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Steel sentia-se agora mais próximo do pai do que da guerreira sua mãe. Sturm compreendia a decisão tomada pelo filho, de optar pela morte e não pela desonra. Kitiara, a mãe, não.

Ao longo da noite, Steel sentira o fragor da batalha entre os dois, uma guerra que lhe fora familiar a vida inteira. Conseguia ouvir a voz do pai, falando de honra, sacrifício pessoal, e a voz da mãe, a pressioná-lo para mentir, ser conivente, sair-se vitorioso da confusão. A luta prolongara-se e fora extenuante e, ao que parece, até no sono o perseguira, pois sonhou com armaduras azuis e de prata, com o entrechocar de armas.

O toque do clarim, a chamar às armas, arrancou-o dos sonhos. Steel acordou sentindo-se repousado, alegre e sem o medo a aguilhoá-lo. Ele e os seus homens — uma força de espadachins e arqueiros bárbaros, todos eles tão excitados como o comandante — marchavam céleres, tão céleres que de vez em quando tinham de abrandar o passo, a fim de evitar tropeçar nos calcanhares do batalhão que seguia à frente.

Steel ia morrer nesse dia, podia assegurá-lo. Mas morreria envolto em glória, e nessa noite a alma dele compareceria perante a sua Rainha, provada que estava a sua lealdade incondicional, desaparecido para sempre o tumulto que o agitava.

Lorde Ariakan reuniu o seu exército nas Asas de Habbakuk, um trecho de terra batida que lembrava um avental e se situava bem por baixo da Torre do Sumo Sacerdócio. Sendo o bastião mais forte de Ansalon, a fortaleza não tinha mistérios para Ariakan. Conhecia cada corredor, cada entrada secreta, cada adega, conhecia-lhe os pontos fortes e fracos. Desde o dia em que partira, há muitos anos, que aguardava este momento.

Ariakan recordava-se de se encontrar, neste mesmo outeiro, montado no seu cavalo, a olhar para a torre e a planejar a forma de conquistá-la. A recordação trouxe-lhe uma sensação feérica de ter passado por tudo isto antes, embora na altura os homens ao seu lado fossem Cavaleiros da Solamnia, alguns deles possivelmente aguardando nesse dia o confronto com o antigo camarada.

No escuro, os servos montaram-lhe a tenda de comando. Quando os primeiros laivos rosa-alaranjados tingiram os céus, os seus oficiais reuniram-se. Encontravam-se cinco presentes, os três comandantes que chefiavam o exército de investida, o comandante da força draconiana e o comandante de uma força que, entre as tropas, se tornara conhecida por os Lacaios das Trevas — um exército composto por duendes maléficos, trasgos, ogros e mercenários humanos, muitos dos quais, desde o termo da Guerra da Lança, vagueavam pelas montanhas de Khalkist, à espera de uma oportunidade para se vingar. Entre eles também se contava um grande contingente de minotauros, chefiados pelos da própria espécie, visto o minotauro desprezar as ordens emitidas pelos insignificantes humanos.

Ariakan voltou a recapitular o plano de batalha. O primeiro, segundo e terceiro exércitos de investida deviam atacar, abrir brechas e penetrar no escudo formado pelas muralhas da torre, fazendo-o através das entradas principais. Para a consecução da tarefa, a cada um seriam atribuídos engenhos para cerco. O primeiro exército a romper as defesas deveria desobstruir as muralhas, a fim de permitir o acesso às outras forças.

Os Lacaios das Trevas deviam atacar a entrada principal que dava para o Espigão dos Cavaleiros. Em caso de êxito, deviam abrir caminho até à torre principal e prestar assistência aos exércitos de investida no esmagamento do inimigo.

O quinto exército, a força draconiana, devia aliar-se aos Cavaleiros de Takhisis, que atacariam do ar. Os draconianos, montados em dragões azuis, desceriam dos céus até às ameias e desimpediriam o caminho para as forças de investida. Os cavaleiros, mantendo-se no dorso dos dragões, combateriam os dragões prateados, que decerto acorreriam em auxílio dos Cavaleiros da Solamnia.

Depois da reunião, Ariakan dispensou os oficiais e ordenou aos servos que lhe trouxessem o desjejum.

A espera foi penosa. Steel, incapaz de se manter parado, caminhava agitadamente de um lado para o outro, Necessitava de um escape para a excitação que lhe alvoroçava as veias. Decidiu ir observar os oficiais das máquinas montarem o engenho de cerco que investiria contra o portão principal. Teria se juntado a tarefa, só para se manter ocupado, mas supôs que seria mais um estorvo do que ajuda.

O enorme aríete era feito com o tronco de um carvalho poderoso em tempos idos. A cabeça, revestida de ferro, fora trabalhada na forma de uma quélidra serpentina (em honra da deusa dos mares, mãe de Ariakan) e encontrava-se montada numa plataforma giratória que rolaria pela estrada e investiria diretamente contra o portão principal. O aríete, metido numa armação de couro, encontrava-se suspenso do topo do engenho de cerco e ligado a uma série de complexas roldanas. O aríete seria puxado para trás por homens que manobravam cordas espessas. Depois de soltas as cordas, o aríete seria arremessado para frente, atingindo os portões com um impacto enorme. Um tejadilho de ferro sobre o aríete oferecia proteção contra setas incendiárias, pedregulhos e outras armas que os defensores utilizassem, num esforço para destrui-lo antes que provocasse danos significativos.

Os Cavaleiros do Abrolho dotaram o engenho infernal com vários tipos de magia. Os Cavaleiros da Caveira, chefiados pela Sacerdotisa Suprema de Takhisis, avançaram e deram a sua bênção tenebrosa ao engenho de cerco, invocando os deuses para que os apoiassem na sua causa. Os enormes portões de pau-ferro da torre, com liga de aço, foram reforçados com magia e, conforme se receava, não cairiam sem a intervenção pessoal da Rainha das Trevas.

Mas onde se encontrava Takhisis? Será que viera presenciar o maior triunfo do seu exército? Parecia a Steel que a Suma-Sacerdotisa hesitava nas suas orações, como que não tendo a certeza se alguém a estava ouvindo ou não. Os Cavaleiros da Caveira que ladeavam a sacerdotisa à direita e à esquerda, pareciam apreensivos e trocavam olhares de esguelha uns com os outros. O oficial das máquinas, que durante as orações fora obrigado a interromper o trabalho, mostrava-se impaciente.

— Se quer que te diga, tudo isto é um rematado disparate — grunhiu a Steel, quando as orações terminaram. — Não que eu não seja um homem de fé — acrescentou rapidamente, olhando ao redor para se certificar que não fora escutado pelos sacerdotes. — Mas passei seis meses da minha vida, dias e noites, a desenhar aquele engenho e outros seis a construí-lo. Não será uma pitada de pó mágico malcheiroso nem umas quantas orações em surdina que irão vencer esta batalha. A nossa Dama das Trevas terá hoje coisas muito mais importantes a fazer do que andar por aí batendo à porta da frente dos Solâmnicos. — Orgulhoso, admirou a máquina com os olhos úmidos de lágrimas e acrescentou: — O meu engenho fará esse servicinho por ela.

Steel aquiesceu polidamente e ambos começaram a discutir a coordenação das suas duas forças. Feito isto, Steel regressou para junto das tropas bárbaras.

Foi dar com os brutos a participarem num jogo popular qualquer entre os da sua espécie. Um deles, dos poucos que falavam a língua comum, tentou explicar-lhe o jogo. Steel ouviu-o pacientemente, tentando parecer interessado. Em breve se perdia na complexidade das regras do jogo, que era feito com a ajuda de paus, pedregulhos, pinhas e incluía o arremesso, aparentemente descuidado, de grandes facas com punho de osso e aspecto mortífero.

Explicou o bruto que os ocasionais derramamentos de sangue excitavam os homens e os preparava para a batalha. Steel, que se interrogara quanto à origem de todas aquelas cicatrizes de aspecto estranho nas pernas e nos pés dos bárbaros, em breve os deixava entregues aos seus perigosos folguedos e retomava o passeio.

O seu olhar dirigiu-se para as ameias da Torre do Sumo Sacerdócio, onde conseguia avistar figuras minúsculas a percorrê-las e a espreitarem por cima da guarnição. Já passava muito da madrugada, da hora em que normalmente os exércitos atacam. Se a espera se revelava penosa para Steel, o que dizer do que sentiam os que se encontravam no interior da torre. Deviam interrogar-se quanto ao motivo da demora, sobre o que estaria Ariakan a conspirar, ao mesmo tempo que reviam as suas próprias estratégias. E enquanto o tempo se escoava, o medo insinuava-se no coração e a coragem ia-lhes esmorecendo.