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O Sol ia alto nos céus, fazendo diminuir as sombras projetadas pela torre. Por sob a pesada armadura, Steel sentia-se alagado em suor e olhava com inveja os brutos, que iam para a batalha quase nus, com o corpo pintado de tinta azul, com um cheiro pestilento e que, afirmavam eles, possuía propriedades mágicas e era tudo o que necessitavam para se protegerem contra qualquer tipo de arma.

Steel enfrentou o calor e dirigiu-se para o local onde os cavaleiros do seu batalhão preparavam os dragões para o combate. Avistando-o, o subcomandante Trevalin dirigiu-lhe um aceno, mas não lhe falou, ocupado como estava a ajustar a lança — uma cópia das famosas lanças de dragão. Steel avistou Fulgor, agora com um novo dono, e não o invejou. Fulgor ficara furiosa quando descobrira o rebaixamento de Steel, falara mesmo em recusar-se a voar durante a batalha. Steel dissera-lhe que isso equivalia a deserção, mas tornava-se óbvio que o animal ainda estava de mau humor. Era leal à Visão e lutaria com bravura, mas também faria tudo para dificultar a vida do seu novo condutor.

Tentando calar os sentimentos de desgosto e de inveja, Steel regressou para junto do seu comando, arrependido por tê-lo deixado. Ressentia-se do calor e o entusiasmo começava a esmorecer-lhe, quando foi atraído por um movimento ondulante que agitou o centro do exército. Lorde Ariakan saíra da tenda e os que o rodeavam aquietaram-se.

Acompanhado pelos guarda-costas, pelo porta-estandarte, os feiticeiros e os sacerdotes das trevas, Ariakan montou o cavalo — um espécime de pelagem negra como carvão, conhecido por Vôo da Noite — e avançou, postando-se bem atrás do esquadrão da retaguarda do segundo exército de investida. Depois, ordenou que fosse erguido o estandarte bélico.

Foram desfraldados os estandartes de todos os outros exércitos. As bandeiras pendiam, flácidas, no ar parado. Ariakan ergueu um bastão feito de obsidiana preta, decorado com lírios da morte em prata e sobrepujado por uma caveira sorridente. Lançando um derradeiro olhar ao redor, a fim de se certificar de que tudo se encontrava a postos, Ariakan baixou o bastão.

Na atmosfera fervilhante de calor ressoou o som cristalino de uma trombeta. Steel reconheceu o chamado: “Avançar para Contato”, e o sangue pulsou-lhe nas veias, a ponto de achar que o coração arrebentaria de excitação.

Responderam as trombetas de todos os exércitos de Takhisis, às quais se juntaram os sons estrídulos das trompas dos vários esquadrões, misturando-se numa cacofonia de guerra estridente e ensurdecedora. Com um retumbar de vozes, que devem ter abalado as pedras que serviam de alicerce à torre, o exército de Takhisis lançou-se ao ataque.

4

Discussão entre velhos amigos.

Sturm Montante Luzente pede um favor.

Ao alvorecer, Tanis Meio Elfo subiu as escadas que desembocavam nas ameias próximas da torre central, não muito longe do lugar onde se erguiam as paredes manchadas pelo sangue de Sturm Montante Luzente. Seria aqui que em breve assumiria a sua posição, mas não solicitou às suas tropas que o seguissem. Ainda não. Tanis escolhera deliberadamente este lugar, pois sentia a presença do amigo e, naquele momento, necessitava dele.

Tanis estava cansado. Ficara acordado toda a noite, em reunião com Sir Thomas e os outros comandantes, tentando descobrir um meio de conseguir o impossível, uma forma de vencer em circunstâncias das mais desvantajosas. Também delinearam planos, bons planos. Depois, foram até às ameias e ficaram observando os exércitos das trevas que, irradiando clarões, iam cobrindo a colina — uma maré crescente de morte.

Excessiva para ser contida por planos bons.

Tanis sentou-se pesadamente no chão de pedra, recostou a cabeça para trás e fechou os olhos. Diante dele apareceu Sturm Montante Luzente.

Tanis conseguia ver Sturm distintamente, este envergando a antiquada armadura, com a espada do pai nas mãos e postado nas ameias onde Tanis repousava agora. O estranho foi Tanis não se surpreender por avistar o velho amigo. Parecia correto e adequado Sturm encontrar-se ali, a percorrer as ameias da torre pela qual dera a vida para defender.

— Meu velho amigo, bem que precisava de um pouco da tua coragem neste momento — disse Tanis baixinho. — Não podemos ganhar. Eu sei que é inevitável. Sir Thomas sabe. Os soldados sabem. E, sem esperança, como havemos de seguir em frente?

— Por vezes, ganhar transforma-se em derrota — respondeu Sturm Montante Luzente. — E na derrota alcança-se melhor a vitória.

— Exprime-se por metáforas, meu velho amigo. Fale com clareza. — Tanis procurou uma posição mais confortável. — Sinto-me muito cansado para adivinhas.

Sturm não respondeu logo. O cavaleiro percorreu as ameias, perscrutou por cima da muralha e olhou para o vasto exército que se concentrava embaixo.

— Tanis, o Steel está ali embaixo. O meu filho.

— Está, não está? Não me surpreende. Ao que parece, falhamos. Ele entregou a alma à Rainha das Trevas.

Sturm virou-se para o amigo.

— Tanis, vigie-o.

Tanis bufou de indignação.

— Meu amigo, acho que o seu filho já é bem crescidinho para vigiar a si mesmo — respondeu.

Sturm abanou a cabeça.

— Está lutando contra um inimigo que o transcende. A alma dele não se perdeu completamente para nós, mas... se perder esta batalha interior... ficará. Meu amigo, cuide dele. Prometa-me.

Tanis sentiu-se perplexo, perturbado. Raramente Sturm Montante Luzente pedia favores.

— Farei o que estiver ao meu alcance, Sturm, mas não compreendo. O Steel é um servo da Rainha das Trevas. Virou as costas a tudo o que tentou fazer por ele.

— Meu senhor...

— Se ao menos me explicasse...

— Meu senhor! — A voz fez-se acompanhar por uma mão, que lhe abanou o ombro.

Tanis abriu os olhos e soergueu-se.

— Quê? Que se passa? — Levou a mão à espada. — Chegou a hora?

— Não, meu senhor. Desculpe se o acordei, meu senhor, mas preciso saber quais as suas ordens...

— Sim, é claro. — Tanis levantou-se de um salto. Lançou um rápido olhar pelas ameias. Ninguém mais se encontrava lá, apenas ele e o jovem cavaleiro. — Desculpe, devo ter adormecido.

— Sim, meu senhor — concordou o cavaleiro em tom polido. — Falava com alguém, meu senhor.

— Falava? — Tanis abanou a cabeça, tentando libertar-se do torpor que lhe pesava no cérebro. — Tive um sonho dos mais estranhos.

— Sim, meu senhor. — O cavaleiro continuava a aguardar pacientemente. Tanis esfregou os olhos raiados de sangue.

— Ora vamos lá, que quer me perguntar?

Ouviu, respondeu e prosseguiu com as suas obrigações, mas sempre que o silêncio pairava chegavam-lhe aos ouvidos palavras suaves.

Prometa-me...

Rompeu a madrugada, mas a luz do Sol apenas veio aguçar o desespero. Os defensores da torre olharam para baixo e avistaram um mar de trevas que se formara de noite e estava prestes a afogá-los numa onda gigantesca de sangue. Por todo o lado correram as notícias a respeito da força imensa que se mobilizara contra os cavaleiros. Ouviam-se os comandantes ordenando aos homens, em tom contundente, para guardarem silêncio e manterem-se nas suas posições. Em breve, os únicos sons que podiam ser ouvidos eram os chamados dos dragões prateados, que voavam em círculos no ar e soltavam gritos de desafio contra os seus primos azuis.