Noroelle interrompeu a rainha.
— Ele é meu filho, filho de uma elfa! E por isso ele descende de albos.
Os presentes na sala estavam indignados. O guerreiro Pelveric gritou:
— Como você ousa?
Todos concordaram, mas Emerelle permanecia calma. Ergueu a mão e o silêncio retornou.
—Noroelle, se você é água, então o pai dessa criança é fogo.
Noroelle percebeu ao que a rainha se referia. E, de repente, ficou com medo.
— Por favor, diga quem é o pai dessa criança. Um humano, por acaso? — Lembrou-se então das orelhas arredondadas de seu filho. — Não, já houve algumas vezes relações entre homens e elfos. Não, Noroelle. — Ela se ergueu. — Nada mais é como já foi um dia. Naquela noite, quando o filho de Noroelle foi concebido, iniciou-se algo que agora precisamos terminar com toda a força. Por tantos anos vivemos em segurança, mesmo quando foi necessário lutar contra trolls ou dragões. Lembro-me dos tempos em que o mundo que há entre o nosso e o dos humanos ainda florescia. Conheço a mais mortal de todas as ameaças. Nunca vou me esquecer do que os albos me deixaram ver quando estavam partindo: eu fui testemunha da queda do Mundo Partido. Vi a última batalha contra os inimigos dos nossos semelhantes: os devanthares!
Noroelle ficou paralisada. Nunca o nome dos velhos inimigos fora pronunciado em voz alta nesta sala.
— O ser que os seus amados tiveram de caçar era um devanthar — disse Emerelle. — Quando o lobo da Caçada dos Elfos retornou, isso ficou claro para mim, pois na pobre criatura ferida ainda estava impregnado o cheiro daquele mal que já deveria ter sido vencido há muito tempo!
— Então um devanthar matou Farodin e Nuramon?
— Eu queria saber responder. Mas uma coisa é certa: ele venceu, pois veio até você naquela noite e gerou o seu filho.
Era como se as palavras da rainha tivessem anestesiado Noroelle. Era impossível! Ela sonhara com Nuramon… Agora diziam que aquela visão havia sido na verdade a carranca de um demônio? Olhou em volta de si e percebeu o horror e a aversão dos presentes. Os guerreiros atrás dela recuaram. Até Obilee empalideceu.
A rainha continuou.
— Quando vi a criança, fui acometida por uma obscura noção de quem era o seu pai. — Apontou para a tigela mágica. — E quando, tomada pela dúvida, olhei dentro da água, a ilusão do devanthar revelou-se para mim. Naquela ocasião ele infiltrou-se no coração da Terra dos Albos sem que percebêssemos.
A agitação no salão crescia. Um tio de Nuramon gritou:
— E se esse demônio ainda estiver praticando o mal por aqui?
A rainha fez um gesto, tentando acalmar a todos.
— A pergunta é de direito, Elemon. Mas eu lhe asseguro que ele esteve aqui somente naquela noite e que depois retornou ao Outro Mundo.
— Mas ele poderia voltar — retrucou Elemon.
— Para ele, estava claro que eu o reconheceria se ficasse muito tempo na Terra dos Albos. Agora que sei sobre ele, verei-o assim que tentar novamente penetrar neste mundo. Não, meus filhos dos albos, o demônio plantou a sua semente. Com isso, o seu trabalho foi feito.
— De onde ele veio? — perguntou mestre Alvias, que em outros casos raramente tomava a palavra. — Não dizem que todos os devanthares foram eliminados pelos albos?
— Esse deve ter sobrevivido a todas as batalhas.
— O que você fez conosco! — gritou Pelveric, acusando Noroelle. — Como você foi capaz de se deixar seduzir por esse demônio?
A rainha pôs em palavras o que Noroelle estava pensando.
— Porque o amor dela foi maior que a razão.
— O que posso fazer? — perguntou Noroelle em voz baixa. — Se assim pedir, procurarei o devanthar e lutarei contra ele.
— Não, Noroelle, isso não é trabalho seu. Só me diga onde está a criança!
Noroelle encarou o chão. Sentiu que não era correto trair o bebê. Não vira nada de demoníaco no recém-nascido. Além disso, ela sequer conseguiria encontrar o caminho de volta até o seu filho.
— Eu não sei onde ele está. Levei-o até o Outro Mundo. Não gostaria de dizer mais nada.
— Mas é uma criança-demônio, filha de um devanthar! Aquele ser que possivelmente aniquilou os seus amados.
— Posso ter me enganado no sonho, mas jamais vi algo mais evidente que a inocência dessa criança. Não vou permitir que nada de ruim aconteça a ela.
— Por qual portal você adentrou o Outro Mundo?
— Por um lugar onde duas trilhas albas se cruzam. — Noroelle sabia que havia muitos lugares assim na Terra dos Albos.
— Diga-me onde fica essa estrela alba!
— Só direi isso se você me jurar por todos os albos que meu filho não corre nenhum risco.
A rainha calou-se longamente e encarou Noroelle.
— Não posso jurar isso. Precisamos matar a criança. Caso contrário, grandes desgraças recairão sobre nós. Esse bebê um dia aprenderá a arte da feitiçaria. Ele é perigoso demais para o deixarmos viver. Você é mãe e certamente deve amá-lo, mesmo que seja um demônio. Mas pense no preço que a Terra dos Albos terá de pagar pelo seu amor, caso você se cale.
Noroelle hesitou.
— Se meu filho perder a vida, sua alma então renascerá?
— Essa é uma pergunta cuja resposta eu desconheço. A criança não é nem devanthar nem elfo. Pense em fogo e em água! Pode ser que sua alma se perca entre os dois. Mas também pode ser que, ao morrer, a alma do seu filho se divida e o filho de albos e o devanthar sejam separados. Só assim o filho de albos renasceria.
Noroelle estava desesperada. Um devanthar! Deveria estar com asco, mas não conseguia. Não era capaz de ver o seu filho como um demônio. Ela o concebera com amor. Poderia ser ruim? Não, as mães sabem sobre a alma de seus filhos. E ela não vira qualquer maldade em seu bebê. Mas não havia nenhuma outra prova disso além da sua palavra — todo o resto falava contra ela. Ela sabia que a sentença da rainha poderia lhe custar a vida. Tinha, porém, a certeza de renascer. E por isso disse:
— Se essa vida é a única que o meu filho poderá ter, não posso entregá-lo à morte.
— Mas às vezes é necessário sacrificar o que amamos.
— Posso sacrificar a minha própria vida ou a minha própria alma. Mas não posso decidir sobre a vida ou a alma de outra pessoa.
— Talvez você já tenha feito isso uma vez. Você se lembra das suas palavras? “No que você contar com eles, eles o farão por mim.” Você não era a amada de Farodin e Nuramon? Pode ser que o devanthar tenha matado suas almas. Talvez você já tenha destruído uma vez aquilo que amava.
Noroelle ficou furiosa.
— Você é Emerelle, a rainha! E eu agradeço a você que tenha desmascarado o meu visitante naquela noite, que foi uma farsa. Isso me devolve as esperanças de que Nuramon e Farodin ainda estejam vivos. Não há certezas sobre o destino dos meus amados. Mas, mesmo que eu os tenha enviado em direção à ruína, isso aconteceu porque eu não sabia do perigo real. E como eu poderia saber o que nem a rainha sabia? Mas, se eu traísse meu filho agora, então estaria conscientemente pondo o peso da culpa sobre os meus ombros.
Emerelle pareceu não se impressionar.
— É a sua última palavra? — foi só o que perguntou.
— Sim, é a minha última palavra.
— Você levou a criança sozinha? Alguém a ajudou? — disse olhando para Obilee, que tremia.
— Não. Obilee só sabia que eu queria manter meu filho longe de qualquer sofrimento.
A rainha dirigiu-se a Dijelon.
— Obilee o atrapalhou de alguma forma, ou mentiu?
— Não, ela estava com medo demais para isso — respondeu o guerreiro, encarando Noroelle com seus frios olhos cinzentos.
A rainha voltou-se para Noroelle.
— Então ouça a minha sentença.
Ela levantou os braços, e de repente a água voltou a fluir da nascente.
— Você, Noroelle, assumiu uma grave culpa. Mesmo sendo uma feiticeira poderosa, não conseguiu distinguir entre o seu amado e um devanthar. Quando a criança-demônio crescia em você, não foi capaz de reconhecer a sua verdadeira natureza. Seu amor pelo filho é tão grande que sacrificaria até os povos da Terra dos Albos por ele. E mesmo diante da verdade, você coloca a vida de seu filho acima da vida de todos. Embora como elfa eu a entenda, como rainha não posso aceitar a sua decisão. Você traiu a Terra dos Albos e me obriga a puni-la. Você não deve sofrer a morte com esperança de renascimento, mas o exílio. Mas não deve ser levada a terras distantes ou ao Outro Mundo. Sua punição é o exílio eterno em uma ilha do Mundo Partido. O portal para esse lugar não existirá na Terra dos Albos, e ninguém poderá encontrar o caminho até você.