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Chegaram à crista de uma colina e agora tinham visão livre sobre o amplo vale do rio lá embaixo. Nuramon apontou para a cidade na margem oeste.

— Aniscans! Finalmente deixamos as terras selvagens.

— Finalmente vamos entrar de novo em uma taverna e receber algo razoável para beber. Meu estômago já está pensando que alguém cortou a minha cabeça. — Mandred estalou a língua. — O que vocês acham? Eles têm hidromel lá embaixo?

Parecia que o filho de humanos quase se esquecera de seu desgosto por Freya. Mas Nuramon olhou por trás das aparências e viu um homem que queria ocultar e anestesiar a sua dor.

Desceram vagarosamente a encosta. Ao pé da colina passava uma estrada que levava diretamente até a cidade. Uma ponte se esticava sobre o largo leito do rio com sete arcos rasos. O degelo da neve aumentara a corrente, trazendo restos de madeira das montanhas. Sobre a ponte havia homens com longas varas, que com elas evitavam que os troncos que desciam o rio ficassem presos, atravessados nos pilares da construção, e represassem a água.

A maioria das casas de Aniscans era feita de pedras de alvenaria castanhas. Eram construções altas e robustas, amontoadas bem perto umas das outras. Seus únicos ornamentos eram as ripas do telhado, de um vermelho bem vivo. Vinhedos haviam sido plantados ao redor da cidade. Mandred com certeza teria chance de se embebedar, pensou Nuramon amargamente.

— Uma terra cheia de tolos — esbravejou de repente o filho de humanos. — Vejam isso! Uma cidade tão rica e eles sequer têm uma muralha. Firnstayn é bem melhor fortificada.

— É que eles não contavam com a sua visita, pai — disse Alfadas, rindo. Os demais companheiros caíram na gargalhada. Até Gelvuun sorriu.

Mandred ficou vermelho.

— A inconsequência é a mãe de muitos infortúnios — disse então, com seriedade.

Ollowain riu.

— Parece que o sol de primavera derrete a crosta de gelo do bárbaro-mor. E, que milagre! Debaixo dessa crosta surge um filósofo.

— Eu não sei que tipo de insulto é esse, mas você pode ter certeza de que o bárbaro-mor vai enfiar o machado na sua goela logo mais!

Ollowain enlaçou os braços um sobre o outro e fez como se tremesse.

— E, de repente, o inverno retorna e faz os lindos botões de primavera congelarem.

— Você acaba de me comparar com botões de flores? — trovejou Mandred.

— Só uma alegoria, amigo.

O filho de humanos franziu a testa. Então abanou a cabeça.

— Aceito as suas desculpas, Ollowain.

Nuramon precisou morder os lábios para não rir alto. Ficou contente que, no momento seguinte, Alfadas tenha começado a cantar para interromper a infeliz disputa. O jovem tinha a voz linda demais... para um humano.

Eles seguiram a estrada que margeava o rio, passando por estábulos e pequenas fazendas. O gado pastava ao longo do caminho. A paisagem ali parecia estranhamente desordenada. Mesmo depois de todo aquele tempo nos reinos dos humanos, Nuramon não conseguira se acostumar às diferenças deste mundo. Mas, de fato, havia aprendido a ver beleza no desconhecido.

As casas da cidade apinhavam-se ao redor de uma colina, sobre a qual havia um templo. Suas paredes estavam cercadas de andaimes e era possível ouvir as marteladas dos pedreiros bem além do rio. A construção era simples, com muros tão grossos como os de uma torre de fortificação, mas havia um encanto próprio em sua simplicidade rústica. Parecia querer gritar ao observador distante que ali não havia nada para distrair os fiéis, pois nenhuma obra de arte se compara à beleza da fé verdadeira.

Nuramon lembrou-se do velho pregador itinerante que encontraram nas montanhas alguns dias antes. Com brilho nos olhos, o homem contara sobre Aniscans e sobre o sacerdote cujo nome aparentemente estava na boca de todos no vale do rio: Guillaume. Ele falava com tanto fervor sobre o deus Tjured que a força de suas palavras contagiava os ouvintes. Dizia-se que os aleijados conseguiam voltar a andar quando prestavam atenção nele, quando ele tocava seus membros com as mãos. Seus poderes mágicos pareciam curar qualquer dor e vencer qualquer veneno.

Quantas vezes seguiram rumores como esse nos últimos três anos, todas em vão! Procuravam um homem de cerca de trinta anos que pudesse operar milagres. Essa breve descrição batia com a de Guillaume, como já batera com a de uma dúzia de outros homens, dos quais nenhum sequer possuía mesmo poderes. Os homens eram ingênuos demais! Estavam sempre prontos a acreditar em qualquer charlatão que fingisse de forma mais ou menos convincente ser capaz de fazer magias.

O pregador itinerante afirmara que, em sua infância, o lugar onde agora estava a cidade não passava de um pequeno círculo de pedras, onde os humanos se encontravam nos dias de solstício para prestar homenagens aos deuses.

Nuramon olhou para cima. Aparentemente, o círculo de pedras estivera na pequena colina onde agora se construía o templo.

O bater de cascos dos cavalos soou como tambores sobre o pavimento da ponte. Alguns dos trabalhadores se voltaram. Vestiam jalecos simples e chapéus de abas largas, feitos de palha trançada. Inclinaram a cabeça humildemente. Guerreiros tinham muito valor naquele reino.

O olhar de Nuramon vagueou sobre as casas da cidade. Suas paredes eram de pedra rústica e pareciam brutas e sólidas. Levando em conta o que os homens costumavam construir, de fato não era um trabalho ruim. Quase todos os muros eram retos e somente poucos telhados curvavam-se sob o peso de suas vigas.

Antes de deixarem a ponte, Mandred e Alfadas assumiram a ponta do pequeno grupo de cavaleiros. Quem via os dois provavelmente imaginava que fossem nobres do norte selvagem com sua misteriosa comitiva. Os habitantes os observavam cheios de admiração, mas logo retomavam suas tarefas diárias. Aparentemente, as pessoas dali estavam habituadas a forasteiros.

Na cidade, porém, reinava uma inquietação que nada tinha a ver com eles. Quanto mais os companheiros se aproximavam do templo, mais perceptível ela se tornava. Algo acontecia em Aniscans bem diante deles. A cidade inteira parecia estar na rua. As pessoas se espremiam nas vielas estreitas, a caminho do topo da colina. Logo eles já não conseguiam mais passar com os cavalos. Precisaram apear. Levaram os animais até o pátio de uma taverna, onde ficaram sob a vigilância de Nomja. Os restantes prosseguiram em fila pelo meio de toda aquela gente que fluía em massa até o templo. Reinava uma atmosfera que a Nuramon lembrava um casamento de duendes: todos corriam numa alegre confusão.

Nuramon conseguia ouvir pedaços de conversas. Falavam sobre o curandeiro milagroso e seus lendários poderes, que no dia anterior salvara uma criança que por pouco não morrera sufocada, e que cada vez mais forasteiros chegavam à cidade para ver Guillaume. Um velho senhor contava com orgulho que o rei convidara Guillaume para ir à corte e permanecer nela, mas que o sacerdote negou-se a deixar a cidade.

A pequena tropa finalmente chegou à praça diante do templo. No meio da multidão era difícil estimar quantas pessoas se aglomeravam ali, mas deviam ser centenas. Preso entre os humanos espremidos e suados, Nuramon sentia-se cada vez pior. Tudo fedia a suor, roupas sujas, gordura rançosa e cebola. De canto de olho, o elfo viu Farodin apertar um lenço perfumado contra o nariz. Nuramon também gostaria de uma forma de alívio como essa. Humanos e asseio, essas eram duas coisas que simplesmente não andavam juntas — como ele já sabia há muito tempo por causa de Mandred. Nos últimos três anos, Nuramon tornara-se um pouco menos sensível a essa abundância de cheiros que se sentia, principalmente, nas cidades. Mas, ali, no meio da multidão de humanos, o fedor era realmente insuportável.