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Palin não prestou atenção. Fechando os olhos, apertou o bastão e sentiu na mão a calidez da madeira macia. Pensou no tio, visualizou-o como o vira e a voz dele, bem nítida, chegou-lhe aos ouvidos.

Apresse-se! Venha até mim...

— Oh! — exclamou Tas, com um arquejo. — Palin! Olha! Funcionou! Estamos nos movendo!

Sob os pés, sentiu deslizar a paisagem cinzenta e imutável. O céu começou a girar em volta deles, a rodopiar em volta deles, cada vez mais depressa, até Palin sentir-se enjoado e tonto.

O cinzento rodopiante envolvia-o, girava à sua volta. O chão fugiu-lhe debaixo dos pés, mas o cinzento manteve-o sob o seu abraço, não o largou.

E rodopiaram... rodopiaram... rodopiaram...

E rodopiaram... rodopiaram... rodopiaram...

O fuso girava, exaurindo-o dos sentidos, da consciência, e ia fiando numa grande roda que girava, girava... e girava... e o fio era cada vez mais tênue e...

Snape.

Palin não conseguia respirar. Uma mão apertava-lhe a boca. Estrebuchou, tentou erguer as mãos para se libertar do abraço sufocante...

— Chiu! — ciciou uma voz. — Nem uma palavra! Nem um som! Não deveríamos nos encontrar aqui.

Palin abriu os olhos e deparou com uns olhos dourados, em forma de ampulheta. A mão que lhe tapava a boca era magra e ossuda, e os dedos, compridos e delicados. A pele tinha laivos dourados. Era o tio, a mão do tio que o segurava.

Palin aquiesceu, a indicar que compreendia. Raistlin afrouxou o abraço e Palin inspirou fundo.

Sentiu uma coisa a retorcer-se ao seu lado. Tasslehoff.

O kender disse algo, mas Palin não conseguiu ouvi-lo. Sabia que Tas estava falando, pois via-lhe a boca se mexendo, mas não emitia palavras.

Parecendo extremamente desorientado, Tasslehoff apalpou a garganta e voltou a falar. Nada.

Pousando a mão em concha no ouvido, Tasslehoff tentou de novo. Nenhum som saiu.

Em desespero, o kender colocou a língua de fora, quase entortando os olhos na tentativa de verificar o que esta tinha de errado.

Aproximando-se de Palin, Raistlin disse-lhe em voz suave:

— O encantamento não é permanente. Não o perca de vista.

Palin aquiesceu de novo, embora sem deixar de se interrogar porque motivo Raistlin trouxera o kender consigo. Preparava-se para perguntar quando Raistlin, dardejando-o com um olhar carrancudo, o forçou ao silêncio.

Palin, Raistlin e Tas encontravam-se escondidos nas densas sombras, por trás de uma coluna enorme de mármore, de um branco reluzente, com estrias pretas e encarnadas. Junto de Palin erguia-se outra coluna de mármore preto, com estrias encarnadas e brancas. E, para lá da mesma, via-se uma terceira coluna de mármore vermelho, com arabescos pretos e brancos. Debaixo dos pés não havia assoalho nem solo, apenas escuridão.

Palin soltou um leve arquejo. Sentiu uma mão forte apertar a sua e dedos esguios enterraram-se dolorosamente no braço.

Raistlin não disse palavra. Estas tornavam-se supérfluas. Palin fechou a boca, determinado a não emitir mais nenhum som. Segurou Tas com força, pois este começava a rastejar para longe. Juntos, olharam para baixo.

Avistaram um grupo de pessoas, que permaneciam num círculo. Sob os pés destas, havia um chão de mármore. No centro do mesmo, via-se um círculo negro de nada. Do círculo irradiavam faixas de cores alternadas: brancas, pretas, vermelhas. As pessoas — homens e mulheres — encontravam-se à beira do círculo, cada uma na cor que lhe pertencia. Falavam e discutiam.

Estupefato, Palin olhou de relance para Raistlin.

O arquimago inclinou a cabeça encapuzada na direção das pessoas e levou a mão à orelha.

Palin escutou com atenção e, quando se apercebeu da importância da conversa, da amplitude do que diziam, ficou sem fala. Mesmo que quisesse, não conseguiria produzir um som. Ouviu e observou com ávida atenção, enquanto sentia a alma estremecer. Até Tas sossegara, finalmente, tão intimidado se sentia.

As pessoas que espiavam, eram os deuses de Krynn.

— A culpa é toda de Hiddukel! — Chislev, uma deusa vestindo roupa verde de seda fiada, com folhas e flores entrelaçadas no cabelo castanho, apontou um dedo acusador contra um deus entrançado que se encontrava numa faixa preta. — Enganou-me, e ao duende. Não é verdade, Reorx?

O duende, cuja roupagem fina era das mais inadequadas, segurou o chapéu de plumas nas mãos. Via-se que se sentia mortificado, mas a cólera ensombrava-lhe os olhos.

— Chislev fala a verdade. Fui eu quem forjou a maldita pedra... por insistência dela, devo acrescentar. Contudo, foi Hiddukel quem preparou toda esta tramóia.

O deus — um deus grandalhão e rotundo, com modos insinuantes — sorriu, com ar distante e aparentou indiferença. Os seus olhinhos semicerrados fitavam de relance e com nervosismo uma linda mulher de rosto e olhos frios, que vestia uma reluzente armadura negra e se encontrava na parte superior do círculo.

— Então, Hiddukel? — A voz de Takhisis parecia a encarnação das trevas. — Que tem a dizer em tua defesa?

— O que eu fiz foi perfeitamente legítimo, minha rainha — replicou Hiddukel, com modos untuosos e mansos. — Todos conhecemos a história da Pedra Preciosa Cinzenta. É desnecessário repeti-la aqui. Não passou de uma conspiraçãozinha inofensiva para aumentar ainda mais a glória de Sua Majestade.

— E fazê-la reverter a teu favor?

— Acautelei os meus interesses — choramingou Hiddukel, esquivando-se à ira de Takhisis. — Que mal há? Se há pessoas — disse, virando o rosto untuoso para Chislev — tão ingênuas a ponto de caírem nela, o problema é delas, não é verdade? E se algumas — Hiddukel olhou com ar depreciativo para o duende — são tão estúpidas a ponto de tentar capturar o Caos...

— Foi um acidente! — rugiu Reorx. — Tencionava agarrar apenas uma parte do Caos... um pedacinho de nada. Senhor, tem que acreditar em mim!

Humilde, o duende virou-se para um deus alto, de rosto soturno, que usava uma armadura prateada e ocupava uma faixa branca próxima de Takhisis.

— Não tencionava capturá-lo — acrescentou Reorx, com voz mortificada.

— Estou ciente disso — respondeu Paladino. — Somos todos culpados.

— Uns mais do que outros. Foi necessária uma magia poderosa para conter o Caos — grunhiu Sargonnas, um deus alto e dotado de chifres que se encontrava perto de Taskhisis. — Parece-me que os responsáveis são os nossos filhos rebeldes.

Os três deuses da magia aproximaram-se uns dos outros.

— A culpa não foi minha — afirmou Lunitari.

— Não sabíamos nada a respeito disso — replicou Nuitar.

— Ninguém nos consultou — protestou Solinari.

Reorx resmungou:

— Foi a Lunitari quem perdeu a Pedra Preciosa Cinzenta!

— E foi o teu duende minorca e porcalhão quem a roubou! — replicou Lunitari.

— Se ao menos alguém me tivesse perguntado! — queixou-se Zivilyn — Eu poderia perscrutar o futuro e avisá-los...

— Quando? — inquiriu Morgion, com voz sarcástica. — Daqui a seis ou sete milênios? Era o tempo que levaria para se decidir sobre que futuro seria.

Os deuses de categoria inferior começaram a discutir em voz estridente, culpando-se uns aos outros. Em cada voz e rosto eram patentes o cansaço e o medo. As quesilas e as acusações arrastaram-se por tempos intermináveis. A pedido dos vários deuses, Gileano leu longas passagens que retirou do seu livro, procurando atribuir ou isentar culpas. Reorx proferiu um discurso inflamado em defesa da sua própria pessoa. Hiddukel também o secundou, falando muito e quase nada dizendo. Sargonnas atribuiu todas as culpas às raças fracas, insignificantes e lamurientas dos Humanos, Elfos e Ogros, afirmando que, se ao menos tivessem o bom senso de se tornar servos dos Minotauros, tal calamidade não teria ocorrido. Zivilyn replicou apresentando inúmeras versões do futuro e do passado que, sem nada resolver, só serviram para confundir a questão.