from Paisagens com figuras / Landscapes with Figures 1956
Pregão turístico do Recife
Aqui o mar é uma montanha
regular redonda e azul,
mais alta que os arrecifes
e os mangues rasos ao sul.
Do mar podeis extrair,
do mar deste litoral,
um fio de luz precisa,
matemática ou metal.
Na cidade propriamente
velhos sobrados esguios
apertam ombros calcários
de cada lado de um rio.
Com os sobrados podeis
aprender lição madura:
um certo equilíbrio leve,
na escrita, da arquitetura.
E neste rio indigente,
sangue-lama que circula
entre cimento e esclerose
com sua marcha quase nula,
e na gente que se estagna
nas mucosas deste rio,
morrendo de apodrecer
vidas inteiras a fio,
podeis aprender que o homem
é sempre a melhor medida.
Mais: que a medida do homem
não é a morte mas a vida.
Tourist Pitch for Recife
Here the sea is a mountain
smooth and blue and round,
taller than the coral reefs
and shallow swamps to the south.
From the sea you can extract
(from the sea that laps our coast)
a thread of precise light,
mathematical or metallic.
In the city itself
old lanky row houses
rub their limestone shoulders
on both sides of a river.
From these houses you can learn
a lesson of long experience:
a delicate equilibrium
in writing, as in architecture.
And from this indigent river,
this blood-mud that meanders
with its almost static march
through sclerosis and cement,
and from the people who stagnate
in the river’s mucous membranes,
entire lives rotting
one by one to death,
you can learn that man
is always the best measure,
and that the measure of man
is not death but life.
O vento no canavial
Não se vê no canavial
nenhuma planta com nome,
nenhuma planta maria,
planta com nome de homem.
É anônimo o canavial,
sem feições, como a campina;
é como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.
É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha;
penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.
Contudo há no canavial
oculta fisionomia:
como em pulso de relógio
há possível melodia,
ou como de um avião
a paisagem se organiza,
ou há finos desenhos nas
pedras da praça vazia.
Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,
se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.
Não lembra o canavial
então, as praças vazias:
não tem, como têm as pedras,
disciplina de milícias.
É solta sua simetria:
como a das ondas na areia
ou as ondas da multidão
lutando na praça cheia.
Então, é da praça cheia
que o canavial é a imagem:
vêem-se as mesmas correntes
que se fazem e desfazem,
voragens que se desatam,
redemoinhos iguais,
estrelas iguais àquelas
que o povo na praça faz.
The Wind in the Canefield
There is in the canefield
no plant with a name,
no plant called Maria,
no plant with a man’s name.
The canefield is anonymous,
plain-faced like the prairie,
like an ocean without ships,
a blank sheet of paper.
It is like a large bedsheet
without folds or hems,
a girl’s downy skin in the sun,
clothes spread out to dry.
Yet hidden in the canefield
there is a physiognomy,
as in a watch’s ticking
there is a potential melody,
as from a plane the landscape
reveals an organization,
as the stones of an empty square
delineate graceful patterns.
When wind blows in the canefield
spread out under the sun,
its inanimate fabric
becomes a sensitive bedsheet:
it changes into a living
flag of green on green,
with green stars born
and lost in the greenness.
Then the canefield no longer
resembles an empty square:
it does not have, like the stones,
the discipline of armies.
Its symmetry is jagged,
like that of waves on sand
or of the waves of people
vying in the crowded square.
Yes, the crowded square
is what the canefield mirrors,
with the same kinds of currents
arising and subsiding,
the same eddies and whirlpools
that can break out anywhere,
the same stars as those formed
by the people in the square.
Cemitério pernambucano
(
Toritama
)
Para que todo este muro?
Por que isolar estas tumbas
do outro ossário mais geral
que é a paisagem defunta?
A morte nesta região
gera dos mesmos cadáveres?
Já não os gera de caliça?
Terão alguma umidade?
Para que a alta defesa,
alta quase para os pássaros,
e as grades de tanto ferro,
tanto ferro nos cadeados?
— Deve ser a sementeira
o defendido hectare,
onde se guardam as cinzas
para o tempo de semear.