Nuramon sufocou o desejo de chamar pelos demais companheiros. Só atrairia a besta com isso. Com muito cuidado, pôs as mãos sobre as feridas. E mal pensara no feitiço, seus dedos já voltaram a formigar — mas dessa vez sem o arrepio que há pouco sentira nos braços. Em vez disso, o formigamento virou uma dor, que veio das pontas dos dedos e se espalhou pelas mãos e por todas as juntas. A dor pela cura! Era nessa troca que consistia o seu feitiço. Quando a dor finalmente diminuiu, Nuramon soltou as mãos de Aigilaos e observou o seu pescoço. As feridas tinham fechado.
Ao observar o corte aberto na barriga, soube que suas forças ali não conseguiriam nada. Seria necessário um encanto que reanimasse todo o corpo. Abaixou-se sobre o tronco de Aigilaos.
— Aigilaos, agora você consegue falar? — perguntou ao centauro.
— Não faça isso, Nuramon! — pediu Aigilaos, rouco. — Pegue a espada e dê um fim a isso!
Nuramon pôs as mãos sobre as têmporas de Aigilaos.
— É só um pouco de dor.
Ele sabia muito bem que ferimentos maiores causavam-lhe dores maiores. Mas ainda assim tentou se concentrar e respirar calmamente.
— Desejo a você a sorte dos albos, meu amigo — disse o centauro.
Em vez de responder, Nuramon deixou seus poderes mágicos fluírem de suas mãos pelo corpo de Aigilaos. Ele pensou em todos que já havia curado. Tinham sido muitas árvores e animais e, mais raramente, até elfos.
De uma só vez, uma dor aguda atravessou suas mãos e lhe subiu pelos braços. Esse era o preço da cura, e tinha de suportá-lo! A dor então foi crescendo e tornando-se monstruosa. Nuramon fechou os olhos, tentando lutar contra ela. Mas todas as suas tentativas de dispersar a dor falhavam, e era como se um raio o estivesse atingindo na cabeça. Ele sabia que bastaria se soltar para que a dor passasse. Mas então Aigilaos estaria perdido.
Não havia apenas as incontáveis feridas e o grande dano resultante do ferimento na barriga; havia ainda algo mais — algo que Nuramon não conseguia tirar. Seria um veneno? Ou um feitiço? Nuramon tentava relaxar, mas a dor era forte demais. Sentiu suas mãos se contraírem e todo o seu tronco começar a tremer.
— Nuramon! Nuramon! — ele ouviu uma voz rouca gritar. — Por todos os deuses!
— Quieto! Ele está curando-o! — disse a voz de um elfo. — Oh, Nuramon!
A dor crescia, e Nuramon apertava os dentes. Aquele sofrimento parecia não ter fim; só aumentava mais e mais. Ele sentiu que começava a perder os sentidos. Por um momento pensou em Noroelle. E de repente a dor sumiu.
Tudo ficou em silêncio.
Nuramon abriu os olhos devagar, e viu o rosto de Farodin sobre ele.
— Diga alguma coisa, Nuramon!
— Aigilaos? — foi tudo o que saiu de seus lábios.
Farodin olhou para o lado e então de volta para ele, e chacoalhou a cabeça.
Ouviu Mandred gritar bem perto:
— Não. Acorde! Acorde de novo! Não vá assim! Diga alguma coisa!
Mas o centauro continuava quieto.
Nuramon tentou se levantar. Aos poucos, suas forças retornavam. Farodin ajudou-o a se erguer.
— Você podia ter morrido — sussurrou ele.
Nuramon baixou os olhos até Aigilaos; Mandred chorava debruçado sobre ele. Embora os traços do centauro morto parecessem relaxados, o seu cadáver ainda era uma visão pavorosa.
— Você se esqueceu do que prometeu a Noroelle?
— Não, não esqueci — sussurrou Nuramon. — E foi por isso que Aigilaos teve de morrer.
Nuramon quis se virar e ir embora, mas Farodin deteve-o com força.
— Você não teria conseguido salvá-lo.
— E se tivesse conseguido?
Farodin calou-se.
Mandred levantou-se e virou-se para eles.
— Ele disse alguma coisa? — Mandred encarava Nuramon cheio de expectativa.
— Ele me desejou sorte.
— Você tentou de tudo. Eu sei disso. — As palavras de Mandred não eram capazes de consolar Nuramon.
Ele pegou a espada de volta, observou-a e lembrou do desejo de Aigilaos. Isso ele não podia contar a Mandred.
— O que aconteceu? E onde está Brandan? — perguntou Farodin.
— Não faço ideia — retrucou Nuramon lentamente.
Mandred chacoalhou a cabeça.
— Estaremos com sorte se ele ainda estiver vivo. — Olhou para Aigilaos e suspirou ruidosamente. — Por todos os deuses! Ninguém devia morrer assim. — Então olhou em volta. — Droga! Agora está escuro demais!
— Então vamos encontrar Brandan rápido — disse Farodin.
Lançaram um último olhar sobre Aigilaos e decidiram voltar para apanhá-lo mais tarde, à noite, caso isso fosse possível de alguma forma.
Nuramon conduziu Farodin e Mandred de volta para o rastro de Brandan. A noite já havia coberto a floresta com seu manto escuro.
— Se ao menos eu tivesse trazido do acampamento as pedras de barin! — disse Farodin. A trilha já era difícil de seguir por si só, mas naquele breu era praticamente impossível. Eles não eram bons leitores de rastros.
De repente, um uivo monstruoso soou um pouco atrás deles. Os três se voltaram. Mandred então gritou:
— O acampamento! Vamos!
Eles correram de volta. Nuramon tinha a impressão de que Mandred tinha muita dificuldade para se movimentar na escuridão. Ele esbarrava o tempo todo em galhos baixos, até que finalmente recuou para correr atrás de Farodin, seguindo-o. O filho de humanos praguejava por afundar até as canelas na neve, enquanto os elfos percorriam a distância com pés leves por cima dela.
Finalmente alcançaram o acampamento. Estava abandonado. A fogueira ardia e os cavalos estavam quietos, mas Vanna, Lijema e os lobos haviam desaparecido. Enquanto Farodin se ajoelhava ao lado dos alforjes de sua sela, Nuramon deu a volta no acampamento, procurando pegadas. Mandred estava como se paralisado, pensando que tudo estava perdido.
A floresta estava silenciosa.
Nuramon encontrou o rastro dos lobos e das elfas. Seguiam pela borda da floresta. Não se viam quaisquer sinais de luta ou algo do tipo. Mal anunciou a descoberta a seus companheiros, Farodin atirou-lhe uma pedra mágica. Jogou também outra para Mandred. Elas eram claras e iluminavam o caminho com uma intensa luz branca.
Quando ouviram um uivo alto vindo da floresta, puseram-se novamente a caminho. Chamavam o tempo todo por Vanna e Lijema, mas não havia resposta.
Então encontraram um rastro de sangue. Seguiram-no. Aparentemente, os lobos, Vanna e Lijema já haviam seguido o mesmo rastro antes deles. Logo se depararam com um dos lobos. Tinha a garganta dilacerada e já não se mexia. Estava morto. Tomados pela preocupação, continuaram seguindo as pegadas. O clima era sinistro: a cada poucos passos, sempre descobriam novos rastros de sangue.
Ouviram outro uivo. De repente, viram por entre as árvores os lobos brancos saltando freneticamente. Atacavam uma sombra. Um vulto enorme, que se defendia com golpes selvagens em torno de si. O ganido de um lobo transformou-se num uivo abafado de dor. E, em seguida, um grito agudo, feminino, rasgou a floresta.
Nuramon, Farodin e Mandred chegaram a uma clareira. O brilho de suas pedras mágicas afastava a escuridão. Nuramon viu os lobos perseguirem um vulto grande e agachado e desaparecerem na floresta.
A luz de Nuramon encontrou Vanna, a feiticeira, no meio da clareira.
— Voltem! Não temos tempo para vingança! —, gritou para os lobos. Mas eles não a ouviam. A feiticeira pôs-se de joelhos e inclinou-se sobre algo.
Mandred e Farodin já estavam bem perto dela. Nuramon só ousava se aproximar lentamente, olhando em volta. Três lobos jaziam mortos na clareira, entre eles, o líder. Havia algo atravessado em suas costas. Nuramon sentiu um forte cheiro no ar. Era o mesmo fedor que sentira antes, perto de Aigilaos. Devia ser o cheiro do suor da besta.