Um vento fresco soprava sobre o fiorde, e junto com as nuvens do oeste veio a neve. Eles se agacharam em seu abrigo e esperaram até anoitecer.
Totalmente congelados de frio, eles retornaram para a estrela alba junto à praia. Liodred havia desaparecido sob uma fina mortalha de neve. Mandred ajoelhou-se perto do rei morto. Ao menos ele tinha sido poupado de ver Firnstayn queimada e ocupada por inimigos.
O jarl olhou para Farodin. Torcia para que não dessem nenhum salto no tempo. Esses malditos portais! Tudo tinha ficado fora de equilíbrio! Um exército que invadia a Terra dos Albos. Monstruoso! Até onde eles já teriam avançado? Quem venceria essa luta?
Um arco de luz vermelha e dourada cresceu por cima da neve.
— Rápido! — gritou Farodin, empurrando Nuramon à sua frente para dentro do portal.
Na muralha da cidade soou uma corneta de alerta. Mandred agarrou o rei morto pelo cinto e puxou-o pela neve. Liodred deveria ter encontrado sua última morada no túmulo sob o carvalho de sua própria cidade, pensou amargamente o jarl. Lá eram sepultados, havia séculos, os mortos da família real. Assim, ao menos na sepultura, Liodred teria voltado para o lado de sua esposa e de seu filho.
Mandred mergulhou na luz. Dessa vez só seria necessário um único passo para ser recebido na Terra dos Albos por um aroma fresco de verde. Eles saíram do portal em uma clareira úmida de orvalho. Sombras erguiam-se ao longo da borda da floresta. O ar estava tomado pelo aroma de flores que, por sua vez, incentivava o coro do gorjeio de pássaros.
Sob um pinheiro, um jovem elfo surgiu. Também carregava no quadril uma daquelas estranhas espadas finas que chamaram a atenção de Mandred nos cavaleiros junto ao fiorde. O jarl olhou para trás. O portal atrás deles tinha se fechado. Há pouco era noite, e agora estavam em plena manhã! Mandred praguejou em pensamento. Havia acontecido de novo! Tinham dado novamente um salto no tempo!
— Quem adentra o coração da Terra dos Albos? — gritou o elfo para eles.
— Farodin, Nuramon e Mandred Aikhjarto. Na corte da rainha nossos nomes são conhecidos, e também é para onde queremos ir — respondeu Farodin seguro de si.
A grande aliança
Eles caminhavam pela grama e aproximavam-se lentamente do acampamento militar na frente da colina do castelo da rainha. Lá estavam montadas centenas de barracas. Ao lado de cada uma delas tremulava uma bandeira de seda no vento da manhã. Cavaleiros e soldados estavam agrupados ali próximo e, entre as barracas, inúmeros filhos de albos ocupavam-se de suas tarefas.
Tudo o que Nuramon via nesse lugar o confundia da mesma maneira que tudo o que ele vira no caminho até ali. Seus companheiros tinham muita paciência com ele. Ainda assim, as palavras deles eram tão distantes...
Algo acontecera com ele durante o feitiço no átrio do devanthar; algo que se notava só de olhar. Ele observou seu reflexo em um lago e viu que uma mecha de seu cabelo havia se tornado branca. Ele parecia mais velho, mas esse era um preço baixo a pagar pela liberdade.
Logo eles chegaram ao início do acampamento. Nuramon sentia-se estranho ali, como se não fosse um guerreiro e nunca tivesse participado de uma batalha. Mas a batalha marítima, as inúmeras lutas ao lado dos firnstaynenses e outros combates muito anteriores haviam acontecido, ou teriam sido somente um sonho?
Nuramon olhou em volta e esperou reconhecer algum dos guerreiros ali. A maioria era desconhecida dele. De fato, tinha a sensação de já ter visto alguns dos rostos antes, mas eles lembravam-lhe mais personagens de sonhos do que filhos de albos.
Passaram por centauros e, para Nuramon, foi como se um dia tivesse salvo a vida de um como eles. Ou havia tentado e fracassado? Não tinha certeza. Os centauros saudaram Mandred com reconhecimento, curvando-se diante dele.
Quanto mais penetravam no acampamento, mais insistentes eram os olhares dos guerreiros. Eles os encaravam como se Nuramon e os companheiros fossem albos em carne e osso. Seus nomes eram sussurrados, alguns até os gritavam. Espalhava-se a perplexidade nos rostos dos guerreiros.
Nuramon sentia-se no lugar errado. Ainda não vira ninguém que conhecia. Ou simplesmente não se lembrava de ninguém? Talvez o feitiço nas salas do devanthar tivesse lhe roubado parte da memória. Ou será que haviam estado longe tanto tempo que muitos dos elfos que ele conhecia já tinham partido para o luar há tempos?
Os guerreiros os cercavam e falavam com eles, mas Nuramon não os escutava. Não sabia se aquilo ao seu redor era sonho ou realidade. Agora, contudo, sua mente começava a clarear. De repente, lembrou-se da busca por Noroelle. Os pensamentos em sua amada o ajudavam a ordenar um pouco a memória.
Ao avistar uma galhada de cervos sobre as cabeças dos guerreiros, Nuramon ficou mais atento ao que o cercava. O dono dela podia ser alguém que ele conhecia. Quando ele saiu da multidão e se aproximou deles, soube que não estava enganado.
— Xern! — gritou Mandred.
— Sim, senhor Mandred Aikhjarto! Diante de você está mestre Xern, que sempre acreditou que você voltaria.
A lembrança de Nuramon retornou. Mestre Xern! Então Xern havia sucedido Alvias, o mestre da corte. Sua galhada parecia uma coroa e concedia a ele a nobreza de um escudeiro da rainha.
Assim como Mandred, Farodin pareceu contente em rever o amigo.
— Então você é escudeiro da rainha!
— Sim, e não ficarão surpresos de saber que ela está aguardando vocês. Por isso ela convocou o conselho de guerra. Sigam-me!
As palavras de Xern confundiram Nuramon. Então recordou-se do espelho-d’água. Certamente ela conseguira ver nele o elfo e seus companheiros.
Eles seguiram Xern pelas fileiras de guerreiros. Nuramon tentava evitar o olhar daqueles que o recebiam com curiosidade. Eram sinistros para ele. O que será que viam nele e em seus companheiros? Que histórias deviam contar sobre eles? Não conseguia suportar tanta atenção, estava quase desejando voltar para aquele tempo em que todos o desprezavam. Os olhares mostravam grandes expectativas, que talvez não conseguiria satisfazer... Ao menos por enquanto.
Chegaram à barraca cor de açafrão da rainha, em cuja entrada havia dois guardas. Diante dela havia rochas brancas fincadas na grama, formando um grande círculo. Aquele certamente era o lugar em que se reunia o conselho de guerra. Atrás de cada pedra estava fincada uma estaca com cada uma das bandeiras da Terra dos Albos. Junto à entrada para a barraca da rainha estava a bandeira dos elfos: um cavalo dourado em fundo verde. Ao lado dela tremulava o estandarte de Alvemer, uma ninfa prateada em fundo azul.
Xern conduziu-os para o centro do círculo de pedras. Os demais guerreiros que os acompanhavam com curiosidade não ousaram adentrá-lo.
— Vou buscar a rainha — disse Xern, desaparecendo para dentro da barraca.
Nuramon observou os brasões. Conhecia todos eles, mesmo que não tivesse certeza de onde. A bandeira azul-clara de Valemas chamara sua atenção no oásis e o estandarte negro dos trolls, com os dois machados brancos de guerra cruzados, ele conhecia da batalha marítima. Talvez lá também tivesse visto todos os outros brasões. Reparou que junto à pedra em frente à rainha não havia nenhuma bandeira.
Os primeiros líderes começaram a chegar ao lugar. O que mais chamou a atenção foi o rei dos Trolls, acompanhado por uma velha troll. Ele se sentou, com a velha de pé atrás dele. Com um olhar imperioso, ele observava os elfos ao seu redor; mesmo agora estando sentado, eles não chegavam sequer à altura de seus ombros.
— Aquele é Orgrim — cochichou Farodin, com uma voz que expressava todo o seu desprezo.
Mandred cerrou os punhos e manteve os olhos no troll.
— Com ele eu ainda não acertei as contas — disse baixinho.
— Isso nunca vai chegar a acontecer — retrucou Farodin, olhando na direção do rei dos trolls com a expressão petrificada.
Nuramon fitou a rocha onde não havia nenhuma bandeira. Enquanto os líderes tomavam seus lugares ao seu redor, aquela pedra continuava vazia. Ele observou todos que estavam ali e finalmente avistou um rosto conhecido. Logo à esquerda do assento da rainha, estava de pé uma guerreira elfa, junto ao estandarte de Valemas. Vestia uma armadura clara de tecido e um grande casaco cor de areia. Seu olho esquerdo estava coberto por uma venda escura. Apesar disso, Nuramon reconheceu-a imediatamente. Era Giliath, a guerreira que um dia desafiara Farodin para um duelo na nova Valemas, e que seu companheiro só conseguira vencer com um ato de astúcia.