— Adeus, e lembre-se sempre de mim.
Não conseguiu mais conter as lágrimas. Apanhou a bolsa com as mãos trêmulas, e pôs-se diante da rainha.
Emerelle observou-a demoradamente, como se quisesse ver nos olhos de Noroelle se havia pronunciado a sentença certa. Mostrava-se tão solene ao fazer isso que todas as dúvidas que Noroelle tivera sobre a rainha se dissiparam. Então Emerelle deu meia-volta e pôs-se em marcha.
Noroelle olhou para trás mais uma vez, para Obilee. Certamente não seria fácil para a jovem elfa. Mas ela encontraria o seu destino — disso Noroelle tinha certeza. Pensou em Farodin e Nuramon. Dissera a Obilee tudo o que precisava saber para o caso de eles voltarem. A impressão que tivera ao ver a Caçada dos Elfos partir não estava errada: ela não voltaria a ver os seus amados.
Seguiu a rainha sem sentir antipatia por ela. Emerelle era a sua soberana e isso nunca mudaria. Ao longo do dia perguntara-se várias vezes o que teria feito se não se tratasse do seu filho. Precisou reconhecer que teria apoiado a decisão da rainha. Mas, como era a mãe da criança, preferia encarar a eternidade diante de si a ferir sua carne ou derramar o seu sangue. E era por isso que agora precisava deixar este mundo. Uma elfa não podia mudar o seu destino, mesmo que ele nunca fosse conduzi-la ao luar.
Olhou para trás uma última vez e sorriu. Enquanto o seu lago existisse, os filhos dos albos sempre se lembrariam de Noroelle, a feiticeira.
A saga de Mandred Torgridson
Svanlaib era filho de Hrafin, de Tarbor. O jovem humano tinha só vinte invernos de vida, mas já dispunha da força de um urso. Construía os melhores barcos dos fiordes e fazia para seus vizinhos estátuas do tecelão do destino. Um dia, o velho Hvaldred, filho de Heldred, veio até ele e contou-lhe a história dos barbas de ferro de Luth, que ficavam no topo das montanhas, do outro lado de Firnstayn, e indicavam o caminho até a gruta do tecelão do destino. E Hvaldred também lhe contou que os barbas de ferro de Luth haviam sofrido desonras. A gruta fora profanada, era o que diziam os sábios. Ali ninguém mais podia fazer oferendas ao tecelão.
Ao ouvir o relato, Svanlaib foi tomado pela ira e decretou:
— Irei até Firnstayn, subirei as montanhas e lá serei o primeiro a exigir reparação pelos crimes.
Do tronco de um carvalho, esculpiu um novo retrato do tecelão do destino. E todos em Tarbor homenagearam Luth, de forma que uma barba de ferro cresceu no tecelão de madeira.
Svanlaib pegou suas coisas e dirigiu-se para Firnstayn, cruzando neve e gelo e carregando a estátua de Luth nas costas. Lá encontrou os barbas de ferro e fez oferendas a eles, como exigia a tradição. Seguiu o caminho que os barbas de ferro indicavam e finalmente chegou à gruta de Luth. Encontrou-a fechada pelo hálito de Firn. Fez uma cara enfurecida, erguendo sobre a cabeça o barba de ferro que fizera. Luth então destruiu a barreira à qual as forças dos heróis nada eram capazes de causar.
Svanlaib esperou; não ousava pisar na caverna. Então ouviu vozes e passos em sua direção. Diante dele estava o filho de Torgrid. Sua figura era jovem, e seus cabelos, vermelhos. Ao seu lado estavam dois filhos de albos. Eram elfos da Terra dos Albos.
Svanlaib perguntou quem eram esses que saíam da caverna. Não conhecia o filho de Torgrid, que se apresentou:
— Sou Mandred Aikhjarto, filho de Torgrid e de Ragnild!
Svanlaib admirou-se, pois muito se contava sobre Mandred Torgridson e o demônio que ele acossara, e principalmente sobre o desaparecimento de caçador e caçado. Diziam que Mandred atracara-se com a besta e que juntos haviam caído em uma fenda na geleira. Tudo isso para salvar a sua aldeia.
Então Svanlaib perguntou ao poderoso Mandred o que acontecera. E Mandred deu a seu libertador a notícia da morte do homem que era também um javali. E agradeceu-lhe por ter quebrado com a força de Luth o gelo que bloqueava a caverna. Sobre os elfos, disse que o haviam ajudado. Chamavam-se Faredred e Nuredred. Eram irmãos e príncipes elfos, que estavam a serviço de Mandred.
O filho de Torgrid apanhou o barba de ferro que Svanlaib projetara e carregara e colocou-o no lugar onde jaziam os restos queimados do barba de ferro profanado. Em honra de Luth, Mandred depositou o crânio do devanthar aos pés da imagem.
O que ocorreu na caverna permaneceu oculto a Svanlaib, e só mais tarde foi revelado. Lá, Mandred conversara com Luth, com os elfos como testemunhas. O tecelão do destino revelara ao filho de Torgrid o seu fardo. E a partir daquele dia o tempo não teve mais qualquer poder sobre Mandred. Mas Luth não lhe contara o preço que teria de pagar por isso. Então Mandred retornou com Svanlaib e os irmãos elfos a Firnstayn.
O preço da palavra
O céu da primavera era de um azul tão límpido que os olhos de Mandred inundaram-se de lágrimas à sua visão. Finalmente livres de novo! Sem distinguir o dia da noite, era difícil dizer quanto tempo estiveram dentro da caverna. Mas era possível que somente poucos dias tivessem passado. Além disso, provavelmente havia algum feitiço em ação, pois de que outra forma poderiam ter entrado na gruta durante o inverno e deixá-la agora na primavera?
O olhar de Mandred seguiu uma águia que voava bem alto, com suas asas majestosamente abertas, em grandes círculos sobre a clareira.
Ali em cima das montanhas, o inverno nunca partia. Mas o sol iluminava os seus rostos enquanto andavam no gelo, descendo até o fiorde.
Seus companheiros estavam calados. Naquela manhã sepultaram Vanna e o lobo morto em uma pequena caverna afastada do Vale de Luth. Os elfos entregavam-se silenciosos aos seus pensamentos. E Svanlaib... O construtor de barcos tinha algo de estranho. É claro que até certo ponto o seu comportamento podia ser explicado pela reverência que sentia pelos elfos. Afinal, que outro mortal já tivera a chance de encontrar em pessoa os personagens cujas sagas emocionantes eram cantadas pelos bardos? Mas ainda havia algo mais no comportamento de Svanlaib. Algo latente. Mandred sentia o olhar cerimonioso do homem sobre as suas costas. Svanlaib lhe fizera algumas perguntas estranhas. O construtor de barcos parecia conhecê-lo.
Mandred sorriu satisfeito. Isso não era de se admirar! No fim, havia abatido sete homens sozinho em nome do rei e prendido o até então invencível devanthar no alto das montanhas, atravessando-o com sua lança. Olhou para o cabo destroçado da arma, que levava na mão direita. Um pesado e sanguinolento saco pendia debaixo da longa lâmina da lança. Fora cortado da pele da fera, e guardava o seu fígado. “Manterei a minha palavra”, pensou Mandred, feroz.
A descida das montanhas até o fiorde durou três dias. Cada passo que davam os levava cada vez mais para dentro da primavera. O verde-claro e fresco enfeitava os galhos dos carvalhos. Era arrebatador o aroma das florestas, mesmo que as noites ainda fossem muito frias. Svanlaib fizera a Farodin e Nuramon inúmeras perguntas sobre a Terra dos Albos. Mandred estava feliz por ser poupado da tagarelice do construtor de barcos. Mas o homem o seguia com o olhar. Sempre que achava que Mandred não perceberia, encarava-o insistentemente. “Se esse cara não tivesse nos tirado da caverna, já teria sido apresentado a meus punhos há muito tempo”, pensava Mandred de quando em quando.
Quando finalmente saíram dos bosques e apenas um extenso pasto os separava de Firnstayn, Mandred começou a correr. Seu coração batia selvagem como um tambor quando chegou ao cume de onde podia ver o fiorde ao longe. Bem acima dele estava o rochedo com o círculo de pedra. Lá homenagearia os deuses, mas só depois de apertar Freya em seus braços...
E seu filho! Sonhara com ele na Gruta de Luth. No sonho, era um jovem rapaz que vestia um longo traje de malha de ferro. Um espadachim, cujo nome era conhecido em todas as terras dos fiordes. Mandred sorriu. Essa história de espada era certamente um engano. Um verdadeiro guerreiro lutava com machados! Logo ensinaria isso a seu filho.