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Felizmente, Battista era um pouco mais falador. Fiora, meio surda devido à canhonada que se fazia ouvir durante todo o dia, soube por ele que Nancy se defendia bem. O bastardo da Calábria, seu governador, era um homem de guerra muito hábil. Não contente por ter, com a aproximação do exército borgonhês, acrescentado aos bastiões meias-luas, redutos e contraescarpas já existentes, terraços, cavaleiros e parapeitos de todos os géneros, a sua artilharia, nas mãos de um mestre artilheiro chamado Desmoulins, que era, talvez, o melhor artilheiro do seu século, respondia golpe por golpe, ao assaltante. Os dois canhões que Desmoulins mandara montar na Grande Torre que dava para a comendadoria já tinham obrigado o Temerário, por duas vezes, a mudar as suas tendas de lugar e a pôr em posição o Courtois, a grande colubrina, com a qual os Borgonheses atacavam a dita torre e a da porta de Saint-Nicolas. O jovem romano não escondia que um certo descontentamento começava a despontar nos assaltantes. Iriam ter de novo o interminável cerco de Neuss? Na cidade, por outro lado, a esperança

1 Fortificações dominando redutos na retaguarda

2 o Cortês

renascia a despeito de as reservas de víveres começarem a diminuir. Aliás, a chuva vinha em socorro das gentes de Nancy, transformando o campo inimigo numa cloaca...

Infelizmente para eles, os Borgonheses receberam reforços: o grande bastardo Antoine de Borgonha, meio-irmão do Temerário e seu melhor general, chegou do sul trazendo consigo as tropas lombardas frescas que fora buscar a Milão. Com a sua ajuda, Carlos pôde cercar por completo a cidade, ficando esta sem qualquer possibilidade de ser reabastecida...

Quer dizer perguntou Fiora que o cerco vai acabar em breve, ou ficaremos aqui durante meses?

Espero, por vós, que a resistência dos Lorenos não seja eterna. Esta tenda é bastante agradável, mas na condição de sairdes mais vezes, coisa que não fazeis.

Com efeito, Fiora tinha direito, chegada a noite e sob a vigilância estreita dos soldados que lhe guardavam a porta, a sair por alguns minutos para respirar um pouco de ar fresco. O resto do tempo, podia abrir as cortinas que escondiam a porta, mas mais nada. Em geral, não aproveitava a autorização, para evitar a chuva empurrada pelo vento. Porém, a observação do pajem inquietou-a:

Quereis dizer que não sairei daqui antes de Nancy ser conquistada?

Battista hesitou um momento e depois, baixando a voz, respondeu em italiano:

Exactamente. Não vo-lo devia dizer, mas, no fim de contas, quanto a mim, tendes o direito de saber o que vos diz respeito: Campobasso atacou messire de Selongey e os dois homens tinham começado a bater-se quando monsenhor o duque interveio. Ordenou-lhes que esperassem até que o exército entrasse em Nancy, acrescentando que não se queria arriscar a que um, ou talvez dois dos seus melhores capitães ficassem fora de combate. Mas, mesmo exibindo toda a sua cólera, teve dificuldade em consegui-lo. Foi preciso ameaçá-los... de vos mandar executar imediatamente. Isso acalmou-os logo. Cada um partiu para o seu comando...

Sois capaz de me dizer quando aconteceu isso?

Na manhã seguinte à vossa chegada e não sei, na verdade, qual dos dois estava mais encarniçado. Se os tivessem deixado, ter-se-iam matado mutuamente. Assim, para evitar isso, monsenhor mandou um para leste e o outro para oeste...

Obrigada por me terdes informado disse Fiora. Agis para comigo como um verdadeiro amigo e eu sinto-me extremamente comovida. Posso pedir-vos outra coisa?

Se estiver na minha mão... e não contrariar demasiado as minhas ordens.

Espero que não. Gostaria que aceitásseis prevenir-me se... acontecesse alguma coisa ao conde de Selongey.

O jovem Colonna sorriu-lhe, o seu rosto estreito, trigueiro como uma castanha, iluminou-se e, inclinando-se para Fiora, fez-lhe uma bela saudação:

Sempre foi essa a minha intenção... Senhora condessa! É natural...

A gentileza daquela criança era o único raio de sol que trazia um pouco de calor aos dias uniformemente cinzentos e tristes da jovem. As horas escoavam-se lentas, intermináveis, todas parecidas. Um convento, com a sua rigidez, teria sido preferível àquela prisão de lona, de onde não se via nada, mas onde se ouvia tudo. O crepitar da chuva alternava com o ruído dos canhões, os gritos de alegria ou de dor, ou a algazarra dos assaltos repelidos sem cessar. O eco das orações também chegava até à cativa, porque a tenda do núncio papal estava próxima e houvera uma enorme explosão de alegria suscitada pela chegada triunfal do grande bastardo de Borgonha. Por fim, o que era, pelo menos agradável, Fiora ouvia várias vezes a maestria da voz sonora de Battista. Mas Fiora tinha a impressão deprimente de ser uma daquelas duas reclusas que vira em Paris, que vivem toda a sua existência entre quatro paredes de pedra erguidas em seu redor e que não têm, da vida, senão a vista muito limitada de uma estreita janela, pela qual lhes chegam os dons da caridade e os sons do que se passa em redor daquelas tumbas abertas, fechadas imediatamente após a sua morte. Sem o jovem Colonna ela sentia-se esquecida, mas não sabia exactamente se desejava o fim do cerco, que lhe abriria a prisão sem dúvida para ir para outra e talvez para o cadafalso e que seria o sinal para o combate de morte entre os dois homens que lhe tinham destruído a vida...

Uma noite em que o alarido fora particularmente forte e em que tinha mesmo ouvido rugir, não muito longe dela, a voz do Temerário, esperava Battista ainda com mais impaciência do que de costume para saber o que se passava e, quando ouviu passos, atirou com o livro das horas que encontrara numa das arcas e que era a única leitura à sua disposição, portanto a sua única distracção, mesmo se as orações que encontrava nele não encontravam nem acordavam qualquer eco sensível no seu coração. A jovem viu-o aparecer na soleira da porta e constatou que puxara o seu gorro quase até ao nariz.

Está assim tão mau tempo? perguntou-lhe ela alegremente. Não ouço chuva nenhuma...

Sem responder, ele pousou no chão o tabuleiro coberto com uma toalha, quase no mesmo movimento arrancou o gorro e tirou um punhal da cintura, ao mesmo tempo que avançava para o círculo de luz emitido pelo candelabro:

Vós não sois o Battista! exclamou Fiora. Quem sois? Ao mesmo tempo que fazia a pergunta, reconheceu-o. Era o pajem de Campobasso, Virgínio, cujo olhar de ódio ela não esquecera e que, agora, lançava sobre ela uns olhos flamejantes de alegria feroz:

Quem sou? Sou a morte, puta! rosnou ele continuando a avançar lentamente, passo a passo, saboreando aquele instante que devia ter antecipado com todas as suas forças durante dias.

Uma única coisa o perturbava um pouco: a mulher não manifestava qualquer sinal de medo.

Metei essa faca na bainha e ide-vos! exclamou Fiora. Basta-me chamar...

Podes chamar à vontade. Adormeci os teus guardas com vinho drogado. Diante da porta só tens dois corpos inertes e agora não me vais escapar.

Por que razão me quereis matar? Que vos fiz?

Quero matar-te para ter a certeza que Campobasso nunca mais se deita na tua cama. Antes de ti, era eu que reinava sobre ele. Ele gostava dos meus beijos e das minhas carícias, mas, depois, apareceste tu... E agora, quando fazemos amor, o seu espírito está ausente e eu não posso suportar isso.

Virgínio distendeu-se subitamente, como uma mola e mergulhou sobre Fiora de punhal em riste. Com todas as suas forças, esta gritou:

Socorro! A mim!... Socorro!...

A jovem usou de todas as suas forças para afastar a lâmina assassina, mas o pajem era grande para a idade e bem treinado, ao passo que a clausura retirara a Fiora uma parte das suas capacidades. Ele ia vencer e, dentro de um segundo, a faca entraria na sua garganta. A jovem fechou os olhos, continuando a chamar por socorro.

Já vou! gritou uma voz, que lhe pareceu a de um anjo.