Выбрать главу

Fiora percorreu metade da distância na direcção do jovem que, subitamente, a tomou nos braços. Ela afastou-o suavemente, mas beijou-o nas duas faces com uma ternura fraternaclass="underline"

Deus vos guarde, meu querido tio! Para onde quer que vades, pertencer-Lhe-eis sempre... Ele beijou-a na fronte e depois, virando-se bruscamente, partiu a correr, seguido por Demétrios. Ouviram-no galgar as escadas. As duas mulheres saíram para a varanda de madeira que dominava o pátio para assistir à sua partida. Elas viram-no saltar para a sela como se não tivesse feito outra coisa durante toda a sua vida em vez de gastar os joelhos nas lajes de um convento, apertar as mãos de Demétrios e de Esteban e em seguida, tirando o capuz com um gesto cheio de elegância natural, saudar as damas antes de incitar o seu cavalo e desaparecer sob a entrada coberta do albergue.

Fizestes bem em afastá-lo disse Léonarde.

Porquê? Ele não vos inspirava confiança?

Pobre rapaz! É claro que sim... mas ele estava quase a apaixonar-se por vós, meu cordeiro... e os vossos assuntos de família já estão complicados quanto baste. E agora vinde preparar-vos para vos mudardes para a vossa nova casa. Espero que vos agrade.

Não tem importância. Se as janelas permitem ver o que eu | espero, o resto pode estar tudo arruinado, que eu não me importo... Felizmente não é assim. Vejam bem o egoísmo da juventude! Pensai um pouco em mim, Fiora, que passei desta bela hospedaria para a elegância do palácio Beltrami, Tenho maus hábitos, que quereis?...

Léonarde, de comum acordo com os seus companheiros, tinha alugado a casa em nome do médico Demétrios Lascaris, viajando com a sua sobrinha Fiora, o seu secretário e a governanta da jovem. Foi, portanto, como a princesa Lascaris que Fiora cuidadosamente velada e nos braços de Esteban, como a doente que pretendia ser, entrou na bela residência dos Morel-Sauvegrain e foi para o quarto que lhe estava reservado, um dos dois que dava para a parte de trás da casa.

Aquele quarto, que lhe foi cortesmente aberto pelo intendente Hurtault, estava iluminado por um grande ramo de peónias, metidas num vaso de estanho perto de uma caixa de frutos de compota.

A minha senhora disse ele deseja as boas-vindas a Vossa Senhoria e espera, quando a vossa saúde o permitir, ter o prazer de vos vir cumprimentar...

Fiora respondeu alguns agradecimentos em voz fraca, aos quais Demétrios acrescentou que se sentiria feliz, pela sua parte, por ter a honra de ser admitido para apresentar os seus respeitos a uma anfitriã cujo nome e mérito tinham chegado até ele...

Não faltarei confiou ele a Léonarde uma vez a porta fechada nas costas do intendente. Certamente, ela poderá ensinar-nos muita coisa útil...

Pela minha parte, encarrego-me de interrogar os criados respondeu esta. É nas cozinhas que se sabem as maiores coscuvilhices...

Fiora não os ouvia, tendo já saltado da cama onde Esteban a tinha estendido para correr para a janela. A casa de Regnault du Hamel estava mesmo ali, onde Léonarde tinha dito que estaria... E era tal qual a jovem a imaginava: escura e sinistra, como o devia ser a casa de Autun, onde Marie de Brévailles sofrera O seu calvário antes de conseguir fugir.

Era uma casa quase tão solitária como a do carrasco. Enquadrada por três lados pela rua de la Tonnellerie, rua du Lacet e o Suzon, um pequeno jardim maltratado mantinha o quarto lado longe das habitações vizinhas. Um rodapé de pedra, que não tinha outra abertura senão uma porta de madeira escura armada com dobradiças de ferro, sustinha dois andares de sacada com transeptos enegrecidos pelo tempo, tudo sob um grande telhado abrigando a empena pontiaguda. Duas janelas no andar nobre, uma abertura fechada por persianas de madeira e uma lucerna que dava para o ribeiro não deviam deixar entrar muita luz do dia. Era verdade que, do seu observatório, Fiora não podia ver a fachada do lado do jardim, mas, tal como a via, aquela casa era tão triste como uma prisão... ou uma tumba, porque, a despeito do bom tempo, nenhuma vidraça estava aberta nem se via vivalma... -i

Demétrios, que escolhera o outro quarto que dava para as traseiras, o que fazia ângulo com a casa, a pique nesse local sobre o Suzon e que tinha a melhor vista para a entrada, foi ter com Fiora: Precisamos de saber como é a casa no lado do jardim. Esta noite enviarei Esteban em missão de reconhecimento...

É muito cedo observou Fiora. A nossa chegada, saudada com tanta amabilidade pela nossa anfitriã, deve ter feito algum barulho no bairro. Mais vale não nos arriscarmos a dar já nas vistas...

Com um sorriso divertido, o grego aplaudiu silenciosamente:

Bravo! Estou a ver que as minhas lições deram frutos. Esperava que me respondesses isso, mas não tinha a certeza. E tens razão. Tu és uma jovem doente e eu um velho que não se afasta muito dos seus livros e temos de dar essa imagem tranquila. Entretanto, Esteban não tem qualquer razão para não percorrer as tabernas. Não tem igual no que toca a arranjar amigos e desatar línguas. E dame Léonarde talvez consiga tirar alguma coisa da criada que nos deram...

A criada em questão chamava-se Chrétiennotte Yvon. Era uma sólida comadre de uns trinta anos, de olhos redondos mas vivos, de figura alegre e graciosa, a quem não metiam medo o trabalho e as longas conversas. Tal como as outras criadas da ama-de-leite ducal, era, na sua pessoa, assim como no seu trabalho, de uma limpeza tipicamente flamenga. Mas o que lhe pertencia a ela unicamente era o carácter feliz, que a levava a cantar de manhã à noite. Fazia lembrar um pouco a Léonarde a gorda Colomba, a sua amiga florentina, que era sempre a mulher mais bem informada da cidade. A governanta reteve-se, porém, de testemunhar demasiada simpatia a Chrétiennotte, pensando que dameMorel-Sauvegrain talvez lhes tivesse despachado uma criada tão loquaz com um segundo sentido: o de estar sempre informada acerca dos movimentos e gestos dos seus novos locatários.

Falai-lhe o menos possível aconselhou ela a Fiora e deixai-me trabalhar. Eu saberei tirar-lhe os nabos da púcara!

A vida, na casa à beira do Suzon, organizou-se, tranquila e silenciosa, ritmada pelos golpes de macete que ”Jacquemart e a sua mulher Jacqueline” davam no sino da igreja de Nossa Senhora vizinha para anunciar as horas. Fiel aos seus hábitos antigos, Léonarde ia todos os dias à primeira missa, velando o resto do tempo pela manutenção da casa. Demétrios compilava as obras trazidas de Florença e redigia o tratado sobre a circulação sanguínea que começara. Esteban percorria a cidade. Quanto a Fiora, ao cabo de dois dias suportava muito dificilmente aquele papel de pessoa doente tão contrário à sua natureza, mas ao qual se via forçada devido à sua extrema parecença com os seus pais: arriscava-se a ser descoberta. A sua única distracção, para além dos bordados que Léonarde lhe colocara nas mãos e de um livro grego emprestado por Demétrios, era espiar a casa em frente.

Sentada durante horas na cadeira cheia de almofadas que só abandonava para ir para a cama, observava obstinadamente o que se passava na outra margem do rio. E, na verdade, não via grande coisa: por duas vezes viu sair ou entrar, com cabazes, um ou outro dos dois criados que, a acreditar em Esteban, constituíam todo o pessoal do conselheiro ducal. Mas a ele a jovem ainda não avistara, porque se deslocara por alguns dias a uma propriedade que possuía perto de Vergy, no interior.

A jovem estava tão farta que na manhã do terceiro dia não resistiu ao desejo de interrogar Chrétiennotte:

Aquela casa, do outro lado da ponte, que nunca abre as janelas e raramente a porta, a quem pertence?

A criada esbugalhou os olhos mais redondos do que nunca, benzeu-se precipitadamente duas ou três vezes e, como Fiora se espantasse, suspirou:

Menina mais valia que vos mudassem de quarto, se vos ides interessar por aquela baiúca...