Um medo gelado se apoderou do coração de Noroelle. Essa era a pior punição que alguém poderia dar a um filho de albos. Ela voltou-se para a corte, mas nos rostos dos presentes encontrou somente aversão e ira. Então pensou em seu filho e a lembrança do seu sorriso lhe deu forças para percorrer até o fim o caminho que o destino lhe impusera.
— Você viverá eternamente nesse lugar. Caso procure a morte, não poderá ter esperanças de renascer — proclamou Emerelle com sua voz sem emoção —, pois sua alma também não poderá deixar o local do exílio.
Noroelle sabia o que isso significava. Ela jamais partiria para o luar. Em um lugar como aquele, um filho de albos jamais encontraria o seu destino.
— Você cumprirá a sua pena? — perguntou Emerelle.
— Sim, cumprirei.
— Você tem direito a um último desejo — disse a rainha.
Noroelle tinha muitos desejos, mas não podia expressar nenhum deles. Ela queria que nada disso tivesse acontecido. Queria que seus amados estivessem aqui e pudessem salvá-la, fugindo com ela para um lugar onde ninguém os encontraria. Mas eram somente sonhos.
Noroelle olhou para Obilee. Ela ainda era tão jovem. Certamente o fato de ter sido sua confidente a prejudicaria.
— Só quero uma coisa de você — disse Noroelle, por fim. — Não veja em Obilee a minha desonra. Ela não tem culpa, e tem um grande futuro diante de si. Por favor, aceite-a em seu séquito. Deixe-a representar Alvemer. Com a certeza de que esse desejo se realizará, partirei tranquila para o infinito.
A expressão de Emerelle mudou, e seus olhos brilharam. O frio inacessível sumiu de seu semblante.
— O seu desejo será realizado. Use este dia para se despedir. Hoje à noite irei ao seu lago. Então partiremos.
— Obrigada, minha rainha.
— Agora vá!
— Sem os guerreiros?
— Sim, Noroelle. Leve Obilee e aproveite este seu último dia da forma que quiser.
Obilee veio até Noroelle e enlaçou-a nos braços. Então passaram lado a lado entre os membros da corte. Noroelle sabia que nunca retornaria a esta sala. Despedia-se a cada passo. Seu olhar banhou-se no mar de rostos, conhecidos e desconhecidos. Mesmo aqueles que a puniram com seu desprezo ao chegar tinham a compaixão estampada em suas fisionomias.
O exílio
Noroelle apanhou três pedras mágicas que repousavam no fundo do lago há tantos anos. Escolhera um diamante, uma almandina e uma esmeralda e voltou-se para Obilee, que estava sentada à margem e brincava com os pés descalços na água. Repousou as três pedras sobre uma rocha plana, perto da jovem elfa. Então secou-se e pôs o seu vestido verde. Era o mesmo que usara na ocasião da partida dos seus amados.
— O diamante é para você —, apontou para o brilhante.
— Para mim? Mas você disse que eu devo...
— Sim. Mas são três. Este aqui é seu. Pegue-o!
Noroelle não tivera muito tempo para ensinar a Obilee os segredos da magia. A pedra prestaria bons serviços à aluna. Era como se tivesse sido feita para ela.
Obilee ergueu o cristal contra a luz do dia, que já se esvaía.
— Vou fazer um pingente com ela, para colocar em uma corrente. Ou assim ela perde o seu feitiço?
— Não, não perde.
— Ah, Noroelle... Eu não sei como vou fazer sem você.
— Você vai conseguir. O Carvalho dos Faunos vai ajudar. Ele vai ensinar a você o que já me ensinou um dia. Ollowain vai ensiná-la a lutar com espadas, já que você é uma herdeira de Danee. — Noroelle já se ocupara de todos os preparativos. Sua confidente ficaria bem.
Também havia pensado em todo o restante. Para si mesma, embalara algumas outras coisas em uma bolsa. Não precisaria de mais que isso. À sua família destinara algumas palavras, que Obilee transmitiria pessoalmente.
— Você se lembra de tudo o que eu disse? — perguntou.
— Sim. Nunca vou me esquecer das suas palavras. Guardei até os seus gestos e tom de voz. Será como se você mesma estivesse falando.
— Isso é bom, Obilee. — Noroelle observou o sol que se punha. — Logo a rainha deve estar aqui, trazendo a Pedra dos Albos. Ela é necessária para lacrar o portal com uma barreira, impedindo a passagem.
— Eu a acompanharei aonde quer que você vá.
— Use a razão, Obilee! Estou banida para sempre. Por que você jogaria a sua vida fora?
— Assim, pelo menos você não estaria sozinha.
— Isso é verdade. Mas então em vez de chorar por estar sozinha, eu choraria por sua causa. — Noroelle deu um passo para trás. O desespero no semblante de Obilee a comovia. — A rainha jamais permitiria que alguém me acompanhasse em meu exílio.
— Eu poderia fazer esse pedido.
— Mas entenda... O pensamento em você aqui me consolará. Se pensar em mim, às vezes vai ficar desconsolada, mas então lembre que estarei presente em tudo o que você fizer.
— Mas, se eu ficar, a tristeza será uma sombra sufocante sobre a minha vida!
— Então bastará vir até aqui. Aqui eu passei um tempo que foi precioso para mim. Despertei a magia da nascente e pus as pedras mágicas no lago. Aqui eu fui feliz com Farodin e Nuramon. E aqui você também foi apresentada a mim.
— E aqui você também teve o seu filho — disse Obilee, olhando tristemente para a água.
— É verdade. Mas disso eu me lembro sem tristeza ou mesmo raiva. Eu amo meu filho, mesmo que ele seja o que a rainha vê nele. E preciso pagar por isso. Mas você... Você pode aprender com os meus erros.
De repente Noroelle ouviu passos na grama. Deu meia-volta e ergueu-se quando reconheceu, à meia-luz, a silhueta graciosa.
Emerelle vestia uma túnica longa e azul, bordada com fios de prata e ouro. Noroelle não conhecia esse traje, apesar de já ter visto muitas túnicas da rainha. Na seda havia velhos símbolos de runas. Na mão esquerda, Emerelle trazia uma ampulheta, enquanto a direita estava cerrada.
Agora ela sabia qual feitiço a rainha pronunciaria para impossibilitar que chegassem à prisão de Noroelle. Depois de levá-la ao lugar estranho, Emerelle quebraria a ampulheta em uma trilha alba, de forma que os grãos de areia se espalhassem por todos os ventos. Jamais alguém conseguiria voltar a reuni-los e consertar o vidro novamente. E a barreira perduraria por toda a eternidade.
Emerelle mostrou-lhe o que havia em sua mão direita. Era uma pedra áspera, com cinco sulcos, que irradiava um brilho vermelho. Então era essa a Pedra dos Albos da rainha! Noroelle sempre quis ter permissão para vê-la uma vez. Mas nunca pensou que isso aconteceria nessas circunstâncias.
Noroelle sentia o poder da pedra. Ela ocultava, contudo, o seu poder real. Quem não conhecesse o seu segredo certamente poderia pensar que era uma pedra mágica como qualquer outra que havia em seu lago. Mas, na verdade, aquela tinha um poder com o qual Noroelle nunca se atrevera a sonhar. Dizia-se que toda a Terra dos Albos tirava o seu poder daquela pedra. Com ela, a rainha podia abrir ou fechar portais, criar ou destruir trilhas albas. E, com ela, criaria uma barreira intransponível que bloquearia o acesso a seu local de exílio. Disto seria feita a sua prisão: a Pedra dos Albos seria o muro, e a areia da ampulheta, a fechadura.
Noroelle virou-se para Obilee e abraçou-a.
— Você é como uma irmã para mim. — Ouviu a amiga começar a chorar, e tentava ela mesma conter as lágrimas. Deu um beijo de despedida na testa dela. — Adeus!