— Você precisa ser rápido! — gritou Mandred, com a voz retumbante. — Está ouvindo? Você precisa ser rápido, senão tudo estará perdido!
Nuramon quase interrompeu o feitiço para ver o que levara o jarl a dizer essas palavras. Mas se manteve firme, apertando os dentes.
Suas mãos estavam presas entre a brasa e o gelo. Não podia parar. Então aproximou mais a pedra da estrela dos albos.
— Está indo bem! — gritou Mandred. — Está ficando mais lento! Está indo bem!
Ao ouvir essas palavras, Nuramon entendeu que estava combatendo não só uma barreira, mas também o feitiço que criava a imagem de Firnstayn. As chamas que cercavam a trilha até o disco de prata brilhavam mais claras que as que rodeavam as demais.
Ao segurar a pedra dos albos diretamente sobre as chamas, Nuramon começou a tremer. Perdeu o domínio sobre a magia.
— Por todos os albos! — ouviu Farodin gritar. — Rápido, Nuramon! Rápido!
Nuramon sentiu tudo ficar cada vez mais frio. Suas mãos pareciam congelar. Para ele, era como se gelo corroesse suas veias. Há muito a pedra já não era mais uma fonte de frio, mas um mar onde Nuramon ameaçava se afogar. O poder da pedra ameaçava vencê-lo.
— Você precisa conseguir, Nuramon! — gritou Farodin. — É agora ou nunca!
A dor de mil agulhas cravou-se nele. Ele se ouviu gritar, e então perdeu o equilíbrio. Pôde apenas sentir algo quente o agarrar e arrastar.
Ruínas
A garoa gelada afagava o rosto de Mandred. Estava com tontura e apoiou-se na muralha desgastada. Ali, onde deveria estar a bela abóboda cruzada, não havia mais nada além do céu cinzento. O mosteiro por onde atravessaram para o Mundo Partido jazia em ruínas. Os dedos de Mandred enterraram-se em uma fenda no muro. A argamassa marrom-clara esmigalhava-se ao mais leve toque. Aquele mosteiro já estava abandonado havia muito tempo, tanto fazia o que Farodin dissesse.
O jarl olhou para Nuramon. Seu companheiro estava de cócoras na frente do nicho onde o cadáver de Liodred jazia amortalhado. O elfo estava diferente. De um instante para outro, ganhara uma mecha de cabelos brancos. Era como se tivesse envelhecido vários anos. Os traços de seu rosto pareciam menos suaves que antes. Mas essa mudança não era o pior. Nuramon balançava-se sobre os artelhos, fazendo um zumbido baixo e encarando com olhar vazio um monte de entulho perto da parede à sua frente. Suas mãos ainda seguravam com força a pedra alba dourada. A pedido de Farodin, Mandred já havia tentado pegá-la duas vezes. Mas Nuramon a segurava tão forte que teria sido necessário quebrar os dedos do elfo para arrancá-la dele. Desde que fizera o feitiço, Nuramon já não estava mais no domínio de si. Às vezes parecia não reconhecê-los. Mandred se perguntava se o elfo talvez pudesse estar possuído.
Um arco dourado de luz cresceu entre as ruínas. Farodin deu um riso esgotado.
— Eles não destruíram os portais daqui. Não é como nos templos das torres.
Mandred lutou contra um novo acesso de náuseas. Uma dor surda latejava em sua testa. Lembrou-se das imagens que vira no espelho de prata.
— O portal é seguro? — perguntou desconfiado. — Não podemos dar nenhum salto no tempo. Você sabe que...
Farodin interrompeu-o com um gesto brusco.
— Certeza nunca se pode ter. Esqueça o que você viu no espelho. Foi o enganador! Ele queria semear o medo em seu coração, e parece que conseguiu.
— Mas parecia tão verdadeiro — retorquiu Mandred.
Farodin não respondeu. Andou até Nuramon, tentou convencê-lo em voz baixa e ajudou-o a se levantar.
— Nós vamos para casa? — Mandred ouviu a voz trêmula do elfo perguntar.
Os longos cabelos de Farodin estavam desgrenhados por causa da chuva. Tirou-os do rosto e amparou Nuramon.
— Sim, nós estamos voltando. Só falta mais um pequeno trecho de caminho. Emerelle está esperando por nós.
Mandred seria capaz de dar uivos de raiva. O que raios havia acontecido com seu amigo? O que o feitiço tinha feito com ele? Lembrou-se mais uma vez das imagens no espelho. Tomara que Farodin tivesse mesmo razão, que tudo aquilo tivesse sido só uma ilusão!
— Apresse-se! — gritou o elfo.
Mandred apanhou o rei morto e pousou a cabeça dele sobre seu ombro, como se carregasse uma criança adormecida. Com todo aquele peso, quase caiu de joelhos. Só mais alguns passos, Mandred encorajou a si próprio. Aos tropeços, aproximou-se do portal. Olhou desconfiado ao redor uma última vez. O que tinha acontecido ali? Por que aquele mosteiro estava destruído? Não deveria ser o mais importante de todos os mosteiros dos sacerdotes de Tjured?
Farodin e Nuramon desapareceram para dentro da luz dourada, e Mandred se apressou em segui-los. O caminho pelo vazio não havia mudado. Seguiram uma trilha dourada totalmente em silêncio, só perturbado pelo sibilar da sua respiração.
Uma borda do peitoral da armadura de Liodred cortou dolorosamente o ombro de Mandred. Quase tropeçou e caiu. O jarl mantinha os olhos fixos na trilha luminosa. Sem desviar!
A passagem aconteceu de repente. Um vento gelado agarrou as finas tranças de Mandred. Perplexo, observou as mudanças. A imagem no espelho de prata não havia sido uma ilusão.
— Abaixe-se! — sussurrou Farodin, puxando a capa do fiordlandês. Esgotado, Mandred caiu de joelhos.
Pelos deuses! O que acontecera ali? Onde estava a sua pátria? Ventos violentos sopravam. Eles se agacharam atrás de um monte de neve, perto da margem do fiorde. Uma grande couraça de gelo cobria a água.
Diante deles estava Firnstayn. O tamanho da cidade se multiplicara muitas vezes, da forma como tinham visto no refúgio do devanthar. Muros de fortificação de pedra escura chegavam até bem perto da estrela alba que Emerelle certo dia criara a pouco mais de um quilômetro da cidade. Brechas largas haviam sido esculpidas nas paredes.
Mais monstruosa era a mudança bem na frente de seus olhos. Alguma coisa crescia da estrela que haviam atravessado. Mandred não encontrava palavras adequadas para descrever. Era algo que não podia existir! Atravessado por cima do fiorde, até lá em cima, no círculo de pedras, algo crescia... Uma transformação. A visão o lembrava do que vira na biblioteca de Iskendria. Ali, certa vez chegara a uma sala cujas paredes eram adornadas com quadros maravilhosos. Uma das paredes, contudo, estava danificada: o reboco estava fendido e descascado em alguns lugares. Assim era possível reconhecer um segundo quadro sob o primeiro, pintado com cores brilhantes, e que não era menos bonito que a nova pintura na parede. Mandred não conseguira entender por que o haviam escondido sob o reboco.
Ali era parecido. Alguma coisa estava descascada ou fendida. Atrás do fiorde que Mandred conhecia desde a infância, algo diferente aparecia. O ar entre as duas imagens que se sobrepunham brilhava, parecendo derreter — como às vezes ocorria em dias muito quentes de verão. Todavia, o quadro que viam do outro lado da rachadura não era nítido. Ainda assim, Mandred reconheceu à primeira vista o que viu. Era a paisagem onde despertara após sua fuga do homem-javali. Via as campinas floridas de primavera da Terra dos Albos. Ali, na outra margem do fiorde, agora parecia estar a torre de observação caída. E, não muito longe dali, os imensos galhos de Atta Aikhjarto esticavam-se em direção ao céu. Mas havia algo de errado com o velho carvalho. Ao contrário das outras árvores que estavam mais distantes, ele não tinha nenhuma folha! Mandred espremeu os olhos para enxergar melhor. A silhueta do enorme carvalho sobressaía escura na frente do céu. Havia algo pequeno e branco ao seu lado, mas não conseguia reconhecer. Por fim, voltou-se para Farodin, que não parecia menos perturbado, enquanto Nuramon simplesmente olhava naquela direção, sentado sobre a neve.