A ponte agora estava livre. Aparentemente não estavam sendo observados da outra margem. Mandred saltou da sela e ajoelhou-se ao lado do besteiro caído. O homem não estava mais consciente. Um pisão de cavalo transformara seu rosto em uma massa sangrenta. Mandred puxou uma faca do cinto dele e cortou-lhe a garganta. Então revistou o morto. Encontrou uma fina bolsa de couro com algumas peças de cobre e um anel de prata escurecido.
— Não pode ser verdade, pai!
Mandred ergueu rapidamente os olhos para seu filho, e então foi até o careca que ameaçara pendurá-lo pelas tripas.
— Alguma coisa está incomodando? — perguntou Mandred, apalpando as vestes do homem corpulento em busca de moedas escondidas.
— Você rouba dos mortos! Isso é... repulsivo! Imoral!
Mandred virou o líder dos guardas de lado. Ele tinha orelhas grandes e carnudas e usava um único brinco com uma linda pérola. Com um puxão, Mandred arrancou o brinco, rasgando sua orelha.
— Imoral? — Ergueu a pérola contra a luz. Era grande como uma ervilha e tinha um brilho rosado. — Imoral talvez seria roubar dos vivos. Esses aqui não ficarão mais chateados se eu privá-los de seus pertences. Se eu não fizesse isso, os próprios companheiros deles iriam fazê-lo.
— Nem me fale de companheiros! Neste mesmo instante parece que para você tanto faz se aqueles que você chama de amigos estão lutando pela vida. Ollowain tinha razão!
Mandred andou até o próximo morto.
— Você poderia manter os olhos na outra margem enquanto dá o seu sermão, filho? Você certamente se daria bem com Guillaume. E no que Ollowain tinha razão?
— Ele disse que você era como um animal, que agia só por instinto. Nem bom nem ruim... Simplesmente primitivo!
Um dos lanceiros mortos usava um anel de prata com uma grande turquesa. Mandred puxou o anel, mas ele não se moveu.
— Não tire os olhos da outra margem — foi tudo o que Mandred disse.
Cuspiu na mão do morto e esfregou a saliva, para que o anel deslizasse melhor no dedo, mas isso não ajudou. Irritado, sacou um punhal.
— Você não vai fazer isso, pai.
Mandred posicionou a ponta do punhal na junta do dedo do anel, e bateu com a polpa da mão no cabo da arma. Ouviu-se o ruído do aço partindo o osso fino. O jarl apanhou o dedo, arrancou-lhe o anel e enfiou-o junto com os demais espólios em uma bolsa de couro.
— Você é pior que um animal!
O guerreiro se ergueu.
— Para mim, tanto faz o que você pensa de mim e dos animais. Mas nunca volte a dizer que meus amigos não me importam.
— Ah, entendi. É pura consideração continuarmos aqui enquanto eles lutam. Você não quer acabar com a diversão deles.
Mandred pulou sobre a sela.
— Você realmente não entende o que estamos fazendo aqui, não é?
— Entendo, sim. É óbvio que está certo. Você está enchendo os bolsos... Provavelmente para, na próxima cidade, poder encher a cara e caçar vadias por aí. Será que também foi por isso que Freya o amaldiçoou?
Mandred deu uma bofetada ruidosa em Oleif.
— Nunca mais fale da sua mãe e de vadias na mesma frase.
O jovem guerreiro encolheu-se na sela, tonto com a força da pancada inesperada. Marcas vermelhas surgiram-lhe na face.
— E agora me ouça com atenção em vez de ficar tagarelando, e aprenda alguma coisa. — Mandred falava baixo e exagerando na ênfase. Ele não podia esquecer! Talvez tivesse sido melhor dar uma bela sova nesse espertinho do seu filho. O que os elfos fizeram com o seu garoto! — A maioria dos guerreiros humanos tem medo da luta. Eles falam demais, mas quando chega a hora, ficam cheios de medo até as tripas. Eu mesmo tenho medo de que haja besteiros à espreita nas casas da outra margem, que nos matarão a tiros quando atravessarmos a ponte. Se eles estiverem posicionados lá, ficarão esperando que cheguemos perto o bastante para que não errem o alvo. Eu apeei e enchi a minha bolsa para deixá-los mais tempo com o medo. Pois eles também têm medo de nós. Eles têm medo de não nos acertarem, e de chegarmos às casas antes que consigam recarregar as armas. Quanto mais tempo eles nos virem e tiverem de esperar, maior será a probabilidade de um deles perder a cabeça e atirar. Então, pelo menos vamos saber o que nos espera.
Por alguns instantes reinou um silêncio tenso entre pai e filho. Ouvia-se somente o som dos passos nas tábuas que cruzavam os pilares da ponte.
Oleif olhou para as casas na outra margem.
— Você tem razão. Se cavalgarmos às cegas e cairmos numa emboscada, não seremos de ajuda nenhuma para Nuramon e Farodin. Nada está se movendo ali do outro lado. Você acha que podemos atravessar a ponte em segurança?
Mandred sacudiu a cabeça.
— Guerra e segurança são duas coisas que não caminham juntas. Mas agora tenho certeza de que não há guerreiros comuns esperando por nós ali do outro lado. Se houvesse, pelo menos um deles teria atirado. Mas, se em vez de fedelhos quem estiver nos esperando forem uns velhos tarados e espertalhões, veteranos que já lutaram em muitas batalhas, então eles conhecem esse truque e estão esperando com toda a calma do mundo.
Mandred curvou-se bem sobre o pescoço da égua e esporeou-a.
— Nos vemos na outra margem!
Ele observou as casas com desconfiança, mas nenhuma chuva de flechas os recebeu quando deixaram a ponte. Os cinco guerreiros pareciam ser os únicos guardas deste lado da cidade.
Mandred e Oleif refrearam os cavalos. Diante deles havia uma estrada larga e sinuosa, que passava pelo mercado e prosseguia para cima da colina, até a praça do templo. Aniscans parecia abandonada. Ninguém ousava pisar na rua. Continuaram cavalgando lentamente. Olhos assustados os seguiam através de janelas semicerradas. Da colina ouviam-se gritos. Também se podia ouvir nitidamente o som de espadas.
— Se eu estivesse no comando, entraríamos na cidade e bloquearíamos as vielas — esclareceu Oleif.
Mandred concordou.
— Parece que os elfos ensinaram-lhe algo além de dizer asneiras ou de cantarolar musiquinhas. Vamos apear. A pé somos mais ágeis.
Deixaram a rua principal e adentraram o labirinto de vielas estreitas, levando os cavalos pelas rédeas atrás de si. Mandred olhou em volta, aflito. A cidade inteira era como uma grande armadilha. Restava-lhes esperar que ninguém tivesse visto a carnificina na ponte.
Ambos atravessaram uma praça estreita de terra batida. Uma grande casa de janelas muradas ocupava um lado inteiro da praça. Com um portão alto que dava em um pátio interno, parecia quase um castelo.
— Vamos guardar os cavalos aqui — ordenou Mandred, conduzindo sua égua para atravessar o portão.
Muitas janelas davam para o pátio interno. Desconfiado, olhou ao redor. O prédio lhe parecia estranho. Em uma das janelas, viu rapidamente uma jovem com um corpete entreaberto, que então desapareceu. Ninguém saiu pela única porta da casa ou falou com eles de alguma das janelas. Para ele isso não podia estar certo.
Em frente ao portão havia um galpão aberto com uma longa bancada de trabalho. Sobre essa mesa havia uma pilha de tamancos e, ao lado dela, uma grande variedade de ferramentas de entalhe, enfileiradas de forma organizada: plainas, cinzéis e facas de lâminas estranhamente curvadas. Ali também não se via nenhuma alma viva.
Mandred amarrou as rédeas em uma argola de ferro que havia em uma das paredes da casa. Observou longamente, então, as janelas que davam para o pátio.
— Eu sei que vocês estão nos observando. Se os cavalos não estiverem mais aqui quando eu voltar, então vou subir até aí e cortar as suas gargantas. — Apanhou a bolsa de couro presa ao cinto e tirou dela uma única moeda, que ergueu para o alto. — Mas, caso os cavalos estejam alimentados e tenham bebido água, deixarei esta peça de prata aqui.