— Conversamos muito sobre isso. Achamos que queria fazer da Gruta de Luth uma prisão para as almas dos elfos. Mas nós não sabemos qual era o seu alvo. De qualquer forma, ele fracassou em tudo. Nós o derrotamos e escapamos da sua prisão.
A rainha encarou-o em silêncio. Estaria esperando alguma coisa? Será que não tinha reparado em alguma baboseira de elfo que pedia que terminasse o seu relato? Durante o tempo de uma batida de coração pareceu-lhe que o olhar dela focara-se principalmente em Nuramon.
— Agradeço a você e a seus companheiros. A Caçada dos Elfos atingiu o seu objetivo. Você cumpriu bem a sua tarefa. — Ela permaneceu imóvel por um momento, e agora era para ele que sua atenção se voltava. — Como esteve em sua aldeia, você já sabe que exigi a minha compensação. Agora quero apresentar-lhe Alfadas, o seu filho.
A rainha apontou para um guerreiro ao lado de Alvias.
O coração de Mandred parou. O homem tinha a aparência de um elfo! As orelhas estavam cobertas pelo cabelo louro na altura dos ombros. Só quando o observou mais atentamente percebeu as diferenças sutis. Alfadas, como Emerelle chamava seu filho Oleif com toda a sua presunção, vestia um traje de malha de ferro até o tornozelo e uma longa túnica. Era quase uma cabeça mais alto que ele próprio. Sua estatura elevada disfarçava que era um pouco mais largo e forte que os outros elfos. E, se ele também parecia estranho, seus calorosos olhos castanhos acabavam com qualquer dúvida. Eram os olhos de Freya. E foi com o sorriso de Freya que o filho o cumprimentou. Mas por que, pelo machado dos algozes, o rapaz não usava barba? Seu rosto era liso como o de uma mulher... ou de um elfo.
Alfadas caminhou até o patamar do trono.
— Pai, eu nunca perdi a esperança... — Num gesto solene, pôs a mão direita sobre o coração e baixou a cabeça.
— Não se curve diante do seu pai! — disse Mandred duramente, abraçando o guerreiro. — Meu filho! — Pelos deuses, o rapaz cheirava como uma flor. — Meu filho — disse ele mais uma vez, agora mais baixo, soltando-se do abraço. — Alfadas? — Ao pronunciar o nome, parecia artificial. Mandred observou-o da cabeça aos pés. A figura de Oleif era como a de um herói. — Você é... alto —, disfarçou ele, simplesmente para dizer alguma coisa e conseguir voltar a ser senhor de seus sentimentos, que quase o dominavam. Seu filho... o filho que até cinco dias atrás ele pensava ter acabado de nascer... ele já era um homem.
O que o devanthar e Emerelle fizeram com ele! Roubaram o seu filho de uma forma que ele jamais teria sido capaz de imaginar! Há um par de dias ele ainda se alegrava com a chance de segurar um recém-nascido nos braços, e agora tinha diante dele um homem na flor da idade. Oleif podia ser seu irmão! Haviam-no enganado em tantas coisas! Todas as horas que ele teria gasto para ensiná-lo o que torna um homem honrado. Tardes despreocupadas de verão, em que partiriam para pescar juntos no fiorde. A primeira expedição, durante a qual um rapaz se tornava homem, longas caçadas no inverno...
E, apesar de tudo isso, ainda tinha de agradecer à sorte. Como é que teria sido estar diante de um homem com mais idade que ele e ter de chamá-lo de filho?
Encarou Oleif mais uma vez. Havia se tornado um rapaz imponente.
— Estou feliz de ser mais velho que você, garoto! — Mandred deu um sorriso maroto. — Talvez ainda haja uma ou duas coisas que eu possa lhe ensinar. Tenho medo de que esses elfos não façam ideia de como se luta com um machado, e...
O filho deu um sorriso iluminado... Como o de um elfo.
— Agora Alfadas deve segui-lo — esclareceu Emerelle solenemente. — Ensinei a ele o que havia para aprender aqui. Agora você deve levá-lo ao reino dos homens e lá instruí-lo como quiser.
Mandred não entendeu direito, mas teve a impressão de perceber um sopro de ironia nas palavras de Emerelle.
— É o que vou fazer — disse com voz firme, de forma que todos na ampla sala pudessem ouvir.
Emerelle acenou com a cabeça de forma desafiadora.
— Onde está a nossa amada? Nós fizemos o que ela desejava.
Mandred teve a sensação de que a sala do trono ficou um pouco mais fria.
— Vocês se lembram do terraço sobre o pomar? — perguntou Emerelle cerimoniosamente.
— Sim, soberana! — Farodin agora já não se esforçava mais para esconder a sua saudade. Nesse meio-tempo Nuramon também se levantara sem que tivessem pedido.
— Vocês devem ir até lá!
— Com a sua permissão, rainha? — perguntou então Nuramon.
A rainha consentiu, laconicamente.
Com passos leves, seus companheiros andaram de volta até o alto pórtico da sala do trono. Mandred os seguiu com o olhar; estava feliz que ao menos eles voltavam para sua amada, mesmo que nunca tivesse entendido como dois homens podiam amar a mesma elfa sem partirem o crânio um do outro.
Quando Farodin e Nuramon terminaram de cruzar o pórtico, a rainha esclareceu solenemente:
— Mandred, declaro a caçada ao homem-javali terminada. Ela trouxe algumas amarguras, mas por fim a carne daquele que se rebelou foi vencida. Você e seus companheiros passarão mais uma noite nas acomodações dos caçadores. Vocês devem limpar o corpo e a alma daqueles que não voltaram e despedir-se uns dos outros.
Emerelle levantou-se, pôs-se ao lado de Oleif e tomou a sua mão.
— Você foi quase um filho para mim, Alfadas Mandredson. Nunca se esqueça disso!
As palavras da rainha foram para Mandred como faíscas atingindo um pavio. Oleif tivera uma mãe! E ela certamente ainda estaria viva se Emerelle não houvesse exigido seu filho como preço para a Caçada dos Elfos! Só conseguiu se conter com muito esforço. Apesar de sua ira, percebeu que a despedida de Oleif realmente doía em Emerelle. Nem mesmo a soberana dos elfos, com seu coração gelado, era isenta de sentimentos. Então Mandred compreendeu como era insensato atribuir toda a culpa a ela. Sim, fora ela quem exigiu seu filho como preço pela Caçada dos Elfos, nisso ele estava certo. Ele havia negociado com sua própria carne e sangue. E sem sequer perguntar a Freya, que na ocasião ainda carregava o filho no ventre. O monstro fora vencido, mas sua decisão matara Freya, justo quem ele mais queria salvar dentre todos os outros. O que ela devia ter sentido ao ver elfos diante dela, fascinantes e ao mesmo tempo frios, exigindo dela tudo o que lhe restava de amado na vida? Teria aceitado a troca ou se revoltado? O que aconteceu naquela noite? Ele precisava saber!
— Rainha... O que minha mulher disse a você quando ordenou que apanhassem a criança?
Uma ruga profunda desenhou-se entre as sobrancelhas de Emerelle.
— Não ordenei que fossem buscar a criança. Fui eu mesma, com toda a minha corte, até Firnstayn! Não foi nenhum roubo, à noite e no meio da neve. Visitei a sua aldeia como faria com a corte de um rei, para prestar honras a você e a seu filho. Mas me apresentei sozinha à sua mulher. — E olhando para Alfadas: — Sua mãe estava com muito medo. Apertava você contra o peito para protegê-lo... Contei a história da caçada. E nunca vou esquecer as palavras dela, Mandred. Ela disse: “Duas vidas por uma aldeia inteira, essa foi a decisão do jarl. E eu a respeito”.
Emerelle afastou-se de Oleif e olhou Mandred diretamente no rosto. A pequena elfa estava distante dele só um palmo.
— Isso foi tudo? — perguntou Mandred. Ele sabia como Freya era capaz de brigar. Ele a amava também por isso.
— Há detalhes que só machucam, filho de humanos. Você fez o que precisava fazer. Deixe para lá, Mandred, e não faça perguntas.
— Quais foram as palavras dela? — insistiu ele.
— Você quer mesmo saber? Então... “Mas amaldiçoo o meu marido por ter arrancado o jovem tronco de sua família antes que ele pudesse criar raízes. Que ele nunca volte a encontrar uma casa para se tornar seu lar. Que ele vagueie sem descanso! Sem descanso como a minha alma, da qual ele arrancou tudo em que ela era capaz de se aquecer.”
Um nó duro como pedra formou-se na garganta de Mandred. Tentou engolir, mas a sensação não passou. Era como se estivesse sufocando.