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— Que foi? — perguntou Tas, de olhos arregalados. — Que aconteceu?

Palin mostrava dificuldade em respirar.

— O encantamento... — gaguejou — ...pode ter sido ativado... Não é permitido entrar... Poderia... ter sido morto...

— Acho que sim — respondeu Tas, pondo-se a refletir. — Por outro lado, acho que não. Como o Fizban costumava dizer, é assim que a bola de fogo pula de um lado para o outro. Além disso, parece que o Raistlin está ficando impaciente. Não acho que seja boa educação fazê-lo esperar mais tempo.

Palin parou de respirar por completo. Sentiu a sua carne arrefecer, o seu coração ressequir-se.

— O meu... tio...

— Está bem ali — disse Tas, apontando para o Portal, na direção da paisagem cinzenta e vazia. — Não o vê?

Apertando o Bastão de Magius, Palin arrimou-se a ele, procurando apoio. Olhou de novo para o interior do Portal, receoso de ver...

O corpo de Raistlin, flácido, estava suspenso na parede pelos pulsos, com as vestes pretas rasgadas em tiras, o longo cabelo branco tombava-lhe no rosto, a cabeça curvada para frente... A carne de Raistlin, do peito às virilhas, fora arrancada, esfacelada por lanças afiadas, deixando à mostra os órgãos palpitantes. O pingar que Palin ouvia, era o som do sangue do mago que, gota a gota, ia caindo num grande tanque de pedra que se encontrava aos seus pés.

Raistlin encontrava-se de pé, envergando as vestes negras, com os braços cruzados no peito. Tinha a cabeça inclinada, absorta, mas de vez em quando relanceava o olhar na direção do Portal, como se aguardasse alguém. Depois, voltava a mergulhar nos seus pensamentos, que deviam ser desagradáveis, a avaliar pela expressão carrancuda do rosto magro e pálido.

— Tio!

Fora só um murmúrio, tão em surdina que Palin quase não se ouviu pronunciar a palavra.

Mas Raistlin ouviu. O arquimago levantou a cabeça e fitou Palin com os seus olhos dourados, que lembravam ampulhetas.

— Por que hesita, sobrinho? — perguntou, em tom irritado, uma voz seca e áspera. — Apresse-se! Já perdeu muito tempo! O kender já esteve aqui. Ele te guiará.

— Sou eu! — gritou Tas, todo excitado. — Está falando de mim! Vou ser guia! Nunca tinha guiado ninguém! A não ser o Tarsis, que não estava junto ao mar quando devia, mas isso não foi culpa minha. — Agarrando com força a mão de Palin, acrescentou: — Anda, siga-me! Sei exatamente o que fazer...

— Mas, não posso! — respondeu Palin, libertando-se do abraço de Tas.

— Tio! — chamou. — E o Portal? De acordo com as leis da magia, não podemos...

— Leis — repetiu Raistlin, em tom suave e absorto. Olhando para o horizonte distante, para o cinzento pálido do céu infindável, acrescentou:

— Sobrinho, todas as leis se encontram suspensas, todas as regras foram quebradas. Pode atravessar o Portal à vontade. Ninguém te impedirá. Ninguém.

Leis suspensas. Regras quebradas. Que palavras mais estranhas. Contudo, Palin tinha diante dos olhos a prova disso — ou algo parecido. Podia entrar no Portal sem que o estorvassem. A Rainha das Trevas não iria tentar impedi-lo. Não corria perigo.

— Engana-se, sobrinho — disse Raistlin, respondendo aos pensamentos de Palin.— Corre um grande perigo, você e todos os outros mortais de Krynn. Venha até mim, para que te explique. — Os olhos em forma de ampulheta estreitaram-se. — A menos que tenha medo...

Palin sentia receio. Havia motivos de sobra para isso. Mas, respondeu serenamente:

— Tio, cheguei até tão longe, não voltarei para trás.

— Bem dito, sobrinho. Folgo constatar que não perdi tempo investindo em você. Quando chegar aqui, procure-me.

Palin inspirou fundo, agarrou o bastão com uma das mãos e Tasslehoff com a outra.

Juntos, foram se postar diante das cabeças dos cinco dragões.

Estes não se mexeram, não falaram, não viram, não ouviram.

O Portal não foi quebrado, disse Palin para consigo, em tom suave, está... morto!

Tas e Palin cruzaram o Portal que dava para o Abismo com a mesma naturalidade que teriam se passassem pela porta da cozinha de Tika.

7

O abismo.

A busca.

Uma assembléia imortal

Permaneceram ali, envoltos em cinzento: solo cinzento, céu cinzento. Não havia sinais de vida, nem sequer de vida amaldiçoada. Tampouco vislumbraram Raistlin.

— Tio! — Palin começou a gritar.

— Chiu! Cale-se! Não faça isso! — exclamou Tas, agarrando-se a Palin e quase o derrubando. — Não diga uma palavra. Nem pense!

— O quê? Porque não? — inquiriu Palin.

— Por estas bandas, as coisas acontecem de um modo muito estranho — murmurou Tas, relanceando furtivamente o olhar em volta. — Quando estive aqui, pensei como seria bom ver uma árvore. E apareceu uma, tal e qual. Só que não era uma árvore verde e frondosa, mas uma árvore morta. E depois, pensei no Flint, porque, de acordo com o Fizban, deveria encontrar-me com o Flint debaixo de uma árvore no Além. Então, apareceu um duende, só que não era o Flint, mas um duende maligno chamado Arack, que se aproximou de mim com uma faca e...

— Compreendo — interrompeu-o Palin, com voz suave. — O que desejamos, recebemos, só que não conforme queremos. Acha então que Raistlin... não passou de uma ilusão?

— Parecia horrivelmente real, não parecia? — disse Tas, depois de um instante de reflexão. — Aquela treta misteriosa a respeito de leis suspensas e regras quebradas... é bem do Raistlin. E a maneira como nos disse para nos encontrarmos com ele aqui e depois desapareceu antes de chegarmos. Também é bem dele.

— Mas, disse para nos apressarmos... — Palin ponderou o assunto. — Leis suspensas... Regras quebradas... Quando chegar aqui, procure-me... Tas — acrescentou, inspirado por uma idéia súbita —, como se viaja por este lugar? Não andamos, não é?

— Bom, poder podemos, mas o cenário nada tem de especial, para não citar que desconhecemos para onde vamos... Sabemos para onde vamos?

Palin abanou a cabeça.

— Então, não o aconselho — respondeu Tas. — Lembro-me, da última vez que estive aqui, daquele tipo macabro, com uma barba que lhe irrompia do crânio e que exalava um fedor que parecia um piquenique de duendes dos esgotos, só que pior. Foi quem me encontrou e me levou à Rainha das Trevas. Não foi simpática — acrescentou Tas, em tom severo. — Disse-me...

— Como conseguiu fazer para se encontrar com a Rainha? — interrompeu-o Palin e mantendo as rédeas da conversa bem curtas, pois bem sabia que, se as soltasse, o kender se dispersaria pela meia dúzia de estradas coloquiais secundárias.

Pensativo, Tas franziu o cenho.

— Bom, não foi de carruagem — respondeu. — Senão me lembraria. Acho... Sim. O tipo horripilante pôs a mão... se bem me recordo, era mais uma garra do que uma mão... em volta de um medalhão que usava ao pescoço e, num minuto, estávamos num lugar qualquer e no seguinte, estávamos noutro lugar qualquer.

— Tem certeza que usava um medalhão? — perguntou Palin, desapontado.

— Absoluta. Lembro-me porque era um medalhão com um aspecto muito interessante... tinha um dragão de cinco cabeças... e eu gostaria de tomá-lo emprestado por uns minutinhos, só para examiná-lo melhor, e...

— O bastão — disse Palin.

— Não. Era um medalhão. Tenho certeza. Eu...

— Quero dizer que poderíamos ser capazes de usar o bastão para encontrar o meu tio. Anda, segure minha mão — disse Palin, agarrando o bastão com mais força.

— Magia? — perguntou Tas, ansioso. — Adoro magia! Lembro-me que uma vez o Raistlin usou a magia e enfiou-me num lago de patos. Foi...