— Pode ser que a sua casa sofra alguns danos na próxima hora. Mas talvez isso também possa ser compensado... Você me abriria a porta se eu pedisse?
— Vocês podem contar com o meu apoio, mas só para sumir daqui.
— Então fique a postos perto do portão.
Mandred sorriu para o filho:
— Você tinha razão. Deixo mesmo todo o meu dinheiro em bordéis.
— Desculpe...
— Esqueça isso. Em vez disso, me ajude! —
Eles foram até o galpão e Mandred derrubou os tamancos da bancada com o braço. O tampo da mesa era uma tábua de carvalho de 8 centímetros de espessura. Mandred afagou a madeira manchada.
— As regras para fazer um cerco são claras, garoto. Há os que ficam atrás dos muros. Ficam sentados, esperam os acontecimentos e se defendem. E há os que ficam diante dos muros. Eles estão sempre em vantagem, pois decidem quando tudo acontece. Acho que precisamos inverter um pouco essas regras.
Oleif encarou-o sem entender.
Mandred enfiou algumas das facas de entalhe no cinto.
— Acho que até agora não disse que você se saiu muito bem, mesmo tendo sido educado por aquele Ollowain.
— Você acha que vamos morrer aqui?
— Um verdadeiro guerreiro não deve morrer na própria cama.
Ele hesitou. Ainda tinha tanto para dizer a seu filho... Mas o tempo urgia. De repente, ficou com a boca seca.
— Eu... eu queria que nunca tivéssemos pisado nesta maldita cidade. E queria ter passado um verão com você em Firnstayn. É só uma pequena aldeia... Mas, à sua maneira, ela é mais linda do que tudo o que vi na Terra dos Albos. — Ele soluçou. — Aposto que nunca o ensinaram a pescar. No fim do verão, o fiorde fica cheio de salmões... Chega de tagarelice! Não vamos dar mais tempo para que eles lá fora se aglomerem ainda mais. Talvez agora ainda consigamos atravessar. Eles estão espalhados por toda a cidade para procurar por nós. — Ele arrastou a bancada. — Muito pesada, mas que droga. — Olhou rapidamente para os dois elfos. — Eles não conseguem mais nos ajudar nas lutas. E, com dois cavaleiros na sela, os cavalos são lentos demais. — Hesitou: — Vamos ficar aqui... Vou bater nas patas traseiras da minha égua assim que estivermos lá fora. Se ela atravessar, Nuramon vai ter de se esforçar para permanecer na sela, sem fazer nenhuma loucura heroica. Desse jeito talvez ele consiga sair da cidade.
Oleif respirou fundo. Então consentiu com a cabeça.
— Vou ficar com você. Que os deuses os acompanhem em sua busca por Noroelle. A vida deles tem um objetivo... Eu sou alguém que sequer sabe a que mundo pertence.
Mandred enlaçou os braços ao redor do filho.
— Estou orgulhoso de ter lutado ao seu lado, Alfadas — disse, com a voz sufocada pela emoção. Era a primeira vez que o chamava por seu nome élfico. Ficaram ali imóveis por alguns instantes, dominados pelos sentimentos, e então saíram em direção aos cavalos.
Nuramon encarou-os, abatido.
— Vocês fazem ideia de como vamos sair daqui?
— Claro! — Mandred esperava que seu sorriso não parecesse forçado demais. — Nós vamos surpreendê-los, rachar os seus crânios e então fugir daqui a cavalo com toda a calma do mundo. Na verdade, eu acharia meio incômodo ter de cavalgar em dois na mesma sela.
Farodin riu baixo.
— Irresistivelmente simples. Um legítimo plano de Mandred.
— Não é? — O jarl foi até Nuramon e ajudou-o a subir na sela. — Tratem de ficar nos cavalos, senão só encontrarão dificuldades.
Quando ambos os elfos se sentaram, Mandred e Alfadas voltaram ao galpão para erguer a bancada e carregá-la diante de si como um grande escudo.
— Tenho um último pedido a você, meu filho.
O rosto de Alfadas estava deformado pelo esforço.
— O quê?
— Se sairmos vivos daqui, por favor, não use mais esse perfume. Isso é coisa de mulher e de elfo. E também afasta Norgrimm do seu lado. Você não deveria abrir mão da graça do deus da guerra. — Mandred esticou a cabeça para a frente. — Abra o portão, cara de cicatriz!
O dono do bordel arrancou a barra transversal e empurrou as duas folhas do portão.
— Por Freya! — gritou Mandred com toda a força enquanto avançavam.
Tiros de besta atingiram a tábua da mesa como uma chuva de granizo. Colados na prancha de madeira, os dois correram às cegas até a praça, até chegarem a um grupo de guerreiros. A pesada bancada derrubou cinco homens no chão.
Mandred olhou ao redor de si e estremeceu até a medula. Em todas as janelas ao redor deles havia besteiros, que recarregavam suas armas com toda a pressa. Nas vielas que levavam à pequena praça havia barricadas e soldados de guarda. A tropa de guerreiros sobre a qual tinham avançado recuou, apressada, para sair da linha de tiro.
De repente, ouviram o som de cascos de cavalo. Um garanhão branco pulou por cima de uma das barricadas. Uma cavaleira com os cabelos ao vento puxou a rédea fazendo o cavalo dar a volta, e apontou o seu arco. Com um movimento ágil, atirou a flecha da corda e já puxara outra da aljava. Com um grito, um dos atiradores despencou de uma das janelas da taverna ali defronte.
Agora um tropel soava de uma outra viela. Ollowain saltou por uma barricada golpeando um lanceiro. Levava consigo o cavalo de Nuramon pelas rédeas.
— Vai, filho de humanos, monte logo! Você pode ter me ensinado uma lição de honra, mas não é por isso que vou ficar muito tempo esperando.
Mandred agarrou a sela e puxou-se para cima. Viu Yilvina apear perto de uma terceira barricada e avançar como louca sobre os soldados, com suas duas espadas curtas.
De repente o ar se encheu de flechas de besta. Os cavalos deram relinchos estridentes. Algo atingiu Mandred nas costas, fazendo-o lançar-se para a frente.
Nomja continuava atirando quando uma flecha acertou seu cavalo na cabeça. Um mar de sangue esguichou sobre a sua pele branca. Como se atingido por um raio, o enorme animal caiu de joelhos. O solavanco jogou Nomja da sela, que tentou desviar dos cascos pisoteantes dos outros cavalos.
Obstinada, a elfa ergueu seu arco e atirou de volta.
— Vá até Yilvina! — gritou Ollowain. — Ela deixou o caminho livre para nós!
Mandred conduziu seu cavalo até Nomja e estendeu-lhe a mão.
— Venha!
— Só mais um! — Logo a flecha partiu do arco. Ela deu meia-volta e, de repente, sobressaltou-se. Mandred a agarrou quando ela ameaçou cair de bruços e puxou-a para cima do cavalo. Apesar de sua altura, ela parecia não pesar mais que uma criança.
Mandred arrancou com o cavalo e acertou-o com as esporas. Deram um largo salto sobre a barricada e saíram correndo pela viela, num ritmo de quebrar o pescoço. Logo chegaram à ponte. Em nenhum lugar havia soldados bloqueando o seu caminho; eles pareciam estar todos aglomerados na praça junto ao bordel.
Só quando estavam na ponte Mandred ousou olhar para trás. Seu filho, Farodin, Nuramon, Ollowain e Yilvina, todos conseguiram! Muitas flechas tinham atingido sua tropa, todos estavam feridos, mas escaparam!
Uma alegria indescritível tomou conta de Mandred. Ele tinha tanta certeza de que morreria... Ergueu triunfante o machado sobre a cabeça e chacoalhou-o:
— Vitória! Por Norgrimm! Nós escapamos deles... Vitória!
Ele agarrou Nomja, que ainda estava deitada de atravessado sobre a sela, para ajudá-la a se sentar. A cabeça dela caiu sobre o ombro.
— Nomja?
Os olhos verdes da elfa estavam arregalados, e encaravam o céu sem foco. Só então Mandred viu o talho do tamanho de uma avelã em sua têmpora.
Os escritos sagrados de Tjured
O sucedido deu-se no mesmo dia em que um anjo surgiu para o rei Cabezan. Tinha asas prateadas e portava uma espada de prata. Mas nada nele brilhava como os seus olhos, de um azul muito claro e límpido. E o anjo disse a Cabezan: “Envie os seus guerreiros, pois o perigo reina em Aniscans. O profeta Guillaume teme por sua vida, pois os filhos dos albos a põem em perigo. E isso somente porque um deles chegou tarde demais a suas mãos curadoras”. Então Cabezan ordenou que seus melhores guerreiros montassem seus cavalos e enviou-os a Aniscans sob o comando de Elgiot.