De repente soaram passos diante de seu quarto. A porta foi aberta e ela ouviu a voz de Obilee chamar seu nome. Sua confidente se achegou, sentou-se a seu lado e tocou-a.
— Noroelle!
Desesperada, Noroelle tentou recobrar o domínio sobre seu corpo.
Obilee se levantou e fechou as folhas da janela. Então retornou até Noroelle e a cobriu.
De repente Noroelle parou de respirar, agitou-se, e no momento seguinte era novamente senhora do seu corpo. Abriu os olhos e ergueu-se num pulo.
Obilee se assustou.
— Nuramon!
A jovem elfa não conteve um sorriso.
— Eu estava sonhando, Obilee.
Noroelle viu sua camisola estendida a seu lado. E sabia que a janela tinha estado aberta.
— Foi mais que um sonho. Ele esteve aqui... Ele esteve mesmo aqui! — De repente, parou. — Se ele esteve aqui, então...
Então a Caçada dos Elfos fracassara. Foi exatamente como Nuramon disse no sonho. Tudo estava terminado.
Seus amados estavam mortos.
O feitiço de cura
Nuramon estava diante do devanthar morto como se estivesse anestesiado. O demônio fizera algo antes que Mandred o abatesse. Um sopro de magia o envolvera como uma sombra. Agora a besta jazia ali, inerte, com a lâmina da lança de Mandred atravessada pelo olho. O filho de humanos estava ajoelhado, e respirava com dificuldade.
Nuramon chacoalhou-se. Finalmente conseguia pensar claramente de novo. Voltou-se e viu os corpos sem vida de Vanna e do lobo. Farodin estava deitado de costas, com uma ferida profunda no peito.
Em um instante, Nuramon estava junto dele.
— Farodin! — chamou ele; mas seu companheiro perdera a consciência. Sua respiração era tênue e mal era possível sentir o seu pulso. Apesar dos riscos ensanguentados na face, para Nuramon seu rosto lembrava o de uma criança adormecida.
O elfo havia prometido a Noroelle que ambos voltariam para ela. E agora a vida de Farodin se esvaía diante de seus olhos. Junto com o fraco vapor de sua respiração, dissipavam-se também todas as esperanças. Pois não havia como curar um morto.
Nuramon agarrou a mão do colega, que ainda não estava totalmente fria. Ainda era possível sentir um pouco de calor. Certa vez sua mãe lhe dissera que existia um limiar; uma vez ultrapassado, não havia nada a fazer além de assistir a morte de um filho de albos. Ao observar aquele ferimento tão profundo, ele sabia que não era possível salvar Farodin.
O seu companheiro fizera o impossível para salvá-los. Nuramon devia sua vida a ele, e tinha de tentar tudo, assim como estava em dívida com Noroelle. Agora cabia a ele tentar o impossível. Se este era o fim e não havia mais nada a ganhar, então ao menos morreria tentando salvar Farodin.
Fechou os olhos e pensou mais uma vez em Noroelle. Ele viu seu rosto diante dele — e então iniciou o feitiço.
A dor veio imediatamente e avançou profundamente em seu corpo. Era como se cada veia dele se transformasse em um fio em brasa.
Nuramon ouviu seu próprio grito. Algo havia agarrado a sua garganta e ele precisava batalhar por cada respiração. Perderia seu fôlego para que Farodin pudesse recuperar o dele? Então algo segurou seu coração e apertou-o sem piedade. A dor o dominou. Queria soltar Farodin, mas não sentia o que estava fazendo. Era como se não tivesse mais corpo. Pensou em Noroelle. Por ela, queria segurar Farodin a qualquer preço e suportar esse tormento. Não sabia se ele mesmo ainda estava vivo, e também não sabia como Farodin estava. E sabia ainda menos quanto tempo havia se passado. O sofrimento preenchia todos os seus sentidos. Tudo o que lhe restava era um único pensamento: não soltar!
Nuramon de repente se sobressaltou. A dor fluiu de suas mãos. Ficou com tontura, e seus sentidos se confundiram. Ouviu uma voz dizer o seu nome. Ao levantar os olhos, viu uma sombra falar com ele. Demorou muito até reconhecer a voz de Mandred.
— Droga! Diga alguma coisa!
— Noroelle! — Sua voz soou estranha, como se viesse de uma grande distância.
— Vamos, não faça isso comigo! Fique acordado!
Nuramon viu-se de cócoras ao lado de Farodin. Ainda tocava o seu peito e enlaçava sua mão. Logo sentiu as batidas do coração do companheiro. A respiração dele retornara. Diante de sua boca, um hálito pálido cortava o ar gelado.
Nuramon tinha frio. Suas artérias pareciam ter virado gelo. Será que morreria ou a vida retornaria para dentro dele? Não sabia dizer.
Finalmente olhou Mandred nos olhos. O filho de humanos o observava, cheio de respeito.
— Você é um grande mestre da feitiçaria! Salvou a vida dele.
Mandred pôs a mão sobre seu ombro.
Nuramon soltou a mão de Farodin e deixou-se cair. Esgotado, olhava para o teto e observava o brilho mágico por trás do gelo. Só muito lentamente encontrava a calma interior.
De repente, Mandred percebeu o que acontecia.
— Você está ouvindo?
Nuramon escutava. Percebeu um ruído ao longe.
— O que é isso?
— Não sei. — O filho de humanos puxou a lança do crânio do devanthar. O cabo da arma estava destruído, mas ainda tinha o comprimento de um braço. — Vou checar.
Nuramon sabia que esse ainda não era o fim. Ainda precisava checar se Farodin estava realmente curado. Cansado, ergueu-se e examinou o amigo. Ele dormia calmamente, e o ferimento se fechara totalmente. Nuramon conseguia sentir que a força de Farodin crescia a cada respiração. Estava feito! Não quebrara a sua promessa!
Da entrada da caverna veio um grunhido agudo, que parecia não ter fim. Nuramon agarrou a espada, apavorado. Quando Mandred chegou perto, voltou a baixar a arma.
O filho de humanos parecia inquieto.
— Tem alguma coisa podre lá!
Nuramon se levantou. Ainda estava tonto.
— O que há?
— Venha, veja você mesmo!
Ele seguiu Mandred por alguns passos, e então olhou de volta para Farodin. Deixá-lo perto do devanthar morto era contra a vontade. Mas Mandred estava muito perturbado. Então acabou seguindo-o, apressadamente.
Ao chegar à saída da gruta, Nuramon não acreditou no que seus olhos viam. Havia uma espessa parede de gelo bloqueando o caminho para fora da caverna, e obstruindo a visão de fora. Do outro lado, uma luz cresceu aos poucos e depois diminuiu de novo.
— O que é isso, Nuramon? — perguntou Mandred.
— Não sei dizer.
— Tentei fazer um buraco no gelo com a lança. Mas parece que não dá. — O filho de humanos ergueu a lança e fincou a ponta com toda a força contra o gelo, mas ela apenas resvalou com um ruído. Mandred passou a palma da mão sobre a parede. — Nem um arranhão. — E encarou Nuramon, cheio de expectativa. — Talvez você possa usar as suas mãos e...
— O que eu faço é curar, Mandred. Nada mais que isso.
— Eu sei o que vi. Você buscou Farodin de volta da morte. Tente!
Nuramon abanou a cabeça, contrariado.
— Mas não agora. Preciso descansar. — O elfo sentia nitidamente o feitiço que agia sobre a parede de gelo. Seria vingança do devanthar? — Vamos voltar.
Mandred cedeu contra a vontade. Nuramon o seguiu, pensando na luta contra o devanthar. Tinham se saído bem; o filho de humanos honrara o seu povo e também os lobos e os elfos, os filhos dos albos. Mas não podiam ter vencido assim tão fácil. Ou será que se superaram tanto em sua ira que sua força se igualara à dos albos?
Uma vez de volta ao lugar da batalha, Nuramon encarou o devanthar morto. Mandred os observou.
— Nós derrotamos essa fera. E também vamos abrir o muro de gelo!
O filho de humanos estava enganado. Mas como podia estar tão certo disso? O devanthar era um inimigo dos albos. Para conhecer a medida correta do seu triunfo, deviam tomar os albos como parâmetro e se perguntar como um deles avaliaria a situação. Era justamente o que Nuramon tinha a fazer. Um albo só suporia uma coisa...
— Nós vamos congelar! — disse Mandred, arrancando Nuramon de seus pensamentos. O filho de humanos sentou-se com sua lança perto de Farodin. — Você não vai conseguir descansar aqui, Nuramon. Precisamos tentar passar por essa parede de gelo enquanto você ainda tem forças.