O sacerdote levou-os até uma escada que terminava num alçapão. Foi por aí que deixaram o túnel, chegando a um pátio ensolarado.
— Aonde vocês querem ir agora? — perguntou.
Mandred encarou a luz e respirou fundo.
— Nossos cavalos estão em um pátio interno. É uma casa grande junto a uma pequena praça, cujas janelas que dão para ela estão muradas — esclareceu Oleif. — Você pode nos dizer como chegamos até lá?
O sacerdote corou.
— Uma casa de janelas muradas? — ele pigarreou, constrangido.
— Há algo de errado com ela? — perguntou Mandred. — Eu também me perguntei por que transformaram a casa numa fortaleza.
O sacerdote pigarreou novamente.
— É que... é por causa da taverna do outro lado da praça. O taverneiro criou um ambiente especial no segundo andar. Quem quiser beber lá precisa pagar uma moeda de cobre a mais por cada caneca de vinho.
— E?
O sacerdote deu as costas de tão constrangido.
— Da sala da taverna era possível ver bem as janelas do outro lado da praça.
Mandred perdia aos poucos a paciência.
— E o que tinha lá para ver?
— Ela é... é uma casa aonde vão os homens solitários. Da taverna eles podiam ver o que se fazia nos quartos. Por isso o proprietário mandou murar as janelas.
Nuramon riu alto e logo apertou a mão contra o ferimento no quadril.
— Um bordel! Você guardou os cavalos em um bordel, Mandred?
— No pátio de um bordel — retorquiu Oleif, que também tinha ficado vermelho. — No pátio.
— Eu aposto que é o único bordel da cidade — completou Farodin. — E você o encontrou em cheio.
Mandred não entendia o que havia de tão engraçado nisso.
— Eu não sei de nada. No pátio há uma oficina de um artesão honesto, isso foi tudo o que vi.
— É claro — respondeu Farodin com um riso irônico. — É claro.
Mandred encarou surpreso os dois elfos. As lutas e a morte medonha de Guillaume — tudo isso provavelmente foi demais para eles. Não conseguia explicar de outra forma essa explosão de gracejos.
O rapaz os conduziu em caminhos furtivos por vielas estreitas e pátios internos. Várias vezes ouviram os gritos dos soldados do rei bem próximos, mas não foram descobertos. Mandred tinha a sensação de que já deviam ter chegado há muito tempo ao bordel, quando o sacerdote de repente parou e fez um sinal para que ficassem em silêncio.
— O que está acontecendo, amigo rezador? — murmurou o jarl, impelindo-se para a frente.
Pôs-se a ouvir cuidadosamente os sons da praça. Haviam chegado a seu destino, mas diante da taverna na frente do bordel havia sete guerreiros. Uma magra funcionária da taverna trazia-lhes canecas de cerveja e pratos de madeira cheios de queijo e pão.
— Luth ama tecer desenhos complicados com os fios do destino — gemeu Mandred. E virando-se para seus companheiros: — Vou distrair os soldados. Tratem de chegar até os cavalos. E quanto a você, padre? Quer fugir com a gente?
O rapaz pensou um pouco, e então sacudiu a cabeça.
— Tenho amigos na cidade. Eles me esconderão até essa corja ir embora.
— Então você não deve ser visto conosco. Agradeço a sua ajuda. Mas agora é melhor que vá embora.
— O que está planejando, pai? Você não está querendo lutar sozinho contra sete...
Mandred acariciou a lâmina do seu machado.
— Somos dois. Trate de chegar o mais rápido possível até os cavalos com Nuramon e Farodin. Quando já tiverem chegado até os limites da cidade, talvez Ollowain os ajude caso encontrem dificuldades.
— E você? — perguntou Nuramon. — Nós não podemos simplesmente deixá-lo para trás.
Mandred fez um gesto de desdém.
— Não se preocupem comigo. Vou sair daqui de algum jeito. Você sabe, nem mesmo o devanthar foi capaz de me matar.
— Você não devia...
Mandred não ouviu mais as objeções de seus companheiros. A qualquer momento, uma das tropas de busca podia aparecer por trás deles na viela. O tempo para as palavras já se esgotara. Ele agarrou seu machado mais forte e saiu para a praça, como se estivesse passeando.
— Ei, caras. Estou feliz de ver que aqui tem mais alguma coisa para beber além de suco de uva.
Os soldados levantaram os olhos admirados.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou um guerreiro de cabelo desgrenhado e barba por fazer.
— Sou um peregrino a caminho do templo de Tjured — esclareceu Mandred. — Dizem que lá há um curador que faz verdadeiros milagres. — Ele se alongou: — Meus dedos estão ficando lentamente curvos por causa da artrite.
— O sacerdote Guillaume morreu hoje de manhã tentando curar a si mesmo. — O soldado sorriu irônico e hosticlass="underline" — Agora mesmo estamos no banquete do seu funeral.
Mandred já quase chegara até os soldados.
— Então vou beber à saúde dele. O homem...
— Isso no machado dele é sangue! — gritou um guerreiro.
Mandred correu e atacou com o machado o homem que estava mais à frente, enquanto cravou o ombro contra o peito de outro, fazendo-o cair. Uma lâmina de espada acertou ruidosamente sua camisa de malha de ferro, sem atravessá-la. Mandred deu uma volta, bloqueou um ataque com o machado e acertou um soco no rosto de outro guerreiro. Um machado voador errou por pouco a sua cabeça. O jarl abaixou-se e avançou. Armadura nenhuma ofereceria resistência à mortal lâmina dupla de seu machado. Ceifou um guerreiro como um lavrador faz com o milho, e foi quando um grito de alerta o cercou.
De uma das vielas laterais correram até a praça mais guerreiros com escudos de touros. Oleif se colocou no caminho, enquanto Farodin e Nuramon tentavam fugir cambaleantes até o pátio do bordel.
Mandred desvencilhou-se dos guerreiros restantes e correu para ajudar o filho. Oleif movia-se com a graça de um dançarino. Era um estilo de luta que parecia afeminado, pensou Mandred, mas que não deixava nenhum dos guerreiros interromper o sinuoso arco que sua longa espada desenhava no ar.
Lutando lado a lado, pai e filho foram lentamente recuando para a entrada do pátio. Quando estavam sob o portão e não podiam mais ser atacados pelos lados ou pelas costas, os guerreiros do rei recuaram.
Mandred e Oleif fecharam o pesado portão e o bloquearam com uma barra transversal. Respirando com dificuldade, o jarl deixou-se cair no chão. Sua mão esquerda brincava com uma de suas tranças.
— Eu esqueci de contar — murmurou, cansado.
O filho sorriu de soslaio.
— Eu diria que foram pelo menos três. Com os dois na ponte, cinco no total. Se você quiser continuar fazendo uma trança para cada morto, logo vai precisar arrumar mais cabelo.
Mandred abanou a cabeça, mal-humorado.
— Tranças mais finas. Essa é uma solução — disse, ofegante, ao erguer-se.
Nuramon e Farodin estavam perto dos cavalos. Os elfos não estavam em condições de ajudar a lutar para livrar o caminho através da cidade.
Um rapaz careca com cicatrizes no rosto surgiu na porta para o pátio. Poucas vezes Mandred encontrara um homem assim tão feio. Seu rosto parecia ter sido pisoteado por uma manada de bois.
— Os cavalos beberam água e estão alimentados, guerreiro. Ficaria agradecido se você deixasse a minha casa agora!
— Há uma segunda saída?
— Claro, mas eu não vou mostrar nenhuma. Você vai embora pelo mesmo portão que entrou. Não dou abrigo a fugitivos da guarda do rei.
Oleif deu um passo ameaçador na direção da porta, mas Mandred agarrou-o pelo braço e puxou-o de volta.
— Ele tem razão. Eu faria a mesma coisa no lugar dele.
O jarl ergueu a cabeça e olhou para as janelas. Duas jovens observavam curiosas o que acontecia no pátio.
— Aqui é mesmo um bordel? — perguntou Mandred.
— Sim — retrucou o careca. — Mas não acho que lhe resta muito tempo para se engraçar com alguma das minhas garotas, guerreiro.
Mandred soltou a bolsa de dinheiro do cinto e pesou-a na mão. Então jogou-a para o homem de cara marcada.