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— Devo mesmo?

O companheiro consentiu.

Ele aceitou a oferta de Farodin. Comeram algumas amoras juntos e em silêncio.

Quando o pôr do sol se aproximou, Lijema perguntou onde estariam Brandan e Aigilaos.

Nuramon levantou-se.

— Vou buscar os dois.

— Devo ir junto? — perguntou Farodin.

—Não. — Ele olhou para a feiticeira. — É melhor perguntar para Vanna se está tudo bem — sussurrou. — Ela está há muito tempo calada, remoendo alguma coisa.

Farodin sorriu e ergueu-se para se juntar à feiticeira. Nuramon deixou o acampamento, seguindo as pegadas de Aigilaos e Brandan.

A trilha dos dois era fácil de seguir. As marcas das botas de Brandan de fato eram difíceis de reconhecer, mas Aigilaos deixara sulcos profundos na neve. Nuramon olhou para os pés várias vezes, pensando em Mandred e em como ele afundava no chão coberto de branco. Talvez fosse mesmo um feitiço o que fazia com que ele andasse sobre a neve sem afundar. Tentou deixar pegadas nítidas, e até conseguiu. Mas precisava se concentrar e pisar da forma mais desajeitada possível. Do contrário, seus pés se recusavam a afundar.

Pouco depois, as pegadas se tornaram diferentes. Nuramon viu que ambos os companheiros começaram a seguir a pista de um cervo. Logo depois se separaram: Aigilaos foi para a esquerda, enquanto Brandan seguiu à direita. O rastro do cervo seguiu em frente. Nuramon seguiu as pegadas de Aigilaos, porque eram mais fáceis de reconhecer.

De repente ouviu algo. Deteve-se e ficou à espreita. Primeiro escutou só o vento que soprava através da floresta. Depois ouviu um ruído baixo. Não devia ser nada além de um pouco de gelo soprado sobre uma árvore. Mas o ruído se repetia o tempo todo. Às vezes era mais longo, às vezes mais curto. Talvez fosse um animal da floresta. Mas também podia ser a besta que estavam caçando.

Cautelosamente, Nuramon deslizou a mão até a espada. Pensava se devia gritar por Aigilaos e Brandan, mas decidiu não fazê-lo. O centauro, temperamental como era, certamente apontaria sua lança para ele, caso se precipitasse e espantasse a caça com seu chamado.

O barulho parecia estar bem perto. Mas Nuramon não queria confiar demais nos seus sentidos. Esse mundo os enganava tanto! Hoje seus olhos já tinham lhe pregado peças o bastante. Seus ouvidos podiam estar fazendo o mesmo.

Com cuidado, Nuramon abandonou a pista de Aigilaos para ir atrás do ruído. Logo viu uma clareira entre as árvores. O barulho parecia vir dali.

Quando chegou à borda da clareira, Nuramon fez o reconhecimento da área. Quase no meio havia três carvalhos. O vento trouxe até ele um cheiro desagradável, que perdurou por um momento. Havia algo de errado nesse cheiro. Mas, para os sentidos dos elfos, o que havia de certo neste mundo?

Adentrou a clareira cuidadosamente e olhou em volta. Não havia ninguém. Mas a cada passo que dava, o ruído ficava mais alto. Qualquer que fosse a sua origem, era certo que estava ali, atrás das três árvores. Apertou com mais força o cabo gelado da espada. Quando já estava quase junto às árvores, viu à sua esquerda um amplo rastro que vinha da floresta. Eram as pegadas de Aigilaos!

Ele se apressou na direção dos três carvalhos. O zumbido se tornara horrivelmente alto e nítido. Quebrada e caída na neve, havia uma tiara de testa. Nuramon contornou rápido o pequeno grupo de árvores — e não acreditou no que seus olhos viram.

Diante dele, na neve, estava Aigilaos! Tinha a cabeça muito inclinada para trás e a boca aberta emitia aquele som. Sua barba cacheada estava toda coberta de sangue. E, no seu pescoço, Nuramon viu quatro feridas estreitas. Se não fosse por elas, certamente os gritos do centauro teriam sido ouvidos em toda a floresta. Mas, naquele estado, mal era capaz de emitir qualquer som. Sua voz tinha sido quase arrancada. O seu grito não era nada mais que um longo e tênue sopro de ar que saía de sua garganta.

No rosto de Aigilaos estava estampada a maior dor que Nuramon já vira em um ser vivo. Tinha os olhos enormemente arregalados. A todo momento se encolhia, queria gritar, mas só conseguia soltar um ruído doloroso.

As quatro patas do centauro estavam quebradas, e uma delas tinha o osso exposto. O longo ventre estava rasgado, expondo suas vísceras. Uma grande poça de sangue congelado se formara na neve. Um dos braços estava enterrado por baixo do corpo; o outro, deslocado e quebrado como as pernas. Na pele havia grandes feridas, como se um grande predador o tivesse atacado.

Nuramon não conseguia imaginar o tamanho da dor que Aigilaos devia estar sentindo. Nunca tinha visto um ser tão destroçado como o centauro estava agora.

— Farodin! Mandred! — gritou ele, indeciso entre ir buscar ajuda ou tentar fazer algo por Aigilaos. Olhou para as próprias mãos e viu como elas tremiam. Precisava fazer alguma coisa! Com certeza os companheiros no acampamento tinham ouvido o seu chamado.

— Vou ajudá-lo, Aigilaos!

O centauro parou com seus gritos sem voz, e, trêmulo, olhou para Nuramon.

Não havia esperança. Só a ferida no ventre já era suficiente para matá-lo. E as feridas no pescoço também tinham causado muitos danos. Devia mentir para Aigilaos?

— Primeiro vou tentar aliviar as suas dores. — Nuramon pôs as mãos sobre a testa de Aigilaos e encarou seus olhos cheios de lágrimas. Era um milagre que ainda estivesse consciente. — Tente aguentar só mais um instante! — disse Nuramon, concentrando-se no feitiço.

Nuramon começou a sentir um formigamento nas pontas dos dedos. Prestou atenção na pulsação do amigo e sentiu um calafrio descer por seus braços até as mãos. Percebeu a testa de Aigilaos se aquecer sob seus dedos. Sentiu o pulso acelerado do centauro e percebeu as batidas de seu próprio coração se ajustarem às do companheiro. Então os batimentos de ambos se tornaram mais lentos, e Aigilaos se acalmou. Isso já era bastante, mesmo que não fosse mais possível salvar o centauro.

Quando tirou as mãos da testa de Aigilaos, Nuramon percebeu como sua expressão aos poucos se tornava mais relaxada. Com todo o sangue que via, continuava surpreso que o centauro ainda estivesse consciente. Decidiu arriscar e tentar impedir a morte do colega, mesmo que isso parecesse inútil. Não tinha experiência com centauros. Quem sabe ele pudesse sobreviver aos ferimentos? Pousou cuidadosamente a mão sobre a garganta aberta do ferido.

Aigilaos já não sentia mais dor e o olhava gravemente nos olhos. Então chacoalhou a cabeça e olhou para a espada do elfo.

Nuramon estava horrorizado. Aigilaos sabia que era o seu fim. E agora ele deveria erguer a espada de Gaomee para aliviar o centauro com uma morte rápida. A espada com a qual Gaomee certa vez abatera Duanoc numa luta heroica agora tinha de ser manchada com o sangue de um companheiro.

Nuramon hesitou, mas o olhar do centauro era de súplica, e ele não podia evitar. Tinha de fazê-lo. Por compaixão! Então puxou a espada.

Aigilaos consentiu com a cabeça.

— Nos vemos de novo na próxima vida, Aigilaos!

Ele ergueu a arma e deixou-a descer. Mas a ponta da espada se deteve pouco antes de acertar o peito do centauro. Aigilaos olhou para cima, sem acreditar.

— Eu não posso — disse Nuramon, desesperado, balançando a cabeça. As palavras que dissera ao se despedir do centauro repicavam em sua alma como um sino violento. “Nos vemos de novo na próxima vida!” Quem era capaz de dizer algo assim? Nuramon não tinha certeza se a alma de Aigilaos encontraria seu caminho de volta deste mundo até a Terra dos Albos. Se tirasse a sua vida aqui, poderia privá-lo para sempre da chance de renascer.

Nuramon jogou a espada de lado. Quase manchara a arma com o sangue do parceiro. Só lhe restava uma coisa: lançar mão de seus poderes mágicos para tentar salvar o colega.

Checou de novo as feridas no pescoço. Mandred descrevera o javali como uma fera boçal. Mas essas feridas foram cortadas na pele de forma tão precisa que pareciam ter sido feitas por uma faca. A besta que caçavam seria capaz de manejar armas? Ou teria sido outra fera quem estraçalhou Aigilaos dessa maneira? O que surpreendia Nuramon era que, a não ser pelo sangue do colega, não se via mais nenhuma pista, nem mesmo a continuação do rastro do cervo que Aigilaos caçava. Também não se via nada de Brandan. Talvez também estivesse caído por aí, em algum lugar da floresta, igualmente ferido.