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A chuva lembrou a Fiora que não tinha tempo para filosofias e que, no fim de contas, era a Deus que competia decidir se Roma devia viver ou desaparecer num dilúvio de fogo como Sodoma e Gomorra... Pelas explicações precisas que lhe tinham sido dadas por Catarina por um lado, e por Carlo pelo outro, sabia que não havia razão para ter medo de cair em cima de Francesco e de Hieronyma. Primeiro, porque eles tinham, pelo menos, doze horas de avanço e, depois, porque iam em bom andamento, já que Montesecco dispusera para eles de mudas ao longo da estrada, para que tivessem sempre cavalos frescos. Enfim, porque, depois de Siena, não iriam directamente para Florença, passando antes por Poggibonsi para se juntarem, na direcção de San Miniato, ao novo núncio vindo de Pisa. Entrariam, assim, sem perigo, na cidade do Lis vermelho, misturados com o cortejo verdadeiramente principesco que escoltaria o jovem cardeal Riario.

As diligências postas à sua disposição podiam, até, ser úteis a Fiora que, beneficiando das armas de Catarina, conseguiria, certamente, fazer-se passar por um servidor retardado e obter, por sua vez, cavalos frescos. Quanto ao tempo de que dispunha, era muito curto: Rafaele Riario devia fazer a sua entrada em Florença na Sexta-feira santa e estava-se na noite de terça-feira. Teria de percorrer umas setenta léguas em dois dias: uma distância ao alcance de um cavaleiro treinado e com boas montadas, mas muito mais rude para uma jovem que, durante mais de seis meses, vivera uma existência enclausurada. Seria obrigada a parar para ter um mínimo de repouso. Hieronyma, essa, viajava numa confortável liteira, que só pararia para mudar de cavalos. Trocá-la-ia por uma mula antes de San Miniato e abandonaria o cortejo às portas de Florença para ir directamente para Montughi, a cidade do velho Jacopo Pazzi.

Esse pensamento enraiveceu Fiora e fê-la pensar com desdém no sofrimento que ia suportar. Lembrando-se da sua querida Léonarde e dos inumeráveis cataplasmas de cera de vela que usara durante as campanhas do Temerário, chegou a rir sozinha com a alegria própria da idade que a liberdade reconquistada lhe devolvia...

Em Viterbo, cidade papal onde chegou na manhã de quarta-feira, já tinha vinte léguas nos rins e todo o seu corpo reclamava, desesperadamente, um pouco de repouso. O seu cavalo também, que a jovem trocou por outro no albergue dell’Angelo, lamentando não poder alugar um quarto. Era uma das mudas dos Pazzi e mais valia não se demorar. Fiel ao seu papel de retardatário apressado, ela contentou-se em comprar um queijo, um bocado de pão, um pichel de vinho clarete e algumas velas, retomando heroicamente o caminho.

Uma vez fora da cidade, avistou um edifício em ruínas onde crescia a hera, as ortigas e a erva-cidreira, entrou nele com a sua montada que prendeu a uma viga e instalou-se para comer, beber e repousar um pouco durante três horas. Não temia ultrapassar esse tempo que fixara a si própria porque possuía a faculdade precisa de acordar quando queria. Três horas mais tarde, de facto, acordou do seu sono, comeu e bebeu mais um pouco e decidiu retomar a viagem. A chuva cessara depois do nascer do dia e, se bem que o tempo continuasse cinzento e frio, era, de qualquer modo, mais suportável. Infelizmente a estrada, essa, era mais acidentada, menos direita e em breve o galope deixou de ser menos possível. No entanto, a viagem de Fiora continuou mais ou menos sem grandes dificuldades graças à brilhante organização de Francesco Pazzi e de Montesecco. A sua túnica brasonada fazia maravilhas.

Depois de San Quirico dOrcia, o caminho era traçado ao longo das doces ondulações da Ombria, desenhando uma paisagem calma, semeada dos ciprestes que o velho mestre Giotto tanto amara e dos quais também Fiora tanto gostava: os campos começavam a parecer-se com a sua querida Toscânia.

No fundo de uma encosta a estrada desenhou, subitamente, um cotovelo com um pequeno e espesso bosque de ambos os lados e a amazona deu de caras com uma carroça carregada de lenha que ocupava toda a largura do caminho. O cavalo travou tão brutalmente que Fiora, a despeito da sua habilidade, quase passou por cima da cabeça do animal. Com grande dificuldade, conseguiu manter-se na sela, mas a montada, assustada, empinou-se com a boca cheia de espuma: do abrigo do bosque surgiram uns homens andrajosos mas armados até aos dentes. Um deles lançou um pano preto sobre a cabeça do animal, ao mesmo tempo que os outros o rodeavam empunhando arcabuzes.

Bandidos! praguejou Fiora entredentes. -”- Só me faltava mais esta!

Cego, o cavalo acalmou-se. Um dos bandidos segurara-lhe nas rédeas e segurava-o firmemente. Entretanto, um homem, que devia ser o chefe o único que não tinha arcabuz destacou-se do círculo com uma mão na anca e o nariz emproado. Um nariz impressionante. A personagem era do género atarracado. O seu tamanho era pequeno, mas de mãos e ombros enormes. Uma barba sal e pimenta, que se combinava com os cabelos, comia a maior parte do seu rosto e naquela soberba exuberância peluda os seus olhos brilhavam, trocistas. O seu fato compunha-se de um gibão de pele de búfalo recheado de pregos, sobre o qual dois ou três pedaços de armadura faziam o possível por lhe dar um ar nobre, que seria ridículo sem a interminável espada que lhe tocava nos jarretes e que aparecia, elegantemente, por detrás de um manto vermelho em farrapos. Um gorro de feltro sujo, embelezado por uma pena escarlate, completava o seu equipamento.

Mais aborrecida do que receosa, Fiora olhou para a personagem que, depois de a ter saudado cortesmente, se apoderou da sua bolsa:

Fizestes mal em me deter, senhor bandido suspirou Fiora. Eu estou cheio de pressa!

Uns dentes brancos apareceram por trás dos pêlos emaranhados da barba, ao mesmo tempo que o homem sopesava alegremente a bolsa que emitia, era verdade, um som encorajador:

Como estais zangado, jovem senhor disse ele rindo porque eu também estou com pressa de ter esse belo cavalo que substituirá tão bem aquele que perdi há dois dias. Vós pareceis-me um homem bem-educado a julgar pelo brasão que trazeis ao peito e compreendereis, sem dificuldade, que a minha dignidade de chefe me impede de continuar apeado por muito mais tempo. Perco prestígio.

Lamento muito, mas como a vossa vida não está em perigo e como, pelo contrário, a existência de muita gente depende das pernas deste animal, fica para outra ocasião.

E, dizendo aquelas palavras sem que uma entoação diferente pudesse pôr o seu adversário de sobreaviso, Fiora desembainhou a espada e com a rapidez de um raio golpeou furiosamente o peito do seu adversário, que rolou por terra; no mesmo movimento, ela fez empinar de novo o seu cavalo, cujas patas anteriores feriram o bandido que o segurava. Mas se contava com o efeito de surpresa para se livrar do resto do bando, enganou-se, porque três deles, mal viram o seu chefe no chão, abandonaram as suas armas e atiraram-se sobre Fiora, que se viu desmontada e por terra, meio cega pela sua manta. Enquanto isso, o chefe levantara-se e sacudia o seu gibão sujo com a graça de um pequeno senhor:

Uma cota de malha é sempre uma boa precaução quando frequentamos viajantes honestos troçou ele mas fizeste-me um novo buraco no gibão e isso vai custar-te caro, meu amigo!