Выбрать главу

— Sim, foi o mesmo que pensei. Mesmo quando vi esse ser claramente diante de mim, eu não queria acreditar. Tentei me convencer de que estava enganada. Mas o sangue com esse estranho brilho prateado me abriu os olhos. Esse ser é um devanthar.

— Bom, você é a feiticeira... É você quem tem a sabedoria dos nossos ancestrais — disse Farodin, nem um pouco convencido com a constatação da feiticeira.

— O que devemos fazer agora? — perguntou Brandan em voz baixa.

O olhar de Vanna passeou por todos eles.

— Nós somos a Caçada dos Elfos e precisamos pôr um fim nisso. Então vamos lutar contra um ser que foi um adversário à altura dos albos.

O terror estava estampado nas feições de Mandred. Só agora ele parecia entender do que Vanna estava falando. Aparentemente, os albos e seu imenso poder eram conhecidos até entre os humanos. Podia ser que para Mandred eles fossem algo parecido com deuses.

— Ainda não houve um elfo que tenha conseguido matar um devanthar — desafiou Farodin.

Nuramon trocou um olhar com Farodin, e mais uma vez pensou na promessa que fizera a Noroelle.

— Então nós seremos os primeiros! — disse ele, decidido.

O sussuro das sombras

Farodin se recolhera nas sombras da borda da floresta. Mais um pouco e o último turno de vigília estaria terminado. Eles haviam decidido deixar o acampamento ainda antes da alvorada para buscar o rastro do devanthar. Permaneceriam juntos. Não deixariam que a criatura brincasse com eles mais uma vez e os usasse de isca.

Depois de muito queimar, a fogueira transformara-se numa pilha de brasas escuras. O elfo evitava olhar diretamente para a luz para não prejudicar sua visão noturna. Ouviam-se roncos baixos. Mandred de fato estava dormindo. Desde ontem, quando viu do topo do penhasco que sua aldeia não fora devastada, ele mudou de comportamento. Apesar de todos os sustos, mantinha-se calmo. Aparentemente ainda estava convencido de que a Caçada dos Elfos mataria o monstro — mesmo depois de Vanna ter revelado contra quem eles foram lançados. A confiança ingênua do humano na caçada tinha algo de enternecedora.

De canto de olho Farodin percebeu um movimento. A menos de vinte passos de distância, debaixo das árvores, havia uma sombra. Farodin empunhou o arco que repousava em seu colo, mas a seguir baixou a arma novamente. Os troncos e a mata espessa tornavam impossível dar um tiro bem mirado. A criatura queria provocá-lo, mas ele não entraria no jogo.

O elfo tirou algumas flechas da aljava e fincou-as na neve diante de si. Assim poderia atirar mais rápido em caso de necessidade. Caso o devanthar tentasse sair da floresta para atacar o acampamento, dispararia contra ele ao menos três vezes. Invulnerável ele com certeza não era! Já era hora de pagar pelo que tinha feito.

Farodin piscou os olhos. A criatura estaria realmente ali, do outro lado? Ou era a escuridão que lhe pregava uma peça? Quando se observa uma floresta sinistra por tempo demais, pode-se ver qualquer coisa nela.

“Controle-se”, o guerreiro elfo ralhou consigo mesmo em pensamento. Uma brisa leve varreu o manto branco que cobria o campo. Bem fundo na mata, um galho estalou. Um dos dois lobos ergueu a cabeça e olhou para os limites da floresta, ali onde Farodin vira uma sombra. Emitiu um som de lamento e afundou a cabeça no macio gelado da neve.

Um forte fedor tomou conta do ar. Foi o tempo de uma inspiração, e logo sentia-se novamente só o odor fresco do frio.

— Espero vocês nas montanhas, Farodin Mãos Sujas de Sangue. Não se demorem.

O elfo se assustou. As palavras... escutara-as dentro dele.

— Apareça! — Sua voz era somente um sussurro. Ainda não queria assustar os outros.

— Mais uma vez encontro um de vocês sozinho — zombou a voz na sua cabeça. — Você se acha bom demais, Farodin. Não seria mais inteligente acordar seus colegas?

“Por que devo fazer o que você espera? A previsibilidade é a melhor amiga da derrota. Por que devemos comparecer a um lugar escolhido por você?”, pensou o elfo.

— É importante fazer as coisas no local e na hora certa. Você planeja o local e a hora quando viaja para as missões da rainha.

“Por isso eu conheço o motivo para não ouvir você”, retrucou o elfo.

— Sou capaz de matar cada um de vocês só com o pensamento. Vocês mal são um pálido reflexo dos albos. Esperava mais quando mandei o filho de humanos para o seu mundo.

Farodin olhou para o local do acampamento. Ainda podia ouvir o ronco baixo de Mandred. Devia confiar nas palavras de um devanthar? A rainha tinha razão em sua suspeita?

— Você acredita que o filho de humanos teria conseguido cruzar o portal com suas próprias forças?

“Então por que você quase matou seu enviado?”

— Para que fosse convincente. Ele não sabia a serviço de quem estava. Então a rainha não pôde descobrir qualquer mentira em suas palavras.

“Se você deseja a nossa morte, então resolva isso agora, no acampamento. Vou acordar os outros!”

— Não! Pergunte a Mandred sobre a caverna de Luth. Esperarei vocês lá daqui a três dias, à tarde.

Farodin pensou se devia tentar enrolá-lo mais um pouco, para conseguir acordar os outros. Talvez os lobos o tivessem ferido. Se ele se sentia invencível, por que não aparecia? Deviam matá-lo aqui e agora! Não negociaria com ele!

— Só com o pensamento já tenho força para matar, Farodin. Não me obrigue a fazer isso!

“Por que ainda estamos vivos?”, perguntou o elfo, bastante seguro de si.

— Neste mesmo momento o coração de Brandan parou de bater, Farodin Mãos Sujas de Sangue. Sua dúvida o matou. Se daqui a três dias não estiverem nas montanhas, então será essa a morte que vocês todos encontrarão. Achei que fosse um guerreiro. Pense bem: se quer morrer com a espada na mão sob o olhar do inimigo ou como Brandan, dormindo. Você pensa que é muito esperto. Quem sabe vai mesmo me matar? Espero vocês.

A menos de três passos de distância, um vulto maciço deu um passo adiante. Farodin escorregou a mão até a espada. Como o devanthar conseguira se aproximar tão furtivamente sem que ele percebesse? Não houvera qualquer barulho, qualquer sombra entre as árvores. Mesmo o cheiro de enxofre que o demônio exalava não havia ficado mais forte.

O devanthar balançou a cabeça como se o cumprimentasse com escárnio. Então voltou a se confundir com as sombras.

Farodin correu. Depois de menos de duas batidas de coração estava ali, onde o demônio estivera agora mesmo. Mas o devanthar já havia desaparecido há muito. Não havia pegadas na neve. Nada comprovava que a besta acabara de estar ali. Será que o vulto sombrio fora somente uma miragem? Ou que o demônio queria atraí-lo para longe? Farodin olhou para o acampamento. Seus companheiros ainda estavam deitados lá, junto ao fogo, enrolados em cobertores. Tudo estava calmo.

As velhas histórias contavam que os devanthares eram capazes de mentir duas vezes com uma só palavra. Farodin queria poder ver o que estava por trás da intimação de irem até a caverna.

O frio havia aumentado. Ele bateu com as mãos nas coxas para acabar com o formigamento nos dedos. Então voltou até a árvore onde seu arco estava recostado.

Apanhou as flechas da neve e checou-as cuidadosamente. Para enfrentar o devanthar, escolhera flechas de guerra, que tinham uma lâmina plana com farpas curvadas para dentro. As pontas eram frouxamente fincadas nos cabos. Caso alguém ferido com um projétil como esse tentasse arrancá-lo do ferimento, o cabo então se soltava, e as farpas curvadas da ponta permaneciam profundamente enfiadas na carne. Farodin queria ter podido atirar ao menos uma dessas flechas contra a besta.

Olhou mais uma vez para onde estava o acampamento. Ele precisava ter certeza! “Eles são capazes de mentir duas vezes com uma só palavra”, sussurrou baixinho. Se retornasse agora para o acampamento, faria exatamente o que o demônio esperava dele. Tinha sido assim desde que cruzaram o portal de Aikhjarto.