— Vamos ficar juntos — ordenou Mandred. — Assim podemos nos defender melhor.
O medo de Vanna era nitidamente perceptível. Tinha os olhos arregalados e a lança em suas mãos tremia levemente.
Nuramon foi o último a chegar ao barranco. O lobo restante mantinha-se bem a seu lado. Tinha as orelhas baixas e parecia ter medo.
— Ainda há algo que você possa nos contar sobre os devanthares, feiticeira? — perguntou Mandred.
— Ninguém sabe muito sobre eles — retrucou Vanna rapidamente. — Eles são descritos de forma diferente a cada história. Às vezes são comparados a dragões; outras, a espíritos das sombras ou a serpentes imensas. Dizem que podem se transformar e assumir formas diferentes. Mas nunca ouvi falar de um que assumisse a forma de um homem-javali.
— Isso não nos ajuda muito — murmurou Mandred, desapontado, descendo para dentro do pequeno vale.
Farodin os esperava perto da fogueira. Lá havia uma grande pilha de lenha, troncos despedaçados e galhos verdes de pinheiro. O elfo afastou um dos galhos para o lado. Ali embaixo jazia um tronco de madeira mais escura. Mandred só o reconheceu depois de olhar melhor.
— O devanthar parece não ter respeito pelos seus deuses.
Mandred puxou o pesado ídolo que estava debaixo dos galhos. Era um dos homens de ferro, que desta vez representava Luth. Muitas das oferendas haviam sido arrancadas da madeira, deixando cortes profundos. Mandred apalpou, incrédulo, a estátua profanada.
— Ele vai morrer — murmurou ele. — Morrer! Ninguém zomba dos deuses sem ser punido. Você o viu? — dirigiu-se a Farodin.
O elfo apontou para a caverna com a espada de Brandan.
— Suponho que ele esteja nos esperando lá dentro.
Mandred abriu os braços e olhou para o céu noturno.
— Senhores do céu e da terra! Deem-nos forças para ser as mãos que operam a vossa vingança! Norgrimm, guia das batalhas! Ajude-me a aniquilar o nosso inimigo! — Voltou-se para a caverna. — E você, criatura demoníaca, tema a minha ira! Atirarei o seu fígado aos cães e corvos!
Decidido, Mandred caminhou até a caverna e fez mais uma vez o sinal do olho protetor. Atrás da entrada havia um túnel que fazia uma acentuada curva à esquerda, e poucos passos depois dava em uma caverna maior que o salão de baile de um rei. Era de uma beleza estonteante. No centro dela havia uma grande rocha, diante da qual o chão era escurecido de ferrugem. “Deve ter sido aqui que Luth sentou-se perto do fogo”, pensou Mandred respeitosamente.
As paredes estavam cobertas de gelo brilhante. Parecia haver luzes presas por detrás delas. Assemelhavam-se a pequenas chamas e moviam-se para cima, até o teto, onde seu brilho se refletia em centenas de cristais de gelo. Dentro da caverna era quase tão claro quanto em uma campina em um dia de verão.
Entre os cristais de gelo, desciam do teto colunas de rocha que se fundiam a robustos espinhos, também de rocha, que vinham do chão. Mandred nunca vira algo assim antes. Era como se aqui a rocha crescesse, assim como os cristais de gelo cresciam, descendo dos telhados das casas comunais. Este era mesmo um lugar dos deuses!
Os três elfos também já haviam entrado e olhavam em volta, admirados.
— Estou sentindo apenas cinco — disse Vanna.
Mandred olhou para os companheiros. Não havia mais ninguém ali além deles!
— Cinco o quê?
— Neste lugar cruzam-se cinco trilhas albas. Para os conhecedores, aqui se abre um caminho entre os mundos. Quem começa sua viagem num local como este não irá se perder. Mas este portal está selado. Não acho que sejamos capazes de abri-lo.
Mandred encarou os elfos, admirado. Não entendia nem uma palavra do que diziam. Maluquices de elfo!
— E vocês também não abrirão este portal, pois sua viagem termina aqui — ressoou uma voz em seus pensamentos.
Apavorado, o jarl deu a volta. Ali estava a besta, na entrada da caverna. Agora a criatura parecia ainda maior que na noite que o encontrou pela primeira vez. E isso porque a enorme figura estava bastante curvada.
A cabeça do devanthar era a cabeça de um javali selvagem, densamente coberta por cerdas negras. Só os seus olhos azuis não lembravam os de um animal. Brilhavam, debochados. Em seu focinho cresciam presas longas como punhais.
Seu torso era como o de um homem forte, mas os braços eram bem mais longos e pendiam quase até os joelhos. A forma das pernas era uma mistura de membros humanos e patas traseiras de javali. Elas terminavam em grandes cascos fendidos.
O monstro abriu bem as mãos, e das pontas de seus dedos despontaram garras. Mandred sentiu-se mal diante dessa visão. O devanthar tinha mesmo se transformado! Ele não tinha garras tão longas quando atacou a ele e a seus três companheiros na clareira perto de Firnstayn.
O lobo soltou um rosnado grave e gutural. Havia baixado as orelhas e colado a cauda entre as patas traseiras. Tinha, ao mesmo tempo, recolhido os beiços, e mostrava os dentes de forma ameaçadora.
O devanthar ergueu a cabeça e soltou um grito horripilante, um urro surdo que se tornou cada vez mais agudo até virar um guincho estridente.
Vanna apertou as mãos sobre os ouvidos e pôs-se de joelhos. Seria um feitiço? Mandred avançou, e um pedaço de gelo caiu diante de seus pés. O guerreiro olhou para o teto, assustado. No mesmo instante, centenas de cristais de gelo soltaram-se do teto, despencando como punhais de vidro.
Mandred pôs as mãos sobre a cabeça para se proteger. O som do gelo se estilhaçando tomou conta da caverna. Algo arranhou sua testa. Junto a ele despencou um cristal de gelo do tamanho de um braço, despedaçando-se no chão. Também sentiu algo atingir suas costas. E uma forte cacetada atingiu a parte de trás de sua cabeça.
Vanna estava no chão, deitada e muito encolhida. Um cristal de gelo trespassara sua coxa, e sua calça de couro de antílope estava encharcada de sangue. Nuramon fora atingido na cabeça, e estava recostado numa coluna de pedra, tonto, esfregando a testa. Só Farodin parecia não estar ferido.
— Chega de brincadeira! — O elfo puxou ambas as espadas e ergueu uma das lâminas. — Você reconhece esta arma? O seu dono está morto, e agora você irá encontrá-lo. Vai ser com ela que vou arrancar a sua vida!
Em vez de responder, o devanthar correu para dentro da caverna. Vanna tentou se arrastar para fugir dele, mas, antes que seu coração batesse de novo, a criatura já estava em cima dela. Com um simples tapa com as costas da mão, ele a nocauteou completamente. Pisoteou-a com um dos cascos. Seu crânio espatifou-se como um jarro de vinho que cai sobre o chão de pedra.
Nuramon lançou-se sobre o monstro com um grito estridente. Mas o devanthar reagiu surpreendentemente rápido. Desviou o golpe de espada com um movimento firme e, com sua mão em garra, dilacerou a capa do elfo.
Mandred pulou para a frente e tentou cravar a lança entre as costelas da fera. Um golpe de garra atingiu a lâmina, e por pouco não arrancou a arma da mão do guerreiro. Mandred escorregou no chão repleto de gelo.
O lobo enterrou seus dentes em uma das pernas do devanthar, enquanto Farodin o atacava com um turbilhão de golpes. Mas, em vez de desviar das espadadas, a criatura saltou para a frente e atacou, com força, usando uma de suas garras. Farodin recuou, esquivando-se, mas não o suficiente para evitar os quatro profundos sulcos que se formaram na sua face esquerda. O lobo arrastava a perna do devanthar. Mandred desejou que não tivessem deixado o outro lobo com os cavalos. Aqui ele seria de grande ajuda!
A fera fez uma volta e deu uma forte pancada nas costas do lobo. Mandred ouviu um estalo intenso. O animal ganiu. Trêmulas, suas patas traseiras vergaram-se para o lado, enquanto seus dentes continuavam cravados na perna do inimigo. Sangue claro brotava entre as cerdas negras. No entanto, bastou um simples pisão com um dos cascos para despedaçar a mandíbula e os dentes do lobo.
O devanthar se remexeu de forma selvagem. Nuramon tentara atacá-lo por trás. Um golpe de garra na mão do elfo derrubou a espada curta, e uma segunda pancada dilacerou a couraça de pele de dragão que lhe cobria o peito.