Das pregas do seu traje, a rainha tirou algo que fez Farodin e Nuramon ficarem paralisados. Era uma ampulheta, quase totalmente cheia de areia!
Sussurros percorreram a floresta. Nuramon viu que somente Yulivee e Xern não pareciam surpresos.
— Essa é a ampulheta com que exilou Noroelle?
— Sim. Eu a quebrei na pedra. Muito da areia e também os cacos trouxe comigo. Escondi tudo bem fundo sob o meu castelo, onde vocês não poderiam encontrar. Sabia que chegaria o dia em que gostaria de dá-la a vocês. Mas, até hoje, eu tive de ser a rainha fria para que tudo o que aconteceu pudesse acontecer.
Voltou-se então para Farodin:
— Dê-me a areia da sua garrafinha!
Emerelle abriu a tampa da ampulheta e Farodin deixou o conteúdo do pequeno recipiente prateado escorregar para dentro dela. Então guardou a garrafinha de volta e viu a rainha recolocar a tampa na ampulheta.
Emerelle disse:
— Ainda falta muita areia. Mas vocês não precisarão do restante para abrir o portal. Isto quebrará a barreira do feitiço. Vocês dois e Noroelle serão os últimos filhos de albos no Outro Mundo. Busquem a trilha do vosso destino. Mas não ajam de forma insensata, pois, se morrerem, não renascerão junto de nós. O luar, contudo, estará ao alcance de vocês no Outro Mundo. Esforcem-se para isso! Procurem o vosso destino! — disse, estendendo o vidro a Farodin.
Com as mãos trêmulas, o elfo pegou a ampulheta. Trocou um olhar com Nuramon, que ainda continuava como se entorpecido.
— Nós agradecemos, Emerelle! — foi tudo o que Farodin conseguiu dizer.
Lançou um último olhar para Giliath e Orgrim, a quem o desejo de vingança não o prendia mais. Eles sorriram para o elfo. O rei dos trolls até foi capaz de acenar com seus enormes braços.
— Vão! As trilhas para o Outro Mundo estão quase apagadas. Vocês têm de partir agora, ou terão de ficar para sempre.
Nuramon pousou a mão no ombro de Farodin.
— Venha!
O companheiro fitou-o e balançou a cabeça com um sorriso. Então, os dois avançaram lado a lado para dentro da luz. Nuramon tinha decidido não olhar mais para trás, mas quando estava cercado pelo brilho do portal, não conseguiu evitar olhar por cima do ombro. Ali em pé, sorrindo para eles, estavam Emerelle, Yulivee, Obilee, Nomja, seus parentes e Wengalf. Junto ao túmulo de Mandred estava Xern, que o seguia com um olhar solene. Nuramon queria guardar todos esses rostos na memória para sempre. Lentamente, a clareira apagou-se atrás dele, e assim desapareceram todos a quem havia se afeiçoado. Restou somente o branco do portal que ele agora atravessava.
Seus olhos jamais reveriam a Terra dos Albos.
O luar
Pacientemente, esperavam a maré baixar. Farodin estava sentado, encostado em uma árvore, e Nuramon, na pedra em que um dia Emerelle quebrara a ampulheta. Ambos deixavam os anos que haviam ficado para trás passarem novamente diante de seus olhos.
Farodin pensou na última vez que vira Noroelle. Ela estava com muito medo e temia que algo pudesse acontecer a eles. Quem teria imaginado, na época, que seria a ela que algo poderia ocorrer?
Nuramon olhava bem para trás, para o princípio da sua existência, que já vira tantas vidas. Lembrou-se de ter sido companheiro de luta da rainha, pai de Gaomee e amigo de Alwerich e Wengalf. Mas nada significava mais para ele do que a vida que vivia agora. Por mais brilhantes que alguns dos acontecimentos anteriores também pudessem parecer, nada fora capaz de comovê-lo tanto como as aventuras dos últimos anos.
Farodin acariciou a ampulheta, que descansava a seu lado.
— Nossa jornada durou tão poucos anos e, ainda assim, me parece ter sido uma eternidade — disse em voz baixa.
Nuramon sorriu.
— Eu esperei cinquenta anos por você e Mandred. Para mim, esse foi um tempo muito maior do que você acredita.
— Mandred! — disse Farodin, deixando o olhar se perder no vazio. — Será que a suposição da rainha está correta?
— Eu acho que a alma de Mandred foi para o luar, assim como a de uma árvore. Eu queria que ele estivesse aqui, no fim do nosso caminho. Sinto falta dele. E da sua língua solta.
Nuramon jamais se esqueceria de como Mandred atormentara seu filho Alfadas com exercícios com o machado, ou de como queria o porão de vinhos em Iskendria inteiro para ele.
Enfim, suspirou e olhou para a água.
— Estou com medo. O que espera por nós do outro lado?
— Eu não sei — respondeu Farodin. — Só me resta esperar que Noroelle não tenha sofrido demais e que, em vez disso, o seu ser maravilhoso tenha feito o lugar do outro lado do portal florescer.
Ele imaginara algumas vezes como Noroelle estaria vivendo em seu pequeno caco do Mundo Partido. Com certeza não estava esperando por eles; havia se resignado com o seu destino.
Nuramon olhou para os mariscos e lembrou-se da última vez que haviam estado ali. Tinham fracassado de forma lastimável diante do poder da barreira. Agora, nada mais os deteria.
— A maré baixou! — disse Farodin, levantando-se.
Nuramon concordou em silêncio e pôs-se de pé da mesma forma.
Eles caminharam até os mariscos sobre a areia acidentada e ficaram ali parados por um bom tempo. Agora que haviam chegado tão longe, não tinham pressa para fazer o feitiço. Para Noroelle, mais de mil anos tinham se passado. Que diferença faria esse momento de calma?
Por fim, os dois elfos trocaram um olhar e puseram-se ao trabalho. Farodin pousou a ampulheta no círculo de mariscos. Então perguntou:
— Você ou eu?
Como resposta, Nuramon estendeu a mão a Farodin, que concordou, balançando a cabeça. Eles abririam o portal juntos.
Fecharam os olhos. Cada um viu a estrela dos albos à sua maneira. A trilha para a Terra dos Albos estava para sempre apagada. Ao tecerem o feitiço, sentiram que a barreira de Emerelle havia desaparecido. Tinham aberto tantos portais que, afinal, não seria difícil abrir este também. Mas não era a mesma coisa. Todos os anos passados tinham sido unicamente por causa deste portal. Finalmente, já não haveria mais nada que os separasse de sua amada.
Quando abriram os olhos, viram o portal de luz diante deles. E os dois novamente hesitaram.
Nuramon abanou a cabeça.
— Um caminho tão difícil, e agora só falta um passo para alcançarmos o nosso objetivo?
Farodin sentia o mesmo.
— Vamos lado a lado... amigo.
— Sim... amigo — concordou Nuramon.
Atravessaram o portal juntos e tiveram a sensação de cair. Então sentiram sob os pés o acidentado leito do mar, mas, em vez de água, estavam de pé em uma névoa que lhes batia nos tornozelos. Diante deles havia uma ilha cercada pelo mar de névoa, que se confundia com a escuridão. Na ilha havia uma floresta cujas árvores estavam cobertas de musgo. Gorjeios baixos de pássaros chegavam até o baixio onde estavam. Uma luz esverdeada pairava sobre a floresta, parecendo um véu fino flutuando no vento sob as copas das árvores.
Farodin e Nuramon aproximavam-se lentamente da ilha. Seus passos chapinhavam sobre o chão úmido.
Nuramon inspirou fundo.
— Esse perfume!
Farodin soube imediatamente o que Nuramon queria dizer. Era o aroma da nascente de Noroelle.
— Ela está aqui!
Mal haviam posto os pés sobre a areia da praia, ouviram uma voz que cantava uma canção sonhadora e melancólica. Era a voz de Noroelle! Quantas noites haviam se sentado na grama ao ar livre, escutando o canto de sua amada...
Embora soubessem que Noroelle estava por perto, não se apressaram: em vez disso, davam passos refletidos um depois do outro enquanto olhavam ao redor. De fato, tinham ouvido pássaros, mas não conseguiam ver nenhum. Da luz verde sobre eles desciam nuvens de névoa muito fina, dando à floresta uma aura de mistério. As árvores dali ficavam tão próximas umas das outras que suas raízes se entrecruzavam. Nodosas, projetavam-se para fora da terra.
Chegavam cada vez mais perto do canto. Quando finalmente adentraram a borda de uma pequena clareira, ficaram paralisados no meio do movimento. Ali à frente deles estava Noroelle, sentada em uma pedra branca. Estava de costas para eles, e parecia olhar para seus pés dentro de um pequeno lago. Seus cabelos escuros passavam bastante dos ombros. Tinham crescido desde que Farodin e Nuramon a viram pela última vez.