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De facto, em redor daquela mesa, Esteban era, talvez, o único a achar, realmente, que a vida era bela. Adorara, como amante dos grandes horizontes, a viagem desde Florença ao longo das margens do Mediterrâneo e depois através da Provença, chegando finalmente aos vales do Ródano e do Sona. Por fim, descobrira, após mais algumas libações pelo caminho, a magnificência dos vinhos da Borgonha... encontrando nisso um prazer extremo. Com os olhos meio fechados e a expressão alegre, nada via para além da sua taça cheia de um caloroso vinho de Chambertin...

Léonarde não se meteu na conversa que Demétrios fazia, feliz, as despesas, como homem que muito vira e muito aprendera. Esperou que o último prato fosse levado e a mesa levantada, com excepção de uma última garrafa. Tinha consciência, com efeito, da importância daquela reunião com o jovem Brévailles. Fiora sorria e isso significava muito para a sua governanta.

Contudo, quando a porta se fechou à saída do último criado, levantou-se, encaminhou-se para a chaminé onde tinham acendido um fogo de acordo com a frescura da noite e estendeu para ele as mãos, que esfregou uma na outra. Em seguida, virando-se, fez frente aos seus companheiros. Esteban estava precisamente em vias de constatar que o Cruz de Ouro era, sem dúvida, o melhor albergue da cristandade:

Isso é, certamente, verdade cortou ela. Infelizmente, não podemos cá ficar muito tempo. Tenho umas coisas para vos dizer...

Todos ficaram hirtos: Fiora sentada perto da cama, Demétrios no banco perto da chaminé, Christophe num escabelo. Apenas Esteban foi encher a sua taça uma última vez, mas já não sorria. Todos tinham consciência de que o instante privilegiado chegara ao fim...

CAPÍTULO II

A CASA NO SUZON

A decisão de Fiora foi instantânea: já que Regnault du Hamel morava em Dijon, ela ficaria na cidade o tempo que fosse necessário para livrar aquela terra do homem que martirizara a sua mãe e tentara massacrar um bebé. Mas a preocupação justificada, que o senhor Huguet demonstrara por ter em sua casa viajantes comprometedores, levantava um caso de consciência, porque o medo é mau conselheiro. Num outro albergue, aliás, o risco seria o mesmo:

A melhor solução sugeriu Demétrios parece-me que é alugar, se for possível, uma casa não muito afastada da que vos interessa. Para um assunto destes é preciso tempo para estudar os hábitos do inimigo, espiar... e ter paciência.

Paciência! Era essa a arma preferida do médico grego e ele esforçava-se por inculcar aquela rara virtude naquela que, dia-a-dia, com a ajuda de uma infinidade de pequenas lições, se ia transformando no melhor dos alunos... O que não era o caso de Esteban.

Vamo-nos instalar aqui? protestou ele. Não vamos a Paris?

Cada coisa a seu tempo. Havemos de ir ter com o Rei, que, aliás, não está em Paris. Por agora, temos assuntos a tratar aqui. Será possível arranjarmos um alojamento decente por algumas semanas, dame Léonarde?

É sempre possível. Resta saber se encontraremos um bem situado!

Foi aquele o problema que ela foi pôr, no dia seguinte, a Magdeleine, a irmã mais nova do senhor Huguet, que a governanta conhecera quando tinha a idade de Fiora e cuja alegria, ao revê-la, achara verdadeira. Desse lado teria uma ajuda segura, sem que fossem precisas, talvez, grandes explicações.

Magdeleine, com efeito, era uma alma simples. Escutou Léonarde com atenção enquanto esta lhe explicava que os seus ”patrões”, seduzidos pela beleza da cidade e da região, desejavam permanecer algum tempo em Dijon, necessitando, assim, de descobrir uma casa agradável, no centro se possível, para não estarem muito afastados dos mercados, etc. A irmã do senhor Huguet mostrou-se encantada com a ideia que lhe ia permitir ver durante algum tempo aquela querida Léonarde, mas fez-lhe notar, com um tudo-nada de amor-próprio ferido, que o albergue do seu irmão era, apesar de tudo e sem contestação, o mais agradável para qualquer estadia, fosse ela longa.

Na condição de se estar de boa saúde ripostou Léonarde. Ora, donna Fiora está doente. A longa viagem desde Florença fatigou-a. Precisa de repouso e tranquilidade. Por outro lado, messire Lascaris, que é um sábio, não gosta de ficar muito tempo numa hospedaria, mesmo que seja tão boa como esta. Ele tem em curso trabalhos importantes e precisa do silêncio de um quarto só para ele...

Mas objectou Magdelaine que, apesar de ser uma alma simples, não deixava de ter lógica nem memória eu pensava que esse grande médico ia para a corte de França?

Demétrios previra aquela objecção quando notara a Léonarde que falara de mais...

O Rei está com os exércitos neste momento e só nos espera no Outono. Nós vamos ter com ele ao castelo de Plessis-lès-Tours, nas margens do Loire...

Esclarecida, Magdelaine declarou-se satisfeita e acrescentou, até, que talvez pudesse contentar rapidamente a sua amiga de outrora:

Lembrais-vos disse-lhe ela da nobre dama Symonne Sauvegrain, viúva do antigo governador da Chancelaria, messire Jehan Morei?

A que foi ama-de-leite do Temerário e que, em troca do leite, recebeu um título de nobreza?

Mais recentemente ainda, prestou, durante perto de três anos os seus cuidados à jovem princesa Marie, filha única do nosso duque, pelo que monsenhor lhe está muito reconhecido.

§e bem me lembro, o falecido Jehan Morei mandou construir uma grande e bela residência na rua dês Forges?

Uma residência que se tornou demasiado grande para madame Symonne. Ela vive lá sozinha com o seu filho Pierre desde o casamento da sua filha Ysabeau e eu suponho que ela alugaria de boa vontade o edifício na margem do Suzon. Quereis que eu vá falar com o intendente dela?

Vamos lá as duas! É só o tempo de me vestir para sair e perguntar a donna Fiora se está de acordo...

Era, aliás, apenas uma questão de puro respeito, porque Fiora não tinha qualquer razão para recusar uma casa situada praticamente em frente da do seu inimigo, portanto numa posição estratégica inesperada.

A casa que Jehan Morei construíra quarenta anos antes para a sua mulher, pela qual tinha uma verdadeira devoção, era, com as suas janelas de portada dupla, os vitrais de cor e o elegante balaústre esculpido que sublinhava o telhado de telhas brilhantes, uma das mais belas da cidade. Construída em U, a sua ala traseira tinha vista para o Suzon e possuía instalações independentes, que lhe permitia estar isolada do resto da residência. Esse pavilhão compunha-se de uma sala comum, uma cozinha e quatro pequenos quartos. Não era imensa, mas era cómoda, bem mobilada e, sobretudo, a orientação de algumas das janelas permitia observar as idas e vindas da casa pertencente a du Hamel. Apenas a largura do Suzon, que naquele local desaparecia sob a rua du Lacet, separava as duas casas. Quanto à entrada, dava para a rua dês Forges, o que a punha fora de vista, porque, para chegar à porta, era preciso atravessar um corredor que tinha o comprimento da residência Morel-Souvegrain e um pátio que se transpunha por baixo de uma galeria.

Achando que aquilo era um presente do céu, Léonarde apressou-se a concluir o aluguer e entregou três meses de renda a Jacquemin Hurtault, o intendente dos Morei, que fornecia, alem disso, uma criada... O preço era razoável, tendo em contaque à casa, confortável, não faltava nada.

Enquanto isso, no seu quarto, Fiora conversava com Christophe, que desejara falar-lhe. Graças a Esteban, que percorrera a cidade de manhã à noite para lhe encontrar roupas que lhe servissem, o jovem apresentava agora um aspecto mais conveniente com o seu traje cinzento-baço, as botas negras e o capuz pregueado, que lhe escondia a tonsura. Esteban, para quem um homem sem uma arma era um homem incompleto, acrescentara um punhal de feitura um pouco arcaica, mas de bom aço de Toledo, o que fizera sorrir o antigo monge: