Farodin seguira Nuramon porque temia que seu companheiro pudesse ajudar o sacerdote a fugir. Nos três últimos anos, Farodin fizera as pazes consigo mesmo. Aceitara a ordem da rainha. No dia anterior, na praça do templo, estava pronto para matar Guillaume. Mas, agora... Precisava desviar o olhar, de tanto que Guillaume lembrava Noroelle. Se erguesse uma arma contra ele, seria como se estivesse a apontando contra sua amada.
Ollowain o alertara quando deixou o acampamento para seguir Nuramon em segredo. As palavras do mestre da espada ainda soavam nitidamente em seus ouvidos: “Não se esqueça de que ele também é filho de um devanthar, um mestre no embuste. Ele abusa dos traços de Noroelle como uma máscara que esconde o mal que há por trás dele. Um devanthar é, em carne e osso, o ódio contra os albos e contra nós, seus filhos. Tudo o que pode haver de bom nele já está há muito tempo envenenado pela herança do pai. Você viu o que aconteceu com Gelvuun. Não podemos levá-lo prisioneiro. Na realidade seríamos nós os seus presos. Mesmo que o colocássemos em correntes, poderia matar todos nós apenas com a palavra. E ainda pior: imagine o que uma criatura como essa poderia provocar na Terra dos Albos! Como poderíamos combatê-lo? Temos de cumprir a ordem de Emerelle. Na tarde de hoje, na praça do templo, reconheci a sabedoria da rainha”.
— Eles vieram por algo que eu não fiz — respondeu Guillaume à pergunta de Farodin.
— O quê? — disse Farodin, arrancado de seus pensamentos.
Enquanto isso, os guerreiros na praça batiam com longas varas em Ribauld. Desvalido, o homem balançava para lá e para cá. Seus gritos ressoavam por toda a praça e provavelmente também podiam ser ouvidos ao longe, na cidade. Mas nenhum dos cidadãos correu até ali para ajudar o sacerdote.
— Você está vendo as cabeças de touro nos escudos? — perguntou Guillaume. — Esses são os homens do rei Cabezan. Sua guarda pessoal. Cabezan os mandou atrás de mim. Dizem que seus membros estão apodrecendo com ele ainda vivo, e que está morrendo de forma lenta e dolorosa. Ele ordenou que eu fosse curá-lo. Mas não posso fazer isso. Se eu salvar a vida dele, centenas morrerão, pois Cabezan é um tirano cruel. Ele assassinou seus próprios filhos porque tinha medo de que cobiçassem o seu trono. Ele é dominado pela loucura... Só permite que todos se apresentem nus diante dele, de medo que possam esconder armas nas roupas. Aquele que quer pertencer à sua guarda pessoal precisa assassinar um recém-nascido com os próprios punhos diante dele... Ele só aceita homens sem remorsos ao seu redor. Com Cabezan, o mal reina em Fargon. Por isso não vou curá-lo... Não posso fazer isso. Quando ele finalmente morrer, a maldição que há sobre estas terras terminará. — Os gritos do sacerdote ainda ecoavam na praça. — Eu não posso... — Guillaume tinha lágrimas nos olhos. — Ribauld é como um pai para mim. Eu cresci em uma família pobre de camponeses. Quando meus pais... quando meus pais adotivos morreram, ele me adotou. Ele é...
Um dos sacerdotes mais jovens dos que foram arrancados do templo pelos soldados apontou para a casa de Guillaume.
— Há outra saída? — perguntou Farodin novamente. Em seguida, dois guerreiros atravessaram a praça na direção deles.
O sacerdote disse que sim com a cabeça. Apanhou uma longa faca de pão da mesa e escondeu na manga do hábito.
— Eu vou, assim eles não os matarão também. Mas o rei Cabezan não me verá vivo.
Nuramon colocou-se no caminho.
— Não faça isso. Venha conosco!
— Então você acha que seria mais esperto segui-lo até uma rainha que o mandou para me matar? — Nas palavras de Guillaume não havia nenhuma provocação; ele soava infinitamente triste. — Eu sei que você não quer o meu mal. Mas, se eu sair agora, talvez salve a vida de meus irmãos de ordem e a de vocês. E se você informar minha morte à sua rainha, então ela talvez perdoe minha mãe.
Ele abriu a tranca da porta e saiu para a praça.
Farodin não compreendia por que Nuramon não faria mais nenhuma tentativa de deter o sacerdote. Correu para a porta, mas já era tarde demais. Guillaume já havia sido agarrado pelos guerreiros.
— Cavaleiros do rei — gritou com voz vibrante. — Deixem meus irmãos em paz. Vocês me encontraram.
O líder louro fez um sinal para que seus homens baixassem as bestas. Foi até Ribauld, agarrou o velho homem pelos cabelos e puxou sua cabeça para trás.
— Então você diz ser o curandeiro milagroso! — gritou o guerreiro. Puxou uma faca do cinto e passou-a pela garganta de Ribauld. — Então nos mostre do que você é capaz.
Farodin prendeu a respiração. Guillaume ainda estava muito perto da casa. Se usasse os seus poderes de cura, Nuramon e ele morreriam.
O velho sacerdote balançava para lá e para cá na corda, pendurado na árvore como gado de corte no gancho de um açougueiro. Agora tinha as mãos agarradas ao redor da garganta.
Farodin abriu com força as folhas da janela, que bateram contra a parede da casa com estrondo. Agarrou com ambas as mãos no friso da janela, soltou-se dela e saltou para fora, mostrando sua elasticidade ao aterrissar diante da casa.
— Tire as mãos da minha presa, filho de humanos! — Sua voz era como gelo.
O guerreiro louro pôs a mão sobre o cabo da espada.
— Você já fez a sua entrada triunfal. Agora escape disso aqui.
— Você vai empunhar a arma? Quer um duelo? — Farodin sorriu. — Eu sou o primeiro guerreiro da rainha da Terra dos Albos. Pense bem se quer comprar briga comigo. Estou aqui para buscar o sacerdote Guillaume. Como você vê, eu estava em sua casa. Eu o descobri antes de você. E não vou deixar que arranquem minha presa de mim. Ontem à tarde, ele matou um elfo, e vai responder por isso.
— O primeiro guerreiro da rainha da Terra dos Albos — repetiu o guerreiro louro em tom de zombaria. — E eu sou Umgrid, rei da Terra dos Trolls. — Os homens ao seu redor riram.
Farodin puxou o cabelo para trás, para que pudessem ver suas orelhas pontudas.
— Então você é Umgrid? — O elfo inclinou a cabeça. — Você é mesmo feio o bastante para ser um troll. — Deu meia-volta e olhou para os telhados das casas que cercavam a praça.
— Quem não é troll deve ir embora agora. Esta praça está cercada de elfos. E não vamos deixar que tirem Guillaume de nós.
Alguns dos guerreiros olharam para cima com medo, e ergueram seus escudos.
— Palavras! Nada mais que palavras! — O líder já não soava tão confiante como antes.
— Você deve pedir nossa permissão antes de deixar qualquer um desses avarentos partir — soou a voz de Nuramon. O elfo sacara sua espada e agora estava em pé na porta da casa de Guillaume.
— Matem eles! — O líder dos guerreiros apanhou uma das flechas da besta e apontou-a para Farodin.
O elfo lançou-se para a frente com um salto mortal. Apoiou-se sobre as mãos no pavimento rústico, rolou sobre o ombro esquerdo e chegou à fonte em um instante. Uma flecha atingiu sua face de raspão, deixando um risco de sangue.
Farodin saltou para não se tornar um alvo imóvel para os guerreiros. Parou diante dos pés de um lutador de machado, que aplicou-lhe um golpe com seu escudo redondo que fez Farodin perder o equilíbrio. Cambaleou e chocou-se contra a beirada da fonte. Ainda assim conseguiu desviar do golpe de machado que mirava sua cabeça.
Farodin chutou o escudo do humano para o lado e puxou a espada. Com um golpe de revés, rasgou a barriga do guerreiro e arrancou o machado da mão do moribundo. De todos os lados vinham guerreiros. Na porta da casa, Nuramon já se defendia de dois inimigos. Não havia esperanças para a sua causa. Os homens ganhavam deles em número — eram quase dez para um.
Farodin pulou da beirada da fonte e atirou o machado contra um dos besteiros que o mirava. A arma encontrou seu alvo, que emitu um som terrível.