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Não me acabrunheis, donna Léonarde! O pensamento de que ela pudesse tornar-se amiga dele dava comigo em doido! Ela tinha jurado ajudar-me a destruí-lo...!

E vós fundastes as vossas esperanças numa criança, ousastes fazer do homem que ela ama o objecto de uma troca ignóbil! E julgais que eu vo-lo deixaria fazer? Eu não gostava de vós, Demétrios; mas, agora, odeio-vos...

Não vos culpo. Esteban também se virou contra mim; ajudou Philippe de Selongey a escapar e conseguiu para ele a protecção de Guillaume de Diesbach e do duque Renato. Mas tudo acabou. Pedi perdão por mim a Fiora e dizei-lhe que, a despeito do que possa pensar, sempre gostei muito dela.

Onde ides?

Não sei. Procurar alguém que ainda precise de mim. Talvez o Rei Luís...

Pouco importa. O que interessa é que seja bem longe daqui. Talvez ela vos perdoe. Eu, não posso...

Evidentemente...

Com grande esforço, ele içou-se para o cavalo. Num instante, os seus ombros tinham-se curvado e o médico envelhecera dez anos. Uma vez na sela, virou-se para a mulher que o olhava na margem do lago gelado, parecida com uma impiedosa estátua da justiça...

Adeus, donna Léonarde!

Adeus, ser Demétrios! Não vos posso desejar nada melhor do que a paz do vosso coração, mas, para isso, tendes de mudar de caminho...

Nessa mesma noite, à luz dos archotes, o duque Renato, em cima de Dame, a sua mula branca, fazia a sua entrada em Nancy para ir dar graças à igreja de Saint-Georges. Mais de metade da cidade estava arruinada e o palácio ducal não tinha tecto: tinham-no queimado. Em frente do convento das Irmãs Pecadoras tinham feito uma pirâmide com as ossadas dos cavalos, dos cães e dos gatos que tinham comido durante o cerco, mas, graças às provisões do campo borgonhês, a fome estava a afastar-se. Não passaria, em breve, de uma má recordação...

Os prisioneiros eram numerosos: o grande bastardo e o seu outro meio-irmão Baudoin, o conde de Chimay, Olivier de La Marche, Jean de Chalon-Orbe, o senhor de Blamont, o margrave de Roeteln e o seu cunhado Philippe de Fontenoy, Philippe de Selongey e a flor da cavalaria borgonhesa. Seriam postos a resgate, mas pela graça do duque Renato, Fiora, nessa mesma noite, reencontrou ao mesmo tempo o seu marido e o quarto que ocupara um ano antes em casa de Georges e Nicole Marqueiz...

Entretanto, o duque Renato não estava satisfeito: o duque de Borgonha não fora encontrado e só a ideia de que ele pudesse estar vivo punha em perigo a sua vitória. Se o Temerário tivesse conseguido fugir para o Luxemburgo ou para outro sítio qualquer, a coroa da Lorena nunca estaria segura na sua cabeça.

Ora, no dia seguinte, enquanto o povo de Nancy pilhava o campo borgonhês, um rapaz veio ajoelhar-se perante Renato: era Battista Colonna:

Eu creio saber onde está o duque, monsenhor, porque vi-o cair... Posso guiar as buscas.

Seguiram-no até ao lago de Saint-Jean onde, entre as dezenas de cadáveres completamente despojados, jazia um corpo meio nu preso nos gelos e quase irreconhecível. O crânio estava fendido até à maxila, o corpo cheio de ferimentos e meio esmagado pelos cascos dos cavalos e uma face devorada por um lobo, ou por um cão. Junto dele jazia Jean de Rubempré, que fora governador da Lorena. Os dois corpos foram piedosamente envoltos em lençóis brancos e transportados para Nancy, um para casa de um burguês chamado Hughes e o duque para casa de Georges Marqueiz. Lavaram-no, vestiram-lhe um longo traje de seda bordada, cobriram-lhe a cabeça fendida com um gorro de veludo vermelho e estenderam-no num leito coberto de veludo negro, de mãos juntas e com quatro archotes nos quatro cantos. Foi erguido um altar no quarto e todos foram admitidos a saudar aquele que fora o último grande duque do Ocidente.

O duque Renato também apareceu, usando, segundo o costume dos antigos cavaleiros medievais, uma barba de ouro que lhe descia até à cintura, último sinal de respeito para com um adversário vencido. Olhou por um momento para o despojo mortal, pegou-lhe na mão direita e, com um suspiro:

Não foi por minha vontade, meu primo, que a vossa infelicidade e a minha vos reduziram a este estado...

Em seguida, inclinou-se profundamente e saiu para devolver a vida à sua Lorena martirizada. No dia seguinte, o Temerário era inumado na igreja de Saint-Georges, tapado por um pano negro e na presença de todos os habitantes da cidade transportando na mão uma vela acesa. Era o fim...

No quarto que o fogo mal aquecia, Philippe e Fiora acabavam de se amar. Deitados, ombro contra ombro e mão na mão, saboreavam a bem-aventurada prostração dos corpos que acabam de lançar para os lençóis brancos amarrotados a onda de

1 Foi trasladado, depois, para Bruges.

prazer, mas não dormiam. Não tinham vontade, nem um, nem outro, porque lhes parecia que nunca conseguiriam recuperar o tempo perdido. Tinham a impressão de que, com as mãos juntas, o sangue corria de um para o outro.

Erguendo-se num cotovelo, Philippe acariciou com a ponta do dedo o belo rosto de olhos fechados, pousou um beijo nos mamilos cor-de-rosa e passou uma mão terna sobre a pele tensa do ventre liso:

Espero que me dês em breve um filho murmurou-lhe ele ao ouvido. Já é tempo, não achas, de pensarmos em fundar uma família?

Ela esticou-se, bocejou e, virando a cabeça, colou os lábios aos do marido.

Tens assim tanta pressa? perguntou ela, recuperando o fôlego. Não poderemos amar-nos, simplesmente? Temos muito tempo. Não temos a vida toda à nossa frente?

Sem dúvida, mas quando regressar contigo a Selongey gostaria que tivesses, nesse belo corpo, uma pequenina chama. Qual é o homem apaixonado que não deseja fundir-se com a mulher amada para dar à luz uma criança? E nunca mulher alguma foi amada como eu te amo... Meu amor, minha doce, minha bela, quando estiver longe de ti ser-me-á tão doce...

Aquelas últimas palavras fundiram-se num beijo ardente que Philippe prolongou ao longo do pescoço de Fiora, ao mesmo tempo que a sua mão lhe afastava docemente as pernas. Mas uma espécie de sinal de alarme acabava de se acender no espírito da jovem e, deslizando para fora do abraço que a prendia, afastou-se um pouco e ficou sentada aos pés da cama, de pernas dobradas, olhando para o grande corpo deitado marcado por novas cicatrizes.

Quando estiveres longe de mim? O que é que isso quer dizer? Tens intenção de me deixar, agora que acabamos de nos reencontrar?

Vai ser preciso, meu amor suspirou ele. O duque morreu, mas a Borgonha continua viva. E tem um nome: a princesa Maria, que a cidade de Gan mantém cativa com a duquesa Marguerite. É dever daqueles que foram companheiros do seu pai irem oferecer-lhe os seus braços e as suas espadas...

A princesa Maria? Mas ela não precisa de ninguém! Não está noiva do filho do imperador Frederico? Creio que ele já é suficientemente grande para velar pelos interesses da sua futura mulher?

Depois do que acaba de se passar, não tenho a certeza que Frederico continue a considerar esta aliança muito proveitosa. A Borgonha está exangue... e as filhas do Rei de França são muito ricas. Não te zangues, Fiora e volta para os meus braços! Eu tenho um dever a cumprir e a minha mulher deve compreender.

Ele tentou puxá-la para si, mas ela bateu nas mãos estendidas e saltou da cama...

Não, Philippe. Não contes com a minha compreensão. Durante este tempo todo em que estivemos afastados um do outro, sofri demasiado, para aceitar agora uma nova separação... Tu és, decididamente, o homem dos amores breves! Quando casaste comigo só querias de mim uma noite de amor e agora, após unicamente três noites, só pensas em partir? Quero lá saber da princesa! Ela tem palácios, guardas, uma herança enorme e um noivo imperial. E eu tenho que ir enterrar-me num castelo perdido na companhia de uma cunhada que me detestará, sem dúvida, enquanto tu cavalgas pela Flandres e brincas aos cavaleiros andantes socorrendo viúvas e órfãs? Não contes com isso!...