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Nunca aprendi a servir-me disto. Não se usa uma coisa destas num mosteiro...

A espada exige uma longa aprendizagem, mas, em caso de perigo, servimo-nos do punhal quase instintivamente respondeu-lhe o castelhano. Além disso, não dissestes que queríeis ser soldado? O exército ensinar-vos-á...

Christophe vinha, portanto, agradecer a Fiora todos os favores e despedir-se antes de se afastar, porque não queria estar a seu cargo mais tempo.

Já nos ides deixar? perguntou ela. Asseguro-vos que, se há algum encargo, é bem ligeiro e eu sentia-me bem feliz por ter, junto de mim, alguém da minha família. Mas compreendo que tenhais pressa de encontrar um novo destino. Que caminho contais tomar? Ontem parecíeis hesitar?

Já não hesito. Reflecti muito esta noite e creio que me vou juntar ao exército do duque Carlos! Fiora teve um sobressalto:

Parece-vos um senhor desejável quando a vossa mãe, em tempos, implorou em vão a sua piedade?

Eu sei, mas o vosso amigo grego, ontem, disse-me uma coisa que me fez reflectir. Eu procurava a morte e ele aconselhou-me a procurar antes a vida e tentar conquistar um nome. Ora, eu sou borgonhês, diga-se o que se disser e, esse nome, gostaria que fosse da Borgonha. Ontem, depois do jantar, fui com Esteban até à sala do albergue e ouvi os mercadores a conversar. Eles diziam que um embaixador do Papa intrometeu-se para fazer cessar o longo cerco a Neuss. O duque estaria a pensar em trazer o seu exército para a Lorena, a fim de punir o jovem duque Renato II, que rompeu a aliança. Também se diz que o Rei de França fez marchar as suas tropas sobre o Artois e sobre o Franco Condado. Vai ser preciso defender o país. Eu quero estar lá. Vós ides partir para França, não é verdade, porque uma permanência muito longa aqui poderá pôr-vos em perigo?

Christophe ignorava, com efeito, que Fiora decidira ficar em Dijon. Na véspera, à noite, o jovem retirara-se com Esteban para irem beber um último copo na sala. Fora então que a jovem informara Léonarde e Demétrios do que pensava fazer. Se bem que lhe inspirasse uma simpatia instintiva, achava que não conhecia suficientemente bem Christophe para lhe dar parte de todos os seus projectos. Mas como pensou ver alguma inquietação no seu olhar, sorriu-lhe gentilmente:

- Eu não gosto de abandonar um local com o pretexto de que poderei recear qualquer coisa. Além de que quero conhecer melhor esta cidade, de que o meu pai tanto gostava. Pode ser que fique ainda mais alguns dias.

- Isso é uma loucura! Ouvistes dame Léonarde ontem à noite? Esse miserável Regnault du Hamel vive aqui e continua tão mau como antes. E se ele vos vê? Vós pareceis-vos tanto com a minha doce Marie!...

- Talvez esteja aí a grande diferença entre a minha mãe e eu. Ela era infinitamente doce, terna e vulnerável - coisa que eu não sou... ou antes, já não sou! Se sire du Hamel quiser alguma coisa de mim - e eu não vejo sob que pretexto ele me poderia atacar - podeis ter a certeza de que estarei prevenida. Aliás, tenho bons defensores. Parti tranquilo! Talvez um dia nos voltemos a ver...

A entrada tumultuosa de Léonarde cortou-lhe a palavra. A velha solteirona vinha radiante de satisfação e, não tendo visto Christophe, lançou de chofre:

- Arranjei o que precisamos! Uma casa mesmo em frente daquela que nos interessa...

Apercebendo-se de que a jovem não estava só, parou imediatamente e ficou muito corada, o que divertiu Fiora: Era a primeira vez que via a sua velha Léonarde confusa. Mas estabelecera-se um silêncio incómodo. Christophe olhou à vez para as duas mulheres. As suas espessas sobrancelhas tinham-se franzido e ele estava pálido:

e para melhor visitar Dijon articulou ele lentamente precisais de uma casa perto da de du Hamel? É isso, não é?

Fiora levantou-se e avançou para o jovem, nos olhos do qual pousou o seu olhar:

É isso, mas peço-vos que não vos preocupeis.

Pedis-me demasiado. Que tendes na ideia?

Poderia responder-vos que não tendes nada com isso, mas, no fim de contas, tendes, talvez, o direito de saber. Ontem, creio ter-vos dito que vinha pagar velhas dívidas? Regnault du Hamel é a mais pequena. Eu ia a Au tun para o procurar, mas o céu ou o inferno decidiu poupar-me o trabalho, porque ele está aqui. E não sairei desta cidade senão depois de a ter purificado da sua presença...

Quereis... matá-lo?

Traduzis na perfeição a minha intenção.

Isso é insensato.

Não creio. De qualquer maneira, e por mais que possais objectar, não me fareis mudar de opinião.

Arrepiado, Christophe olhou para a jovem, direita e orgulhosa na sua frente, tão delgada naquele vestido negro que a fazia ainda mais alta, com os seus grandes olhos cinzentos onde pareciam viajar nuvens e o seu porte de princesa... Parecia mais inflexível do que a lâmina de uma espada e o jovem compreendeu que não conseguiria demovê-la. Então, desesperado e sem compreender bem por que razão aquela jovem representava, agora, tanto para si, virou-se para Léonarde e procurou-lhe o olhar, esperando uma ajuda desse lado, mas ela abanou a cabeça...

Podeis ter a certeza de que já tentei...

Nesse caso decidiu Christophe fico. Ajudar-vos-ei e só partirei quando a coisa estiver feita. E se alguém tiver que desferir o golpe, serei eu!

Sem lhe responder, Fiora segurou as mãos do jovem e virou-as para lhes ver as palmas, como se tentasse decifrar as linhas. Em seguida ergueu os olhos:

Fostes ordenado? perguntou ela docemente.

Sob aquele olhar que o interrogava sem dureza, Christophe corou.

Fui... mas eu não queria.

Contudo, está feito! Essas mãos foram consagradas. Não podeis sujá-las com sangue...

E que farei eu na guerra, nesse caso?

A guerra é diferente. Sempre houve, e haverá, monges-

-soldados. Além disso, empenhareis a vossa vida nos combates.

Mas eu já não quero ser monge, nem soldado, nem outra coisa qualquer. Eu quero ser um homem livre de escolher o seu destino...

Que seja como quiserdes, meu amigo, mas, pelo menos, não vos sujareis com um crime friamente premeditado. Além disso, não darei a ninguém o prazer de dar o golpe em meu lugar... Enfim, depois deste assassínio, haverá outros, que me conduzirão um dia, talvez, ao cadafalso. Recuso arrastar-vos para semelhante destino, porque há dezassete anos que sofreis. Tendes o direito de viver como quiserdes e eu sentir-me-ei feliz por isso. Não me tireis essa consolação, que talvez seja a minha última boa acção!

Suplico-vos, deixai-me ficar! Velarei por vós, proteger-vos-ei...

Nós estamos aqui para isso interveio a voz grave de Demétrios, que acabava de entrar. Donna Fiora tem razão: vós deveis ir ao encontro do vosso destino e deixar-nos decidir o nosso. Parti sem pensamentos preconcebidos!

Achais que isso é possível, agora?

Tenho a certeza. Até é necessário, porque tereis um dia de estar num determinado lugar, a uma determinada hora, para Pagar a dívida que contraístes hoje.

- Que quereis dizer?

Por vezes, o véu do futuro ergue-se, por momentos, para mim. Há-de vir o dia em que vos será pedido que devolvais o que recebestes hoje.

Tendes de acreditar! assegurou-lhe Fiora. Ele nunca se engana... E agora separemo-nos... e rezai por nós!

Sem uma palavra, Léonarde pegou no manto negro que Christophe tinha depositado sobre um escabelo ao entrar no quarto e colocou-lho nos ombros. Ele não fez qualquer movimento, ao mesmo tempo que fixava Fiora, como se não conseguisse desviar o olhar. Mas estremeceu quando Demétrios lha meteu na bolsa algumas moedas de ouro e o empurrou na direcção da jovem: Ide abraçá-la! São horas. Esteban espera-vos no pátio! com um cavalo. Dirigi-vos à Lorena, onde as tropas borgonhesas começam a reagrupar-se. Fala-se de Thionville...