— O que há com Atta Aikhjarto? — perguntou. — Por que não tem nada verde?
— Árvores mortas não têm folhas.
A resposta o atingiu como um soco no estômago. Não podia ser verdade! Como era possível matar uma árvore dotada de alma? Ele era mágico e inimaginavelmente velho.
— Você está enganado!
— Eu queria estar — respondeu Farodin, aflito. — Devem ter acendido fogo ao redor dele. Talvez tenham até usado o fogo de Balbar de Iskendria. O tronco de Aikhjarto está carbonizado. Todos os ramos menores estão totalmente queimados. Eles devem tê-lo tornado um símbolo da guerra contra a Terra dos Albos. Uma bandeira deles está fincada a seu lado. Você a conhece. A que mostra o carvalho queimado!
— Mas como ele pôde…
— Como uma árvore poderia sair correndo? — interrompeu Farodin irritado. Então acrescentou em tom conciliador: — E mesmo que Atta Aikhjarto tivesse pernas, seu velho coração de carvalho jamais fugiria de um inimigo.
Mandred não disse mais nada. Foi inevitável lembrar-se do juramento que fizera a Aikhjarto no dia em que despertou na Terra dos Albos. Ele jurara que o seu machado se colocaria entre o carvalho e seus inimigos. O fato de não ter podido ajudar seu amigo tornava o seu luto ainda mais desesperador.
Ele desviou o olhar e observou Firnstayn. Em algumas das torres, tremulavam bandeiras da igreja de Tjured. Bairros inteiros da cidade estavam destruídos pelo fogo. Ao longo dos cais, havia navios semiafundados no gelo. No próprio fiorde, mastros também se erguiam em alguns lugares, atravessando a grossa camada de gelo. Quantas pessoas deviam ter vivido na cidade? E onde elas estavam agora? Teriam os cavaleiros da ordem matado todas? Mandred lembrou-se da noite na Iskendria sitiada. Será que ali também teriam havido batalhas igualmente atrozes?
— Abaixe-se mais! — murmurou Farodin.
Do sul, três cavaleiros percorriam o gelo. Eram a guarda avançada de uma grande coluna de trenós puxados por cavalos. Os cavaleiros galopavam em direção à cidade. De uma das torres soou uma corneta de alerta.
Os três passaram trotando a menos de vinte passos de distância da margem. Suas armaduras pareciam estranhas para Mandred. Eram negras e as placas de metal, presas umas às outras, eram como as da armadura de Liodred. Pesadas luvas revestidas protegiam suas mãos do frio. Os cavaleiros usavam botas até o joelho e longas capas brancas com o brasão da árvore negra. Elmos com longos protetores de face verticais e uma crista metálica de atravessado coroavam suas cabeças. Um largo cinto de armas cruzava transversalmente o peitoral de suas armaduras, onde ficava pendurada uma espada extraordinariamente fina. Na frente da sela ficavam presas duas estranhas bolsas de couro. Dentro delas pareciam se esconder clavas curtas.
Diante das narinas dos cavalos formavam-se nuvens brancas de respiração; pareciam esgotados. Os rostos dos cavaleiros estavam vermelhos de frio. Mandred perguntou-se quanto tempo ele e seus companheiros teriam passado na sala do tesouro do devanthar. Esses cavaleiros... Eles pareciam muito diferentes dos cavaleiros da ordem que ele enfrentara na batalha marítima. Também não levavam escudos consigo. Olhou para Firnstayn destruída. Quantos séculos teriam sido necessários para que a cidade crescesse tanto assim? Para essa pergunta ele não encontrou resposta.
Um dos três cavaleiros deu uma guinada e afastou-se da tropa, dirigindo-se diretamente para a fenda. Tenso, Mandred prendeu a respiração. Então montaria e cavaleiro simplesmente passaram para o outro lado. Ficaram desaparecidos pelo tempo de duas ou três batidas de coração. Em seguida, o cavaleiro surgiu no amplo campo verde, passou pela torre de observação tombada e seguiu pelo caminho da floresta. Pouco depois, os outros dois cavaleiros subiram uma rampa para um píer do porto e desapareceram nas vielas da cidade.
Mandred virou-se e olhou para trás. Os trenós agora já estavam bem mais perto. Cavaleiros equipados como os três homens da frente protegiam as laterais da coluna. Os trenós estavam carregados até o alto com provisões. O posto de observação dos três companheiros na praia ficava em uma altura baixa demais para que tivessem um bom panorama. Mandred não conseguia estimar quantos trenós compunham a caravana. Certamente não eram menos de cem. Ele olhou de volta para a cidade. Apesar da tarde escura de inverno, a luz só brilhava em algumas poucas janelas. Quem construía casas de pedra como aquelas não passava necessidades. Será que só brilhavam luzes nas casas que sacerdotes, oficiais e soldados haviam ocupado, por isso mesmo poupadas das chamas?
— Precisamos sair daqui — sussurrou Farodin, apontando para o tronco despedaçado de um pinheiro que subia pela neve até um pouco acima da inclinação da margem. As últimas tempestades de outono deviam ter arrancado a árvore e a levado até lá. Rastejaram cuidadosamente até ela. Mandred estava fraco demais para puxar o corpo de Liodred consigo. De coração pesado, deixou-o para trás. E eram só alguns passos, afinal.
— Você está sentindo esse cheiro? — perguntou Farodin ao se agacharem atrás do tronco.
Mandred sentia o cheiro da neve. No ar também pairava o aroma de lareira e de sopa de couve. Não conseguia ver nada de especial nisso. Baixou os olhos para o gelo e perguntou-se o que estaria sendo transportado nos trenós. O que ele daria agora por alguns ovos e tiras de toucinho frito! Embaixo, nos barris, com certeza eles também tinham hidromel. Mandred suspirou baixo. Um chifre de hidromel... Então lembrou-se da promessa que fizera a Luth durante a batalha marítima. Sorriu. Não quebraria a jura, mas gostaria de beber mesmo assim!
— Está cheirando a enxofre — disse Farodin por fim, já que não obtivera resposta. — Era esse o cheiro do devanthar. Agora, o mundo inteiro tem o cheiro dele.
— Mas você me contou como o derrotou, Farodin. Depois do golpe fatal, a lâmina da espada enegreceu e se quebrou. — Mandred apontou para a bainha vazia no cinto do elfo. — Isso matou mesmo o devanthar, não é?
— É o que esperamos.
— Estou com frio — disse Nuramon em voz baixa. Seus lábios estavam azuis e tremiam. — Por que não vamos para o gramado ali do outro lado? Lá é primavera.
— Não há abrigo no gelo — Farodin falava com ele como falaria com uma criança. — Aqueles humanos lá atrás nos querem mal. E eles encontraram um caminho para a Terra dos Albos. Nós vamos chegar à nossa casa de outra maneira. Vamos usar a estrela alba pela qual viemos para cá. Ela está diferente. Nela agora há uma nova trilha que foi criada há não muito tempo, e tem o mesmo padrão mágico das outras. Emerelle deve tê-la traçado com sua pedra alba. Acho que estava nos esperando. Ela sabia que viríamos para cá. O caminho é um sinal para nós. Ele vai nos colocar em segurança!
Ficou escuro sobre o fiorde. Do oeste, nuvens de tempestade arrastavam-se sobre as montanhas. O céu da Terra dos Albos, por sua vez, ainda brilhava azul-claro.
Vindo do porto, soou o toque de flautas e tambores. Enquanto os trenós subiam por uma rampa junto às pontes de desembarque, surgiu uma coluna de soldados em marcha entre os navios. Todos vestiam armaduras de peito e elmos altos. Suas calças e as mangas de seus casacos eram estranhamente afofadas. Ainda mais esquisitas eram as suas armas. Todos eles carregavam lanças que deviam ter mais de seis passos de comprimento.
Os guerreiros marchavam em uma coluna fechada. Oito flautistas formavam a primeira fila. Oito tamboreiros os seguiam. Oficiais a cavalo acompanhavam a unidade. Conduziam-na diretamente para a fenda entre os mundos.
Mandred contou em silêncio as fileiras de soldados em marcha. Quase mil homens estavam indo para a Terra dos Albos, seguidos de carroças de rodas altas e de animais de carga.
— Eles ficaram loucos — disse Mandred, enquanto a fileira em marcha fazia a curva no caminho ao lado da ruína da torre. — Com essas lanças longas eles vão atrapalhar a si mesmos durante a luta.
— Se você está dizendo — murmurou Farodin, curvando-se um pouco mais atrás do tronco da árvore.