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Anunciai-me a monsenhor! ordenou ela tão secamente como se estivesse a falar com um criado. Quero vê-lo!

Impossível disse La Marche. monsenhor está em conferência com o embaixador de Milão e vós não tendes nada que estar aqui! Guardas, conduzi esta mulher ao seu quarto!

Não me toqueis! gritou Fiora. É urgente vê-lo: trata-se da vida de um homem!

E eu digo-vos...

O que é que se passa? Que barulho é este?

A porta acabava de se abrir pela mão do Temerário. O duque abarcou a cena com um olhar, viu Fiora debatendo-se nas mãos dos soldados e o núncio, que fazia esforços inúteis para a trazer à razão:

Vós, outra vez? disse ele. Agora forçais-me a porta? Eu pensava, Eminência, que respondíeis por esta louca?

Eu não posso responder pelos arrebatamentos do seu coração disse Nanni com um suspiro. E donna Fiora está muito, muito comovida...

Muito bem, vejamos essa emoção! Entrai, os dois!

Sem um olhar para a vasta divisão, da qual os criados de Carlos tinham feito um esplendor de ouro e púrpura, disposto em redor de uma admirável tapeçaria onde milhares de flores circundavam as armas da Borgonha, nem para a elegante personagem que estava de pé junto de um aparador ornamentado com duas estátuas douradas, Fiora, da soleira, ofereceu ao duque uma profunda reverência:

Monsenhor rogou ela acabo de saber que o duelo terá lugar amanhã. Suplico a Vossa Senhoria que o impeça...

Um recontro onde a honra de dois cavaleiros está em jogo? Tínheis de ser mesmo filha de mercadores, para sonhar, apenas, isso...

Sobretudo, sou uma mulher sedenta de justiça... e uma mulher que ama. Messire de Selongey está ferido: o combate será desigual.

Também sabeis isso? Para uma pessoa que tem estado presa, sabeis tudo o que se passa no meu exército! disse o duque com a sombra de um sorriso que encheu de esperança o coração da jovem. Ficai descansada, o ferimento de Selongey é ligeiro.

Mas, é um combate a todo o transe!

E então?

As pernas de Fiora dobraram-se; a jovem caiu de joelhos e escondeu o rosto nas mãos:

Por piedade, monsenhor!... Fazei de mim o que quiserdes, atirai-me para a prisão, entregai-me ao carrasco, mas impedi esse horror! Eu não quero vê-lo morrer!

Seguiu-se um grande silêncio, apenas perturbado pelo som da respiração da jovem. Monsenhor Nanni inclinou-se para ela, para a reconfortar, mas o duque deteve-o com um gesto e, lentamente, aproximou-se de Fiora:

Amai-lo a esse ponto?... Nesse caso, por que Campobasso?

Por vingança... e para o afastar de vós... de vós, por quem Philippe está sempre pronto a tudo sacrificar. De mim só quis uma fortuna para as vossas armas... e uma única noite.

Ele inclinou-se, pegou nas duas mãos que ela apertava contra o rosto obstinadamente e obrigou-a, docemente, a levantar-se:

Detestais-me, não é verdade?

Ela hesitou apenas um momento e respondeu, os olhos cinzentos nos olhos negros do príncipe:

Sim... Sem vós, seria feliz!

Sem mim, não o teríeis conhecido. Que foi ele fazer a Florença? Regressai ao vosso quarto e rezai a Deus! Eu sei que estais decidida a passar sem a Sua ajuda, mas talvez monsenhor Nanni consiga convencer-vos a virar-vos para Ele. Deus ouve as nossas orações... Quanto ao duelo, nem sequer tenho possibilidade de o retardar: nenhum dos adversários consentiria...

Guiada pelo núncio, que lhe dava o braço, a jovem dirigiu-se para a porta, mas, antes de a transpor, virou-se:

Posso, ao menos... falar-lhe?

Se ele consentir, não me oponho. Também devo dar permissão a Campobasso, que não cessa de reclamar um instante convosco?

Por favor, monsenhor... nunca! Gostaria... de não o ver nunca mais. Mas agradeço-vos por me permitirdes encontrar-me com Philippe...

Estavam os dois face-a-face no que fora o oratório das duquesas da Lorena, um pequeno santuário de pedra cinzenta que o fausto borgonhês já tinha vestido de azul e prata, com uma bela estátua da Virgem e alguns relicários, diante dos quais, quando Fiora entrou, Philippe rezava, de joelhos.

Ao ouvir a porta a ranger ligeiramente, ele levantara-se e, com uma mão pousada na mesa da comunhão, olhava para a jovem que se aproximava, mas esta parou a alguns passos de distância.

Não desejava voltar a ver-vos disse Selongey em voz baixa, na qual Fiora percebeu algum cansaço. Mas o duque insistiu, sem, aliás, me dizer a razão.

Fui eu que lhe pedi. Queria ver-vos antes de... oh, Philippe, vós estais ferido!

A têmpora direita, com efeito, mostrava um arranhão ainda mal fechado, em redor do qual a pele estava azulada, mas Philippe encolheu os ombros:

Se é por causa desta esfoladela que me quereis falar...

Um pouco, sim... mas, sobretudo, desse duelo que me apavora. É indispensável que vos batais...

Com o vosso amante? Espero matá-lo! Tenho menos quinze meses do que ele e não é este arranhão que me impedirá. Tendes medo, dizeis? Nesse caso, deveríeis saber que vindo aqui pedir por ele só faz com que a minha vontade de o matar aumente.

Pedir por ele? Esse pensamento nem sequer me passou pela cabeça. É por vós que temo...

É muita bondade da vossa parte, mas devíeis antes preocupar-vos com esse bandido de estrada, porque não o pouparei e ele vai achar isso muito desagradável. Sobretudo, pouco habituaclass="underline" um condottiere, todos sabem, prefere conservar a vida para poder gozar à-vontade, na velhice, o fruto dos seus serviços mercenários...

Eu supliquei ao duque que impedisse o combate.

Ele riu-se de vós, imagino? Achais que eu permitiria que um homem fosse ter com o meu príncipe para reclamar a minha mulher como um bem seu?

Vossa mulher? disse Fiora com amargura. No vosso espírito só o fui durante algumas horas, mas nunca pensastes em viver comigo, em fazer de mim a companheira de todos os instantes. Pensais que ignoro os termos desse contrato insensato que vós arrancastes à fraqueza do meu pai e por que meio, indigno de um cavaleiro, conseguistes a vitória? Isso, em qualquer país do mundo, chama-se chantagem!

Eu desejava-vos a qualquer preço e teria empregado todos os meios, mesmo os piores...

Não foi o que fizestes?

Ele virou a cabeça para não voltar a encontrar aquele olhar brilhante de cólera, onde só lia a sua condenação.

Confesso a minha vergonha, mas vós enlouquecestes-me...

Eu, ou a minha fortuna?

Pensava que já vos tinha provado que vos amava?

Provastes-me? Aquela noite, em que fizestes de mim uma mulher, foi prova suficiente, após o que fugistes como um ladrão sem perguntardes a vós próprio, nem sequer por um instante, se não me deixaríeis irremediavelmente ferida? Leváveis uma letra de câmbio e uma mecha de cabelos, disseram-me. Foi essa a vossa vitória...

Eu regressei a Florença.

Já o dissestes e isso também não prova nada. Escutastes, vendo arder o meu palácio, os primeiros mexericos e voltastes a partir com grandes suspiros, sem dúvida, que eu não estou certa se não seriam de alívio. Estáveis viúvo, com o futuro pela frente..

Isso não é verdade. Eu voltei porque vos amava, porque queria voltar a ver-vos...

É isso que pensais? Se me tivésseis amado... como eu vos amei, teríeis destruído Florença, pedra por pedra, teríeis escavado a terra com as vossas unhas até encontrar, pelo menos, o meu cadáver, mas partistes tranquilamente. A história acabara, já não havia nenhum Beltrami no mundo para os lembrar de que, por amor ao vosso senhor, tínheis sujado as águias de prata das vossas armas ao casar com a filha do incesto e do adultério, a filha de Marie de Brévailles. Já não precisaríeis de morrer, como anunciastes enfaticamente ao meu pai... aliás, sou obrigada a constatar que não estais morto!

E reprovais-me por isso? Odiais-me a esse ponto?

Decididamente, não compreendestes nada...