Ariakan encontrava-se sozinho à mesa, escrevendo num grande livro com capa de couro, a história das suas batalhas, que lhe ocupava todos os momentos disponíveis. Steel encontrava-se suficientemente próximo para ver marcas nítidas na página, que quase correspondiam à disposição das tropas representadas na Caixa da Batalha.
— Meu Senhor, o subcomandante Trevalin apresenta-se na companhia do prisioneiro, conforme ordenado.
Ariakan acrescentou um toque final, fez uma breve pausa para rever o que escrevera e, chamando um ajudante, pôs o livro, aberto, de lado. O ajudante cobriu a página com areia, a fim de secar a tinta, e retirou o volume.
Foi quando o Senhor da Noite, Comandante e fundador dos Cavaleiros de Takhisis, virou a sua atenção para Steel.
Ariakan estava na casa dos 50, no auge da virilidade. Homem alto, forte, bem proporcionado, continuava um guerreiro apto que, nas justas e nos torneios, rivalizava com os melhores. Fora um jovem bonito. Agora, que atingira a meia-idade, com o seu nariz aquilino e os seus luzidios e perscrutadores olhos negros, lembrava um gavião-dos-mares. Constituía uma imagem apropriada pois a mãe, filha de Takhisis, fora propositadamente designada para ser Zeboim, a deusa dos mares.
O cabelo, embora grisalho nas têmporas, era espesso e preto. Usava-o comprido, preso na nuca com uma tira de couro entrançada, negra e prateada. Não tinha barba, o que lhe realçava a pele queimada e castigada pelas intempéries. Era inteligente, conseguia ser encantador quando lhe convinha, e gozava de grande respeito entre os que o serviam. Tinha a reputação de leal e justo e, ao mesmo tempo, obscuro e frio como as profundezas do oceano. A sua dedicação ia, de corpo, mente e alma, para a rainha Takhisis, e o mesmo esperava dos que lhe eram leais.
Ao mirar Steel, que ele introduzira na cavalaria quando o moço tinha 12 anos, não revelava piedade nem compaixão, embora a tristeza lhe ensombrasse o olhar. Steel ficaria surpreendido, e possivelmente desapontado com o seu comandante, se assim não fosse.
— O acusado, o cavaleiro guerreiro Montante Luzente, encontra-se diante de nós. Onde está o acusador?
Da multidão emergiu a feiticeira veste cinzenta que contribuíra para o envio de Steel na fatídica missão.
— Senhor, sou eu o acusador — disse a Dama da Noite, sem olhar para Steel.
Por seu turno, este manteve orgulhosamente os olhos fixos em Ariakan.
— Subcomandante Trevalin — prosseguiu o lorde —, agradeço-lhe os seus préstimos. Entregou o prisioneiro, conforme te ordenaram. Pode regressar agora ao seu batalhão.
Trevalin esboçou uma saudação, mas não se afastou logo.
— Meu senhor — disse —, antes de partir, solicito permissão para proferir algumas palavras a favor do prisioneiro. A Visão impele-me a fazê-lo.
Erguendo as sobrancelhas, Ariakan aquiesceu. A Visão, que predominava sobre todo o resto, não era invocada de ânimo leve.
— Fale, subcomandante — disse.
— Obrigado, senhor. Gostaria que as minhas palavras ficassem registradas. Steel Montante Luzente é um dos melhores soldados que eu tive o privilégio de comandar. A sua bravura e aptidões são irrepreensíveis e a sua lealdade para com a Visão ilimitada. Tais atributos viram-se confirmados vezes sem conta em batalha, e não deveriam ser agora postos em causa. — Ao dizê-lo, dardejou a Dama da Noite com um olhar sinistro. — Meu senhor, a perda do cavaleiro guerreiro Montante Luzente constituiria um dano irreparável para todos nós e também para a Visão.
— Obrigado, subcomandante Trevalin — respondeu Ariakan com voz fria e desapaixonada. — Tomaremos em consideração o que disse. Pode se retirar.
Trevalin esboçou uma saudação, inclinou-se e, antes de partir, dirigiu em surdina algumas palavras de encorajamento a Steel.
Segurando a espada do pai com ambas as mãos, o cavaleiro agradeceu mas não proferiu palavra. Abanando a cabeça, Trevalin abandonou a tenda.
Virando-se, Ariakan pediu:
— Traga-me a sua espada, Cavaleiro Guerreiro.
Obedecendo, Steel aproximou-se da mesa.
— Desembainhe a espada — prosseguiu Ariakan —, e coloque-a diante de mim.
Steel assim fez. Retirando a espada da bainha velha e gasta, pousou-a, em todo o comprimento, diante do seu superior. A lâmina deixara de cintilar, parecia cinzenta e baça, como que ofuscada pela presença sombria de Ariakan.
Steel retrocedeu cinco passos, mantendo-se ereto, imóvel, com as mãos de lado e os olhos fixos em frente.
Ariakan virou-se para a Veste Cinzenta.
— Dama da Noite, exponha suas acusações contra este cavaleiro — disse. Lilith, em tom estridente, relatou que Steel se oferecera para restituir os corpos dos dois Cavaleiros da Solamnia ao pai — que ela admitiu constituir uma dívida de honra. Olhando de relance para Steel, Ariakan mostrou a sua aprovação inclinando de leve a cabeça. O lorde encontrava-se familiarizado com a história de Steel, sabia que o cavaleiro devia a liberdade, e muito possivelmente a vida, a Caramon Majere. A dívida encontrava-se saldada agora.
A Dama da Noite prosseguiu dizendo que Steel tomara Palin Majere, o jovem mago, sob sua responsabilidade, que aceitara a palavra deste, que se oferecera para assumir a sentença de morte que pendia sobre o prisioneiro, caso este escapasse.
— Meu senhor, o Cavaleiro Guerreiro regressou para junto de nós — disse a Dama da Noite, rematando o seu discurso —, mas o prisioneiro não. A missão de Montante Luzente falhou. Permitiu que o prisioneiro fugisse. Para falar a verdade, meu senhor — acrescentou, deslizando para junto da mesa, inclinando-se e acercando-se dele como se estivesse prestes a revelar algum conluio terrível. Em voz baixa, num tom gutural e sibilante, acrescentou: — Atendendo à linhagem de Montante Luzente, acredito que ajudou o prisioneiro na fuga.
— Fale claramente, Dama da Noite — disse Ariakan, algo impaciente. Embora reconhecesse e apreciasse o valor dos fazedores de magia, começava, tal como muitos espadachins, a sentir-se farto da sua tendência para a ofuscação. — As insinuações vagas desagradam-me. Se tem alguma queixa contra este cavaleiro, exponha em termos simples que nós, soldados, possamos compreender.
— Meu senhor, achei que tivesse feito — respondeu a Dama da Noite. Recuando, endireitou-se e encarou Steel com uma expressão hostil. — Este cavaleiro usa ao pescoço um pingente elfo. Traz consigo a espada dos nossos inimigos. Meu senhor, deixe que eu lhe diga que este cavaleiro não é completamente leal à nossa gloriosa Rainha ou à Visão. É um traidor à nossa causa, e o fato do prisioneiro escapar, confirma-o. Meu senhor, sugiro que Montante Luzente seja obrigado a assumir o castigo que ele próprio concordou em aceitar. Steel Montante Luzente deve ser condenado à morte.
Ariakan voltou a olhar para Steel.
— Conheço este homem desde menino — disse. — Nunca me deu motivos para pôr a sua lealdade em causa. Quanto à espada e à jóia, lhe foram dadas pelo pai, um homem que, embora nosso inimigo, é venerado entre nós pela sua bravura e coragem. Na altura, tomei conhecimento das dádivas — prosseguiu Ariakan, carregando ligeiramente o cenho — e aprovei-as, tal como a Suma-Sacerdotisa de Takhisis. Dama da Noite, será que põe em causa a nossa lealdade?
Lillith mostrou-se chocada por Ariakan poder imaginar tal coisa, desgostosa por ser tão mal compreendida.
— Decerto que não, meu senhor — respondeu. — Tratou-se, sem dúvida, de uma decisão sensata... na altura em que a tomou. — Insistiu na frase, dando-lhe ênfase. — Mas lembro ao meu senhor que os tempos mudam, assim como o coração dos homens. Resta a questão do prisioneiro. Onde — prosseguiu, abrindo os braços — se encontra Palin Majere? Se o trouxerem aqui, vivo ou morto, então retirarei todas as minhas acusações e solicitarei a este cavaleiro que me perdoe.