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De repente uma voz soou bem à frente. Nuramon esticou o pescoço, mas não conseguiu reconhecer quem falava no meio do aglomerado. Parecia estar de pé perto do grande carvalho que ocupava o meio da praça. A voz era harmoniosa e seu dono dominava todos os recursos da retórica. Cada sílaba era refletidamente entoada, como faziam os filósofos de Lyn, que se exercitavam há séculos em disputas para levar suas possibilidades vocais à perfeição. Era daí que vinha a arte, que alguns dominavam, de convencer não por argumentos, mas dizendo as palavras de forma a fazer o espírito sucumbir totalmente à voz. O que esse humano realizava ali adiante era quase comparável a um feitiço.

As pessoas ao redor de Nuramon e seus estranhos companheiros não os observavam mais, tão absorvidas estavam pelas palavras do homem.

Farodin se espremeu até chegar ao lado de Nuramon.

— Você está ouvindo essa voz?

— Magnífica, não é?

— É isso o que me preocupa. Talvez estejamos perto do alvo.

Nuramon calou-se. Tinha medo do que precisaria ser feito caso fosse realmente o filho de Noroelle quem falava ali na frente.

— Ollowain — disse Farodin —, você dá a volta com Yilvina e Gelvuun pela esquerda. Mandred e Alfadas, vocês vão pelo meio. Nuramon e eu contornaremos pela direita. Primeiro vamos somente observá-lo. Aqui no meio da multidão não podemos fazer nada.

Os companheiros se separaram. Nuramon foi à frente de Farodin. Apertavam-se cuidadosamente entre as inúmeras pessoas que ouviam, em pé, como se estivessem sob encanto. A voz do sacerdote encobria nitidamente o murmurinho na praça.

— Aceite a força de Tjured — disse ele, mansamente. — Ela é um presente dele que entrego a você.

Logo a seguir alguém gritou:

— Vejam! Ele está curado! A ferida cicatrizou!

— O júbilo tomou conta da praça.

Uma velha senhora agarrou Nuramon pelo pescoço e beijou-lhe a face.

— Um milagre! — gritou ela, exultante. — Ele fez outro milagre! Ele é a bênção desta cidade!

Nuramon encarou a velha sem entender. Devia ser realmente um milagre para beijar um estranho assim.

Então o sacerdote subiu no muro baixo da ponte, ao lado do carvalho, e falou com os humanos. Mas Nuramon mal prestava atenção nas palavras. Estava absorto pela postura e pelos gestos do homem. Guillaume tinha cabelos negros que lhe caíam até os ombros. Como todos os sacerdotes de Tjured, vestia um hábito azul-escuro. Tinha o rosto oval, o nariz estreito, o queixo suave e a boca curvilínea. Se Noroelle tivesse um irmão gêmeo, ele se pareceria com esse sacerdote.

Esse homem era filho dela!

Nuramon observou Guillaume voltar-se para um homem de cabelo grisalho e desgrenhado, agarrar a mão dele, que parecia rígida e fazer uma prece. Pulou de susto. Era como se algo tivesse invadido o seu íntimo, como se uma mão poderosa tocasse a sua alma. Essa sensação sinistra durou só um piscar de olhos. Perturbado, o elfo cambaleou para trás e topou com uma jovem.

— Você não está se sentindo bem? — perguntou ela, preocupada. — Você está muito pálido.

Ele sacudiu a cabeça e se espremeu até chegar ao fim da multidão, que formara um círculo bem ao redor da fonte.

O homem que fora até Guillaume ergueu a mão. Fechou-a e voltou a esticar os dedos.

— Ele me curou! — gritou ele, com a voz esganiçada. — Curou! — O homem grisalho atirou-se aos pés do sacerdote e beijou a barra de sua túnica.

Guillaume pareceu constrangido. Segurou o velho pelos ombros e ajudou-o a se levantar.

“Ele faz feitiços como a mãe dele”, pensou Nuramon. A rainha se enganara. O filho de Noroelle não era um demônio. Ele curava.

De repente um grito soou na multidão.

— Guillaume! Guillaume! Alguém desmaiou aqui!

— Ele está morto! — gritou uma mulher de voz estridente.

— Tragam-no até mim! — ordenou calmamente o sacerdote.

Dois homens troncudos de aventais de couro carregaram uma figura magra até a fonte. Era um homem vestindo túnica cinza. Guillaume tirou-lhe o grande capuz. Diante do milagreiro estava Gelvuun.

Desnorteado, Nuramon olhou para Farodin, que disse com um gesto que deveriam esperar. Então sussurrou:

— Espero que Mandred não faça nenhuma besteira.

Agora, um murmúrio se espalhava nas primeiras fileiras. Guillaume afastara o cabelo de Gelvuun para trás, de modo que seria possível reconhecer as orelhas pontudas. Gelvunn, sempre tão rabugento, agora parecia em paz como uma criança adormecida.Guillaume curvou-se sobre ele. O sacerdote parecia perturbado. Se era só a visão do elfo ou alguma outra coisa, Nuramon não era capaz de dizer. Então Guillaume olhou em volta, fazendo com que Nuramon sentisse seu olhar o tocar. Um calafrio percorreu suas costas. Os olhos do curador eram de um azul brilhante.

O capelão ergueu-se e disse:

— Este homem não está sob a proteção de Tjured. Ele é um filho de albos, não um humano. Ninguém mais pode ajudá-lo. Ele chegou tarde demais. Não consigo reconhecer a doença de que sofria. Parece que seu coração simplesmente parou de bater. Dizem que para os filhos dos albos também está reservada a existência do outro lado da vida. Então rezem por sua alma. Sepultarei seu corpo com todas as honras, mesmo que ele nunca tenha rezado para Tjured. É grande a misericórdia do nosso Senhor. Ele também se compadecerá deste elfo.

Mais uma vez, o olhar de Guillaume encontrou o de Nuramon. Havia algo de paralisante naqueles magníficos olhos azuis.

— Venha, Nuramon — murmurou Farodin —, nós precisamos ir.

O companheiro agarrou-o e arrastou-o consigo pelo meio da densa multidão. Nuramon não conseguia tirar aquele rosto e aqueles olhos da cabeça. Era o rosto de Noroelle; eram os olhos de Noroelle os que esse homem tinha.

De repente, foi sacudido.

— Acorde! — disse Farodin, áspero.

Nuramon olhou em volta, admirado. Haviam deixado a praça e agora estavam de novo em uma das estreitas vielas. Ele não percebera quão longe tinham ido.

— Era o rosto de Noroelle! — disse ele.

— Eu sei. Venha!

Encontraram Nomja e os cavalos. Mandred e Alfadas chegaram ao pátio poucos momentos depois, levando Yilvina entre eles. A jovem elfa estava pálida e parecia mal ter forças para se aguentar nas próprias pernas.

Mandred estava totalmente fora de si.

— Vocês viram isso? Maldição! O que aconteceu?

Farodin olhou em volta.

— Onde está Ollowain?

Alfadas apontou para a entrada do pátio.

— Lá vem ele!

O medo estava estampado nos olhos do mestre da espada.

— Venham! Não estamos mais seguros aqui. — Olhou de volta para a rua. — Vamos ganhar distância desse filho do demônio. Vamos! Subam nos cavalos e vamos para fora da cidade!

— O que aconteceu com Gelvuun? — perguntou Nomja.

Nuramon ficou calado. Pensou no estranho poder que o invadira por dentro, nos olhos azuis e no quanto Guillaume lembrava Noroelle. Agora Gelvuun estava morto e Yilvina parecia tão mal como se tivesse escapado da morte por pouco.

— O que aconteceu? — Agora Ollowain também perguntava, virando-se para a elfa pálida.

Yilvina tomou fôlego com esforço.

— Ele foi empurrando e chegou até a frente... Quase até o fim da multidão. No momento em que o sacerdote pegou a mão do velho... — Ela olhou para o céu, com lágrimas nos olhos. — Não sei como descrever. Foi como se uma garra entrasse no meu peito para rasgar o meu coração — disse e começou a soluçar. — Foi... Eu pude sentir a morte... A morte eterna, sem esperança de renascer ou de ir para o luar. Se não tivesse ficado alguns passos para trás... — Ela não conseguiu continuar.

— Ele reparou em vocês e atacou imediatamente? — perguntou Nomja.

Ollowain hesitou.

— Não tenho muita certeza... Não acho que isso foi um ataque. Aconteceu no momento em que ele curava o velho. Eu pude sentir o seu poder... Yilvina tem razão. Eu também senti a morte de repente.