontrava-se quase toda coberta de mapas cuidadosamente atados e postos de lado. No centro da tenda, defronte de Ariakan, erguia-se uma caixa enorme, cheia de areia e de pedras, dispostas no sentido de representarem o campo de batalha.

A Caixa da Batalha, concebida por Ariakan, enchia-o de orgulho. A areia e as pedras podiam ser alisadas e reconstituídas para formarem qualquer tipo de terreno. Havia pedras grandes representando as montanhas de Vinegaard. Palanthas — com os seus edifícios em ouro, rodeados por uma muralha feita com seixos — localizava-se no canto ocidental da caixa, próximo de um entalhe feito a lápis-lazúli que constituía a baía de Branchala. No desfiladeiro, entre as montanhas, encontrava-se uma Torre do Sumo-Sacerdócio em miniatura, esculpida em jade branco, e junto desta viam-se pequenos cavaleiros feitos de prata, assim como dragões de prata e alguns, poucos, de ouro.

Os Cavaleiros de Takhisis, feitos de obsidiana reluzente, cercavam a torre. Empoleirados nas pedras, viam-se dragões em safira azul, com as cabeças apontadas numa única direção: a torre. Fora assim determinada a disposição da batalha. Cada batalhão já recebera as suas ordens. Steel viu a bandeira do seu, conduzida por um cavaleiro minúsculo, montado num dragão azul minúsculo.

— Cavaleiro Guerreiro Montante Luzente — ouviu-se uma voz severa e profunda. — Aproxime-se.

A voz era de Ariakan. Steel e o subcomandante Trevalin avançaram, ambos conscientes dos olhares dos que se apinhavam do lado de fora da tenda.