Mandred estava admirado com a dedicação com que se havia trabalhado na aldeia. Três novas casas comunais haviam sido erguidas e o píer fora prolongado um pouco mais para dentro do fiorde. Ainda havia mais de uma dúzia de cabanas menores. A paliçada fora derrubada e substituída por um muro de terra batida bem mais abrangente.
Durante o inverno, algumas novas famílias deviam ter chegado ao vilarejo. Talvez a fome os tivesse expulsado de seus lugares de origem. O punho de Mandred fechou-se com mais força em torno do cabo da lança. Aparentemente haveria luta. Um homem não é um jarl por herança de sangue. Esse era um título que era necessário conquistar e certamente havia na aldeia vários rapazes de sangue quente que gostariam de disputar a sua posição. Mandred olhou para os seus companheiros, que nesse meio-tempo haviam cruzado o pasto. Se voltasse para casa com dois elfos a seu lado, talvez isso faria muitos pensarem bem antes de comprar briga com ele. A presença de Nuramon e Farodin em seu átrio era necessária por pelo menos uma noite. A maior quantidade possível de homens deveria vê-los. Dessa forma, até o fim do verão a história da caçada ao devanthar se espalharia e ecoaria mesmo nos vales mais remotos das terras dos fiordes.
Nuramon olhou para cima, para o círculo de pedras, cheio de saudade. Mas Mandred disse:
— Sejam meus hóspedes ao menos por uma noite, camaradas! Vamos beber ao pé da lareira em memória a nossos amigos mortos. — Hesitou por um momento antes de completar: — Assim vocês me farão um grande favor. Gostaria que todos os homens e mulheres da aldeia os vissem.
Os elfos trocaram um olhar. Foi Farodin quem concordou com a cabeça. E juntos iniciaram a descida até o fiorde.
Desde que revira a aldeia, Mandred estava tomado de uma agitação sem fim. Será que Emerelle já viera? Não, não podia ser! Um ano, ela dissera. Ainda lhe restava tempo. Encontraria um jeito de salvar o seu primogênito.
A aldeia... Havia algo de errado com Firnstayn. Crescera rápido demais. Embora tivessem feito muitas provisões para o inverno, elas nunca teriam sido suficientes para alimentar tantas bocas. E os telhados das casas novas... Sua madeira estava escurecida e dos cumes desciam caminhos brancos de excrementos de gaivota. As ripas de madeira pareciam já ter visto mais de um inverno chegar e partir.
Mandred lembrou-se de seus sonhos na Gruta de Luth. Eram sombrios e repletos de ruídos de armas. Neles havia encontrado trolls e guerreiros poderosos para, por fim, ver-se cavalgando sob um suntuoso estandarte branco, no qual se via um brasão que estampava um verde carvalho. Os homens que o seguiam estavam armados de forma estranha. Vestiam armaduras feitas totalmente de chapas de ferro e seus rostos estavam escondidos sob pesados elmos. Aos olhos de Mandred, pareciam um muro de aço. Até os cavalos estavam vestidos com o metal. Mandred também vestia uma armadura como essa. O guerreiro sorriu e tentou insistentemente afastar do pensamento essa atmosfera obscura. Essa história de armadura era um bom agouro! Para poder pagar por tanto aço, um dia ele seria muito rico. O futuro então prometia coisas boas. E, em pouco tempo, teria Freya em seus braços!
Ao alcançar a margem do fiorde, Mandred acenou com os braços e gritou em alto e bom som, para chamar a atenção para si.
— Ei, venham nos buscar! Aqui estão três heróis e um peregrino, e temos a garganta seca!
Naquele ponto o fiorde ainda tinha mais de cem passos de largura. Alguém no píer reparou neles e acenou de volta. Então um dos barcos usados pelos pescadores foi preparado. Dois homens remaram para atravessar o fiorde, mas pararam ainda a uma boa distância da margem. Mandred jamais vira qualquer um deles.
— Quem são vocês? E o que querem em Firnstayn? — perguntou o mais jovem deles, desconfiado.
Mandred contara com isso — que os elfos talvez os pusessem medo. Esguios e bem armados, eles não pareciam viajantes habituais. O fato de sequer serem humanos não era mesmo perceptível à primeira vista.
— Diante de vocês está Mandred Torgridson, e estes são meus companheiros Nuramon, Farodin e Svanlaib Hrafinson.
— Você tem o nome de um morto, Mandred! — A voz ressoou sobre a água. — Se isso é uma piada, Firnstayn não é o lugar certo para brincadeiras assim.
Mandred gargalhou.
— Não foi a besta que acabou com Mandred... Eu aniquilei o monstro. — Ergueu a lança bem acima da cabeça, para que pudessem ver bem o saco ali preso. — E aqui está o meu troféu. Vocês dois não devem ser daqui! Vão buscar o Hrolf Dentes Negros ou o velho Olav. Eles me conhecem bem. Ou tragam Freya até mim, a minha mulher. Ela vai partir a cabeça de vocês com a colher de pau se a deixarem esperando mais tempo.
Os dois homens trocaram algumas palavras e então levaram o barco até a margem. Ambos o olhavam de forma esquisita.
— Você é mesmo Mangred Torgridson? — perguntou respeitosamente o mais velho dos dois. — Estou reconhecendo você, mesmo que não pareça ter envelhecido nenhum dia desde a última vez que o vi.
Mandred encarou bem o homem. Nunca o tinha visto na vida.
— Quem é você?
— Sou Erek Ragnarson.
Mandred franziu a testa. Conhecia uma criança com esse nome. Um moleque atrevido de cabelo vermelho. Filho de seu amigo Ragnar, que o devanthar assassinara.
— Leve-nos até o outro lado — disse Svanlaib, entrando na conversa. — Vamos continuar essa conversa na frente de uma boa caneca de hidromel. A minha garganta está seca como um rio na estiagem, e este não é um bom lugar para acolher viajantes cansados. Pelo menos de mim vocês se lembram, não? Estive aqui na aldeia há um par de dias.
O pescador mais velho abanou a cabeça afirmativamente. Então fez um sinal para que entrassem no barco. Quando Nuramon e Farodin embarcaram, Mandred viu Erek furtivamente fazer o sinal do olho protetor. Teria reconhecido o que eram?
A travessia sobre o fiorde transcorreu em profundo silêncio. Erek olhava sobre os ombros a todo instante. Em uma das vezes pareceu querer dizer algo, mas então sacudiu a cabeça e virou-se novamente.
Anoitecia quando o barco atracou no píer. Saía fumaça de baixo das vigas das casas comunais. O cheiro era de peixe assado e pão fresco. Mandred ficou com água na boca. Finalmente comer direito de novo! Assado e hidromel em vez de amoras e água de nascente!
Mandred percorreu o píer com passos decididos. Sentia como se tivesse uma grande gaivota no estômago, batendo as asas com força. Esperava conseguir conter as lágrimas quando Freya viesse ao seu encontro.
Um grande cão bloqueava o caminho no fim do píer. Rosnava em sinal de alerta. Outros cães também vieram da aldeia, seguidos de homens que carregavam lanças.
Mandred desamarrou o saco de pele pendurado em sua lança e atirou aos cachorros a sangrenta bola de carne.
— Aqui, meus caros. Trouxe algo para vocês.
Então olhou para cima. Não conhecia ninguém.
— Mandred Torgridson está de volta! — anunciou o velho pescador com voz solene. — Foi uma longa caçada. — Com um gesto autoritário, afastou os moradores armados para o lado. — Abram caminho para o jarl Mandred.
“É um bom homem”, pensou Mandred consigo mesmo. De fato não o conhecia, mas Erek lhe dizia algo.
Cada vez mais pessoas se aglomeravam para ver os visitantes. Mandred jogou pedaços de fígado aos cães, que faziam algazarra a seus pés, e por fim atirou-lhes o pedaço de pele que servira de saco.
Estranhou um pouco que Freya ainda não tivesse vindo. Com certeza tinha algum trabalho urgente para terminar. Quando cozinhava ou fazia pão, nada a tirava da frente do seu fogão.
Sua casa comunal atravessara bem o inverno. Mas alguém substituíra as duas cabeças cortadas de cavalo que havia no frontão por duas cabeças de javali.
Mandred abriu a pesada porta de madeira de carvalho, afastou a cortina de lã para o lado e acenou para que seus dois companheiros entrassem. Na sala sem janelas da casa comunal reinava uma turva meia-luz. No meio da sala havia um braseiro onde chamejavam brasas. Uma jovem mulher girava um espeto com um ganso. Ela ergueu os olhos, surpresa.