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O governador quebrou a sua espada e atirou os bocados aos pés dos magistrados vestidos de vermelho. Decorria o dia 29 de Novembro de 1475...

Quarta parte

A CORRIDA PARA O ABISMO

CAPÍTULO XI

O DUELO

Na manhã de 30 de Novembro, dia de Santo André, padroeiro da Borgonha, o duque Carlos fazia a sua entrada em Nancy, às oito horas da manhã, pela porta da Craffe. O tempo cinzento, mas sem chuva, trazia ao povo mudo e em grande luto, que olhava, contido por uma dupla fila de soldados de infantaria ao longo da cidade e até à porta de Saint-Nicolas, pela qual, na véspera, saíra a guarnição com as honras da guerra, algum apaziguamento.

O Temerário quisera assistir em pessoa a essa partida. Passara em revista, os dois mil alemães que regressavam à Alsácia, os seiscentos gascões a França e os dois mil lorenos, dos quais alguns regressavam a casa, enquanto os outros iriam reforçar a guarnição de Bitche. O bastardo da Calábria apareceu em último lugar, unicamente escoltado pelo seu porta-estandarte. Armado com todas as peças, a cavalo mas de cabeça nua, altivo e soberbo, aproximou-se a trote do Temerário e lançou-lhe:

Se tivesse dependido de mim, terias partido os dentes nesta cidade, Carlos de Borgonha. Juro-te por Deus! Mas os burgueses têm mais amor à vida do que à honra. Que vais fazer? Passá-los todos a fio de espada?

Não. Estou decidido a manter Nancy na posse dos seus privilégios e governá-la segundo os seus antigos costumes. Farei dela a capital do meu reino. Por que é que tu, que és tão valente e de sangue real, não queres ser seu governador? Eu gosto dos homens de valor.

Também eu e é por isso que parto. Nunca se dirá, enquanto eu viver, que um príncipe loreno, mesmo que bastardo, se inclinou perante ti...

Talvez outros o façam! Sabias que o teu avô, o velho rei Renato, está a pensar doar-me a Provença em testamento, a fim de que seja restaurado o antigo reino borgonhês?

Ele que o faça. Nós não queremos saber da Provença. Apenas a Lorena nos interessa e tu ainda não te livraste de nós!

Virando o seu cavalo, o bastardo da Calábria partiu a galope pela estrada de França. Uma mancha de lama, atirada pelos cascos do corcel, maculou o manto de veludo vermelho que o Temerário usava sobre a armadura... Este franziu as sobrancelhas, mas a sombra que lhe passou pelo rosto dissipou-se rapidamente:

Nancy é nossa, meus fiéis! lançou ele a plena voz. Entremos nela alegremente! E que se saiba que quem molestar um só dos seus habitantes, ou atacar os seus bens, será punido com a morte!

Para sua surpresa, nessa mesma noite, decididamente fértil em acontecimentos, Fiora soube que o núncio do Papa conseguira que ela fosse colocada sob a sua protecção imediata e que seguisse todas as suas deslocações até que o resultado do combate entre Selongey e Campobasso permitisse resolver o seu destino. O jovem Colonna continuava ligado momentaneamente ao seu serviço e ela contava obter, do amável núncio, que lhe devolvessem Esteban.

Assim, ao nascer do dia seguinte, Battista conduziu-a até junto do pequeno grupo de padres e monges que compunham a escolta de monsenhor Nanni. Anunciada ao comum dos mortais como uma dama em peregrinação, desejosa de se recolher perante as relíquias de Santo Epvre, tomou lugar na liteira de viagem do prelado, enquanto este se encavalitava numa mula para fazer, na cidade, uma entrada mais próxima do coração dos seus habitantes. Por uma daquelas delicadezas inesperadas, da qual tinha o segredo, o Temerário decidira que Deus, na pessoa do núncio, seria o primeiro a entrar na cidade conquistada, na esperança de que esse gesto apaziguaria alguns rancores e poria à sua disposição os corações dos seus inimigos de ontem, dos quais, com toda a boa-fé, desejava fazer os súbditos leais de amanhã.

No entanto, nenhuma manifestação de alegria acolheu o prelado que precedia o vencedor, mas, diante de si, a multidão, num movimento unânime, ajoelhou-se sob a sua mão abençoadora:

Recobrai a esperança, meus filhos repetia ele com uma piedade que se parecia com alguma ternura o duque Carlos não vos quer mal e não tendes nada a temer do seu feito...

Por trás das cortinas da liteira com as armas papais Fiora observava aquela gente vestida de negro, os rostos enrugados pelas privações e as casas, algumas das quais mostravam os telhados destruídos pelas balas de canhão e outras com prejuízos ainda maiores. O odor da morte e dos incêndios parecia agarrado às muralhas e ela teve vergonha de entrar assim, escondida, sem dúvida, mas presente, naquele cortejo que precedia o do vencedor. Felizmente, a liteira penetrou directamente no palácio ducal, que se compunha, então, de quatro construções ordenadas em redor de um pátio central e parou no dito pátio, ao mesmo tempo que o núncio ia tomar lugar na igreja de Saint-Georges, vizinha imediata do palácio, para ali acolher o novo senhor. Battista Colonna apareceu diante de Fiora:

Os furriéis de monsenhor Carlos trabalharam toda a noite para preparar os alojamentos. Há um para vós, Quereis que vo-lo mostrem imediatamente, ou preferis observar a ”alegre entrada”?

Pelo que vi até agora não augura grande satisfação, mas prefiro assistir à chegada do duque...

A jovem mal teve tempo de chegar, numa grande sala deserta, a uma janela do primeiro andar: as seis trombetas de prata, que abriam a marcha, soaram na porta da Craffe. A seguir a elas vinha uma centena de homens de armas precedendo uma companhia de cavaleiros emplumados sob as flâmulas brilhantes dos seus pendões diversamente coloridos. O Temerário apareceu alguns passos atrás deles e o seu esplendor cortou o fôlego dos assistentes: montando o seu cavalo favorito, Moro, arreado com uma carapaça dourada, trazia um amplo manto

1 Não resta nada. O duque Renato mandou-o reconstruir em parte e foi completado mais tarde pelos seus sucessores.

inteiramente bordado a ouro, que se estendia pela garupa do cavalo, o grande colar do Tosão de Ouro e, na cabeça, o mais fabuloso ornamento que se possa imaginar: um gorro alto de veludo coberto de pérolas, rodeado por uma grinalda de rubis e diamantes e encimado por uma fivela composta por três grandes rubis, aliás célebres, chamados os ”Três Irmãos”, quatro enormes pérolas e um diamante piramidal que captava o menor reflexo luminoso. Sob aquele chapéu de parada mais precioso, sem dúvida, do que a coroa imperial, o grande duque do Ocidente destilava de orgulho, gozando visivelmente o estupor maravilhado da multidão, esperando as aclamações que não vinham: nada, senão um sussurro que percorria a multidão como uma brisa sobre água calma... No espelho da sua memória Fiora reviu a silhueta cinzenta do Rei de França e pensou que, na verdade, a comparação não lhe era nada favorável; mas não era certo que uma inteligência semelhante e um espírito igualmente agudo estivessem escondidos sob aquela aparência esplendorosa de príncipe lendário...

A seguir ao duque, em cavalos de parada com magníficas couraças, vinham o duque Engelbert de Nassau, o grande bastardo Antoine, o conde de Chimay Philippe de Croy, o duque Jean de Clèves, o príncipe de Tarente, o conde de Marle, filho do Condestável de Saint-Pol, que ignorava ainda que o seu pai, entregue pelo tratado de Soleuvre ao Rei de França que, aliás, traíra várias vezes estava detido na Bastilha e esperava o julgamento que o levaria ao cadafalso, Jean de Rubemprè, senhor de Bièvres e muitos outros, entre os quais, com um aperto no coração, Fiora reconheceu Philippe...