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Bebo à tua beleza, Fiora, e à tua chegada à minha casa que será, doravante, a tua e na qual eu próprio serei teu amigo e... teu protector acrescentou ele com um olhar na direcção de Hieronyma, que franzia o sobrolho perante aquela situação que não previra:

O que é que te deu? Eu pensava que a odiavas?

Eu odiava o pai dela, mas, pode-se odiar uma flor? Esta não passava de uma promessa quando abandonei Florença, onde a beleza de Simonetta brilhava sobre todas as coisas, Ora, eu não pude ter Simonetta.

E pensas ter esta? Ela não acaba de casar contigo! Francesco virou-se para o seu sobrinho que, como se não tivesse nada com isso, petiscava dos pratos enquanto provava, com visível satisfação, vinho de Espanha.

Achas que ele, na verdade, acaba de casar com alguém? Recordando-se do estranho brilho azul e da pressão ligeira de uma mão, Fiora pensou que era tempo de se meter na conversa. Até então, contentara-se em dar o seu justo valor à semidisputa que opunha os seus inimigos. Explorar a cobiça que Pazzi nem sequer se dava ao cuidado de disfarçar talvez fosse uma boa estratégia e depois de ter bebido a taça que ele lhe oferecera, a jovem sorriu-lhe com uma graça que fez brilhar os olhos do homem.

Obrigada por me acolheres assim, meu tio. Sinto-me feliz por constatar que conto, pelo menos, com um amigo nesta casa e estou certa que o futuro nos reserva momentos felizes, mas não devo negligenciar aquele que se tornou, esta noite, meu marido. É com ele, se me permites, que vou partilhar este vinho de Chipre e este bolo de amêndoa.

Evidentemente! Não podemos esquecer-nos da tradição! Ouviste, Cario? Vem aqui para o pé de nós!

O marido obedeceu docilmente, aceitou a parte do bolo que Fiora lhe oferecia e esvaziou a grande taça de casamento em prata cinzelada de onde ela acabava de beber.

Obrigada disse ele com uma voz de rapazinho bem-educado Estava muito bom. Posso ir deitar-me, agora?

É claro que podes, meu pequeno! disse Hieronyma com voz untuosa. Nós vamos conduzir-te a ele com a tua esposa. Olha para ela! Espero que te agrade? Ela não é virgem, claro, mas não te podes mostrar difícil...

Eu vou-me deitar com ela?

Vais e terás prazer com ela tantas vezes quantas quiseres... Ela é tua, sabes, só aia...

Chega! grunhiu Francesco. Ele nunca se aproximou de uma rapariga e eu não vejo a utilidade dessa comédia. Só a bênção nupcial é que é importante.

Sem dúvida, mas Cario merece uma recompensa e não há razão nenhuma para o punir. Tu quere-la, não queres, Carlitto, esta bela rapariga? Vai preparar-te! Eu própria a levo ao vosso quarto e a dispo.

Sim...sim, Carlo quer! disse o rapaz, batendo palmas com um riso idiota que fez empalidecer Fiora. Teria, na verdade de suportar aquele aborto, que passava a língua pela boca espessa como um gato em frente de um bolo de creme?

Recebi a noite passada, como presente da condessa Riario, esta jovem que esteve, em tempos, ao meu serviço disse ela designando Khatoun, que ficara à entrada da sala onde continuava imóvel como uma estátua. Ela sabe muito bem despir-me.

A noite de núpcias pertence às damas da família protestou Hieronyma.

Então, façam isso as duas! suspirou Pazzi, que beijou a mão de Fiora com um olhar que dizia muito. Teria gostado, sem dúvida, de se encarregar ele mesmo daquela tarefa agradável.

Recusando o braço que Hieronyma lhe oferecia com um sorriso mau, Fiora ia abandonar a sala seguida de Khatoun quando Pazzi, agarrando num archote, se lhe juntou:

Eu próprio te escolto para ficar contigo um pouco mais. Amanhã partimos para tratarmos de um assunto importante, Hieronyma e eu, mas ver-nos-emos em breve, quer eu regresse, quer, mais provavelmente, eu te mande buscar com Cario. Até lá, estarás aqui como em tua casa.

Chegado à porta da câmara nupcial, ele desejou-lhe de novo boas-noites com fortes suspiros que a teriam divertido se a sua situação não fosse tão penosa. Quando Hieronyma quis entrar com ela, Fiora repeliu-a.

Não, tu não vais mais longe! Trouxeste-me até onde querias, deve chegar-te. Vai-te embora!

Mas...

Eu disse: Vai-te embora! Não abuses, Hieronyma e, sobretudo, não penses que o meu ódio por ti desapareceu.

Como a mulher, furiosa, quisesse entrar à força, Francesco postou-se diante dela:

Faz o que ela diz! Desçamos juntos, Hieronyma, temos de falar!

Esta teve de ceder. Quando Khatoun fechou a porta do grande quarto iluminado por archotes, Fiora não pôde reter um suspiro de alívio, mas não disse nada. Com efeito, duas servas acabavam, uma de ajeitar o grande leito de colunas guarnecidas de pesadas cortinas de tapeçaria, a outra de colocar num vaso um enorme ramo de peónias e lilases que exalavam um belo perfume. Fiora fez-lhes sinal para saírem e elas assim fizeram após uma reverência.

Mal a porta se fechou, Fiora correu para a janela, que abriu para se debruçar para o exterior. A abertura dava para um pátio estreito, um poço, no qual o luar, reflectido nas lajes do chão, dava ideia da profundidade.

Que estás a ver? inquietou-se Khatoun.

Queria ver se havia uma saída.

Queres fugir? Isso parece-me difícil.

Tudo depende do género de saída que procuramos. Achas que vou partilhar o leito com aquela... aquela coisa? Permitir-lhe que me toque? Eu tive de aceitar este casamento grotesco: mas não me peçam mais nada.

E que queres fazer? Atirar-te da janela abaixo?

Sem hesitar, se ele tentar aproximar-se.

Sem responder, Khatoun levantou a barra do seu vestido e tirou um punhal longo e delgado que trazia fixo à perna pela jarreteira e ofereceu-o à jovem.

Por que sacrificar-te? A confessa pensa que serás viúva em breve e ainda bem. A partida dos dois, amanhã de manhã, facilita as coisas. Com Cario morto, metemo-lo neste leito e, amanhã, diremos para o deixarem dormir. Enquanto isso, iremos ao palácio Riario, de onde, disfarçada de rapaz, poderás fugir para Florença.

Por que eu e não nós? Pensava que não me querias deixar?

É verdade, mas não sei montar a cavalo e atrasar-te-ia. Só tu podes prevenir monsenhor Lourenço do que se trama contra ele. Aliás, se conseguires, Francesco Pazzi e a dama Hieronyma terão todas as hipóteses de nunca mais regressar a Roma. Em seguida, irei ter contigo e iremos as duas para junto do bebé Philippe! concluiu ela alegremente, como se acabasse de traçar o plano de uma partida agradável para o campo e não de um assassínio seguido de fuga.

Fiora abanou a cabeça, pouco convencida:

Acreditas, realmente, que seria prudente regressar ao palácio Riario? Que faremos do conde Girolamo?

Ele não vai estar lá.

Já ouvi essa frase antes e tu viste como tudo terminou!

Desta vez, não haverá nenhuma armadilha. Amanhã, ele vai conduzir a filha recém-nascida, com grande cerimónia, ao palácio Latrão para ali receber o baptismo das mãos do Papa. Eu sei a hora... E agora, deixa-me meter-te na cama! O teu marido não tarda aí e eu vou dormir diante da porta. Só tens que me chamar quando a coisa estiver feita.

Vivamente, ela foi meter o punhal sob as almofadas de seda branca franjadas a ouro e depois começou a despir Fiora antes de a ajudar a enfiar uma camisa de fina seda. Era tempo, porque se ouviram passos na galeria. Fiora correu a meter-se debaixo dos lençóis, que puxou para si a tempo de ver a porta abrir-se para dar passagem a Francesco Pazzi, que segurava um archote e rebocava Cario pela mão, como uma criança.

O recém-casado estava embalado num roupão de brocado com grandes flores púrpuras e douradas, que acentuava ainda mais a sua tez amarela. O frufru de seda branca por baixo mostrava que também vestia uma camisa. O rapaz apertava as duas coisas contra o peito, Pazzi conduziu-o até ao leito e ficou ali um instante sem dizer uma palavra, contemplando Fiora com olhos que brilhavam como velas. Também devia ter bebido, porque estava muito vermelho e a força da sua respiração chegava ao fundo do leito. A jovem viu aqueles mesmos olhos virarem-se para Cario, ao mesmo tempo que, com a mão livre, Francesco procurava o punho da adaga presa ao seu cinto. Ela sentiu a vontade de matar que ardia naquele homem devido ao poder do vinho e pensou que ele ia, talvez, evitar-lhe um gesto que lhe fazia horror, mas que a entregaria a ele sem grandes possibilidades de se defender. Matar Pazzi na sua própria casa equivaleria a desencadear sobre ela própria, não apenas a fúria de Hieronyma, mas também a de todos os servidores da casa.