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Havia infinitas estantes repletas de sapatos enfiados em suportes que lhes preservavam a forma. Calçados de dança estreitos, sapatos de tecido e botas de pernas de couro. Um longo friso estava cheio de luvas.

Farodin ajoelhou-se e tirou de sua bolsa de couro um anel com três pedras cor de vinho. Era o anel de Aileen. Havia sido de grande ajuda durante sua busca por ela. Era uma âncora firmemente presa aos abismos do passado e ajudava-o a se concentrar em sua amada. A esmeralda, presente de despedida de Noroelle, seria uma segunda âncora. Murmurou baixinho as familiares palavras mágicas e iniciou o feitiço de busca. Era o único feitiço que ele dominava, pois o experimentara durante os séculos em busca de Aileen.

Entre todos os vestidos deste quarto devia estar a túnica que Emerelle vestia quando levou Noroelle para o exílio. Se conseguisse encontrá-lo, poderia ser o primeiro passo na direção da amada. Farodin tinha um plano. Era tão desesperado que não o contaria a ninguém.

O poder do feitiço tomou conta do elfo. Agarrou a pedra preciosa e a ergueu lentamente. De olhos fechados, Farodin tateou o quarto de vestir, guiado somente por uma tênue intuição. A saudade e as lembranças iam ficando mais densas. Por um instante, foi como se pudesse ver com os olhos de Noroelle. Viu as feições da rainha; seu rosto refletia determinação e uma tristeza contida. A imagem desapareceu. Farodin abriu os olhos. Viu-se diante de um manequim sobre o qual estava esticado um vestido de seda azul entrelaçada por fios de ouro e prata, formando sinuosas estampas de runas. A luz das velas sob o vestido tornava as varas de vime visíveis, fazendo-as parecer ossos.

Um arrepio percorreu as costas de Farodin. Então era isso o que Emerelle vestia quando baniu a sua amada. Seus dedos deslizaram sobre o tecido macio. Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Ficou ali em pé por um longo tempo, somente lutando para recobrar o controle.

As runas no tecido tinham poderes mágicos. Ao passar os dedos por elas, ele sentia um leve formigamento e mais ainda... Sentia o que Noroelle sentiu no momento da despedida. Um pouco dela ficou preso nas runas. E nelas não havia medo. Ela se entregara a seu destino e fora em paz com a rainha e consigo mesma.

Farodin fechou os olhos. Seu corpo todo tremia. O poder das runas também se apoderou dele. Viu uma ampulheta se quebrar sobre uma pedra e sentiu o equilíbrio mágico se alterar. O caminho para Noroelle estava fechado. Ela estava aprisionada. E impossível de ser encontrada.

O elfo caiu de joelhos. Numa teimosia desesperada, fez novamente o feitiço de busca. Ele sabia o que havia acontecido. Mas simplesmente saber e vivenciá-lo intensamente pelo poder das runas eram coisas totalmente diferentes...

— Venha! — sussurrou ele. — Venha para mim!

Estendeu a mão e pensou na ampulheta. Um golpe de vento o atingiu e quis arrastá-lo. Estava no meio de areias sinuosas e parecia preso no redemoinho da ampulheta.

Assustado, Farodin abriu os olhos. Tinha sido somente uma visão, uma miragem nascida de sua saudade... O quarto de vestir parecia estar mais escuro, como se houvesse algo de estranho ali. Algo que asfixiava a luz das velas aos poucos.

Três minúsculos pontos luminosos ergueram-se da seda fria e azul e pairaram até a mão de Farodin. Três grãos de areia da ampulheta que Emerelle destruíra. Provavelmente ficaram presos nas pregas do vestido.

O feitiço e o turbilhão de sentimentos acabaram com as forças de Farodin. Mas os três pontos de luz, que lentamente enfraqueciam, plantaram novas esperanças em seu coração. Ele reencontraria Noroelle, mesmo que precisasse procurar mais sete séculos por ela. Jogou a esmeralda no fundo do bolso da calça. Os grãos de areia, contudo, queria manter bem guardados na mão. Eles eram a chave. Se encontrasse todos os grãos de areia da ampulheta destruída, então conseguiria quebrar o encanto da rainha. Esse era o único caminho que o levaria à sua amada!

Partida noturna

Era tarde da noite e tudo no castelo tornara-se calmo. Lá fora se ouvia o leve barulho do vento. Nuramon olhou a noite clara através da janela aberta. Tinha parado de nevar. O luar era refletido pela neve e emprestava a tudo um brilho prateado. Logo o sol do amanhecer transformaria a prata em ouro. Não conseguia imaginar momento mais apropriado para a sua partida.

Tinha já tudo preparado. Seu olhar deslizou para a armadura e o casaco, que novamente descansavam sobre o suporte. Tinham sido de grande serventia no mundo dos homens. Mas agora Nuramon vestia a roupa com a qual Noroelle o vira pela última vez. Era um traje simples de couro macio que quase não lhe oferecia proteção no caso de uma eventual batalha, embora duvidava que fosse precisar de alguma. Afinal, não se tratava de enfrentar uma besta, mas de matar um homem provavelmente desarmado. Não havia nada de brilhante nessa tarefa. Ele se envergonharia disso para sempre.

Observou a espada. A rainha, com efeito, lhe presenteara com a espada de Gaomee. Era evidente que queria que a tarefa fosse executada com aquela lâmina. Desde que pegou a arma na mão, parecia haver uma maldição presa a ela. Por isso, não abriria mão dela. Afinal, quem ia querer carregar essa arma depois de seus infelizes dedos a terem tocado?

Alguém bateu na porta.

— Entre — disse Nuramon, esperando que fosse alguém a serviço da rainha, um companheiro que ela lhe destinou e a quem ele podia ter imposto a obrigação de ficar em silêncio. Mas essa esperança aparentemente não se cumpriria.

Mandred e Farodin entraram. Tinham semblantes aflitos.

— Que bom que você ainda está acordado — disse Farodin, que parecia comovido.

Nuramon tentou não deixar transparecer nada. Era melhor esconder de seus companheiros a qualquer preço a missão vergonhosa que aceitara.

— Não estou conseguindo dormir. — Isso até era verdade. Naquela noite mal conseguira pregar um olho.

Farodin apontou para o filho de humanos.

— Mandred me disse que você falou a sós com a rainha. Então ela o recebeu.

— Sim, ela me recebeu.

— Também tentei ser ouvido por ela, mas, desde que você esteve lá, ela não aceitou ver mais ninguém. Rumores estranhos estão correndo por aí.

— Que rumores? — perguntou Nuramon, esforçando-se para esconder sua agitação.

— Alguns dizem que a rainha o acalmou e que você aceitou a sentença dela. Outros afirmam que ela lhe deu consentimento para procurar por Noroelle.

— Isso Emerelle não me permitiu. Mas aceitei sua sentença.

A suspeita tomou conta do rosto de Farodin.

— Não esperava isso de você.

Finalmente Farodin demonstrava alguma emoção! Talvez o melhor fosse atrair o ódio dele para si. Assim, Farodin conseguiria encarar Noroelle com a consciência limpa.

Mandred fez uma cara desconfiada. O filho de humanos parecia ter percebido que Farodin entendeu errado as palavras de Nuramon.

— Como você pode duvidar de Noroelle dessa forma? — prosseguiu Farodin, decepcionado. — Você realmente a amou um dia?

Mesmo que as palavras do amigo não tivessem justificativa, elas doeram.

— Eu a amo mais do que nunca. E por isso machuca tanto saber que não podemos fazer mais nada. Não podemos obrigar a rainha a libertar Noroelle. — Para Nuramon era difícil omitir a verdade.

Agora Farodin parecia também ter ficado desconfiado. O companheiro o encarava como se pudesse ver o que se passava dentro dele.

— O que o garoto está dizendo é balela — afirmou Mandred secamente.

— E ele é um péssimo mentiroso — completou Farodin.

Mandred viu as bolsas sobre o banco de pedra.

— E eu estou quase suspeitando que ele quer partir para encontrar a amada sem nós.